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Cúpula do clima termina com mensagem contida contra o carvão e os combustíveis fósseis

Governos admitem em Glasgow que estão falhando na luta climática e que devem aumentar seus planos de redução de emissões em 2022

COP26 Glasgow
Ativista com máscara de Boris Johnson e cartaz com os dizeres “Onde está o dinheiro para o clima?”, nesta sexta-feira, nas imediações da cúpula de Glasgow.Peter Summers (Getty Images)
Manuel Planelles

Com demora e tensão final, os representantes dos quase 200 países que participam há quase três décadas das negociações climáticas conseguiram fechar na noite deste sábado (mais de um dia após o previsto), um acordo com unanimidade em Glasgow. Mas não: como estava previsto, o que sai da COP26 não é uma solução definitiva para uma crise climática que assola o planeta e coloca a humanidade em perigo. Ainda assim, o acordo final que emana dessa reunião significa, pelo menos, o reconhecimento de que os países estão fracassando coletivamente e precisam aumentar seus planos de redução de emissões de gases do efeito estufa. Da cúpula surge um apelo para que as nações aumentem seus planos climáticos para 2030 durante o próximo ano, algo que se entende como uma mensagem à China, o principal emissor do mundo atualmente e que, até agora, só se comprometeu a atingir seu pico de dióxido de carbono (CO2) antes de 2030.

A declaração final da COP26 também pede que os países reduzam gradualmente o carvão e “os subsídios ineficientes” aos combustíveis fósseis. Mas não estabelece nenhum prazo e deixa aberta a porta para que as usinas de carvão continuem com seus sistemas de captura e armazenamento de CO2, ou seja, para capturar esse gás antes que chegue à atmosfera. No caso dos subsídios, o veto afetaria apenas as ajudas “ineficientes”, o que permite que cada país continue concedendo-os segundo seu próprio critério. A mera menção aos combustíveis fósseis gerou o bloqueio das negociações durante muitas horas, com uma oposição clara e pública de países como Índia, Arábia Saudita, África do Sul, Nigéria e Venezuela. A pressão dessas nações inclusive conseguiu que fosse alterado e suavizado, no último momento, a redação desta parte. Em vez de defender sua eliminação, pede-se apenas sua redução.

É a primeira vez que uma decisão da ONU desse tipo menciona os combustíveis fósseis e o carvão, os principais responsáveis pelas emissões causadoras da mudança climática. Sua inclusão é uma mensagem para que investidores e governos tenham cuidado ao direcionar seus fundos a energias desse tipo. Mas muitos países mostraram neste sábado sua insatisfação com as referências contidas a tais combustíveis. O Ministério da Transição Ecológica da Espanha, chefiado por Teresa Ribera, reconheceu: “As menções sobre a saída do carvão não são nossa opção preferida. Acreditamos que devemos eliminar, não apenas reduzir, o carvão.” Na mesma linha, o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, lamentou a mudança de última hora, embora a tenha admitido como mal menor para conseguir o acordo global, diante do risco de que não houvesse solução para um eventual bloqueio do final da cúpula.

Outro ponto de destaque da declaração de Glasgow diz respeito à ajuda que os países desenvolvidos devem prestar às nações mais pobres. Parte-se da premissa de que são os Estados mais ricos os que desencadearam o problema da mudança climática, após décadas baseando seu crescimento econômico nos combustíveis fósseis —e, portanto, são eles os que emitiram a maioria dos gases do efeito estufa que permanecerão na atmosfera durante séculos aquecendo o planeta. Com a declaração de Glasgow, os países ricos se comprometem a dobrar os fundos que destinam à adaptação em 2025, o que equivale a cerca de 40 bilhões de dólares (219 bilhões de reais). Além desse fundo, da COP26 surge o arcabouço para que, no futuro, seja estabelecido um mecanismo de perdas e danos: basicamente, um instrumento de ajuda internacional para os países com menos recursos que forem atingidos, por exemplo, pelos fenômenos extremos vinculados à crise climática.

Promessas de longo prazo

O resultado do encontro não convenceu totalmente nenhum país. Praticamente todos os negociadores o descreveram como imperfeito. Mas existia um certo risco, por incrível que pareça, de que os quase 200 países participantes se esquivassem dos objetivos e fossem embora com uma mensagem de autocomplacência. Porque uma imensa quantidade deles, cerca de 140 —90% da economia mundial— prometeram que, até meados deste século, alcançarão as chamadas emissões líquidas zero (só poderão expulsar a mesma quantidade de gases do efeito estufa que puderem capturar com sumidouros como as florestas, por exemplo). Essa é a via teórica que os países precisam seguir para que seja possível cumprir o Acordo de Paris, que estabelece que o aumento da temperatura global não deve superar os dois graus centígrados em relação aos níveis pré-industriais —e, na medida do possível, 1,5.

O presidente da cúpula de Glasgow, Alok Sharma, no encerramento da reunião na noite de sábado.
O presidente da cúpula de Glasgow, Alok Sharma, no encerramento da reunião na noite de sábado. DPA vía Europa Press (Europa Press)

O aquecimento já está em 1,1 grau, como se admite com “alarme” e “máxima preocupação” na declaração acordada em Glasgow. No entanto, se fosse cumprida toda essa torrente de anúncios de zero emissão em três décadas, assim como outros acordos não vinculantes anunciados durante a cúpula, o aquecimento poderia ficar em apenas 1,8 grau, segundo uma análise apresentada pela Agência Internacional de Energia (IEA). O problema é que as promessas de longo prazo, para 2050 ou além, não batem com os planos concretos de curto prazo, para esta década, que os países apresentaram oficialmente na ONU.

A declaração final de Glasgow concentra-se nesses planos de curto prazo, conhecidos pelas siglas em inglês NDC e que são insuficientes, não nas otimistas e difusas promessas para o longo prazo. A análise também adverte: para que a meta de 1,5 grau estabelecida pelo Acordo de Paris seja cumprida, é necessário que as emissões de dióxido de carbono, o principal gás do efeito estufa, tenham uma queda de 45% em 2030 em relação aos patamares de 2010. A declaração reconhece, com “grave preocupação”, que os NDC apresentados agora farão com que as emissões globais sejam 13,7% maiores em 2030 que em 2010. Ou seja: o mundo não está seguindo na direção correta. Por isso, pede-se aos países que “revisem e reforcem os objetivos para 2030″ em seus planos perante a ONU “até o final de 2022″.

Desde o ano passado, muitos países revisaram seus NDC. Teoricamente, a próxima revisão não seria feita antes de 2025, como prevê o Acordo de Paris. Mas, ante a constatação de que os esforços não são suficientes e a enorme pressão do mundo científico e da sociedade em geral pelos crescentes impactos da mudança climática, muitos países desenvolvidos, como os Estados Unidos e os da União Europeia (UE), pressionaram para que seja incluído esse pedido de que as nações reforcem seus objetivos até 2030. Esse apelo, no fundo, é uma mensagem direta a países como China, Índia e Brasil, cujos planos de curto prazo não estão alinhados com a redução de 45% das emissões necessária até 2030.

Por trás de toda essa quantidade de porcentagens, graus, siglas e requisitos, há uma disputa entre blocos. De um lado estão os países considerados classicamente desenvolvidos, como os EUA e os da UE. Eles são os principais responsáveis históricos pelo aquecimento. Do outro, estão nações como China, Índia e Brasil, cujas emissões aumentam em grande velocidade à medida que crescem economicamente. Somente essas cinco economias concentram hoje cerca de 55% das emissões mundiais. A China (27%) e os EUA (11%) lideram a lista. Os NDC dos EUA e da UE propõem atualmente reduções de seus gases para esta década que estão em linha com o corte de 45% em 2030, necessário para cumprir o objetivo de 1,5 grau do Acordo de Paris. Mas esse não é o caso da Índia, do Brasil e sobretudo da China, que até agora só se comprometeu a alcançar seu pico de emissões antes de 2030.

O acordo final fechado em Glasgow, do jeito que está redigido, não vincula legalmente nenhum país. Apenas pede que “revisem e reforcem os objetivos até 2030″ de seus NDC, sem mencionar nenhum Estado. Por outro lado, é mantida a pressão sobre os países que ainda não endureceram o suficiente seus programas de redução. De fato, anualmente a área de mudança climática da ONU realizará um relatório de acompanhamento sobre esses planos e o nível de aquecimento ao qual eles conduzirão. Os países reunidos em Glasgow, conscientes também da falta de congruência entre seus planos de curto prazo e as promessas de longo prazo, também concordaram em pedir, na declaração final, que ambos os assuntos sejam alinhados.

Desenvolvimento do Acordo de Paris

Além da declaração final que contém todos esses pontos, a cúpula que acaba de terminar neste sábado também aprovou o desenvolvimento do artigo 6 do Acordo de Paris. Ele versa sobre os chamados mercados de carbono, isto é, o intercâmbio de direitos ou unidades de emissões de gases entre países. Desde a adoção do Acordo de Paris, tentou-se sem sucesso aprovar sua implementação sob o temor de que pudessem cair numa dupla contabilidade. Ou seja: que um mesmo direito fosse levado em conta nos balanços de redução de dois países ao mesmo tempo.

Outro duro debate foi sobre o que aconteceria com as unidades de emissões geradas durante a época do Protocolo de Kyoto, o pacto climático que existia antes do Acordo de Paris. A Europa se opunha a que essas unidades fossem “arrastadas”, frente à posição de países como o Brasil. Mas, finalmente, esses direitos poderão continuar sendo utilizados. O Executivo espanhol, no entanto, explicou neste sábado que “a União Europeia concordou em não usar unidades desse tipo e espera que outros países, aliados na ambição climática, façam o mesmo”.

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