Novo debate sobre eficácia das máscaras coloca em xeque as feitas de tecido comum. Qual devo usar?

Alemanha e França começam a exigir proteções médicas em locais fechados. Escassez de produção e preço são os principais obstáculos para alterar o protocolo contra a covid-19

Vendedor mostra máscara FFP2 em farmácia de Dortmund (Alemanha).
Vendedor mostra máscara FFP2 em farmácia de Dortmund (Alemanha).FRIEDEMANN VOGEL (EFE)
Pablo Linde

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A história das máscaras se repete. No início da pandemia, as autoridades sanitárias não recomendavam seu uso —em parte— porque não havia capacidade de fornecimento para todos os cidadãos. Quase um ano depois, máscaras não médicas ainda são permitidas, apesar de os especialistas consultados afirmarem que estas não são mais seguras, levando em consideração o que se sabe hoje sobre a transmissão do vírus e, principalmente, com a circulação de variantes mais contagiosas, como a britânica. Mas se as teoricamente mais eficazes para conter o contágio, as FFP2, fossem obrigatórias para todos, provavelmente não haveria capacidade de produção suficiente.

Há países que já estão vetando as máscaras não médicas por não oferecerem garantias suficientes. A França começou desaconselhando o uso das caseiras e está preparando um decreto para impor o uso de proteções mais elevadas. As autoridades querem que os cidadãos usem apenas três tipos de máscaras em espaços públicos a partir de agora: as cirúrgicas, as FFP2 e as de tecido industrial de categoria 1, que filtram pelo menos 90% das partículas de três micras. Na Alemanha já não se pode entrar em espaços fechados (como supermercados ou escritórios) com máscaras de tecido ou higiênicas. Tampouco se pode usar um cachecol ou um lenço. Serão exigidas as de tipo FFP2, KN95 —consideradas equipamentos de proteção individual (EPIs)— ou a máscara cirúrgica, mais barata que as anteriores, mas também homologada, e que possui uma capacidade de filtragem superior a 90%. As máscaras FFP2 já são obrigatórias na Baviera desde segunda-feira.

Alberto Núñez Feijóo, presidente do Governo autônomo da Galícia, introduziu o debate na Espanha na quarta-feira. “Daria confiança que o Governo esclarecesse se as FFP2 podem ser obrigatórias em determinados lugares ou comportamentos sociais. Parece-nos que sim”, afirmou em uma intervenção no Parlamento, na qual anunciou que levaria a questão ao presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol, Pedro Sánchez, na reunião que terão na sexta-feira.

Fernando Simón, diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias espanhol, aprovou o uso de máscaras cirúrgicas ou EPIs (FFP2 ou FFP3). “Quanto mais proteção, melhor”, disse na semana passada ao defender o uso de máscaras de tecido “que atendam à especificação UNE [padrão da Associação Espanhola de Normalização]”. Esse tipo de proteção foi autorizado na Espanha em abril, quando foi imposta a obrigatoriedade das máscaras, com o objetivo de que empresas não especializadas pudessem produzir em massa e cobrir rapidamente as necessidades de toda a população.

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Mas o uso desse tipo de máscara, assim como as caseiras, é cada vez mais questionado. “Não estão sujeitas ao cumprimento de requisitos específicos do ponto de vista da saúde”, argumenta Luis Gil, secretário-geral da Associação das Empresas de Equipamentos de Proteção Individual da Espanha (Asepal). O EL PAÍS consultou o Ministério da Saúde sobre mudanças nas normas sobre máscaras, que respondeu que se forem feitas serão anunciadas no momento oportuno.

As ideais: FFP2 e FFP3

José Jiménez, pesquisador do Departamento de Doenças Infecciosas do King’s College, em Londres, acredita que as máscaras higiênicas (de tecido, papel) e principalmente as caseiras “não devem ser permitidas”, pois sua eficácia depende muito do material de que são feitas e dos filtros que contêm. “Em um mundo ideal, o correto seria que todos usassem máscaras EPIs (FFP2 e FFP3) porque são as mais eficazes para evitar a infecção e a possibilidade de infectar outras pessoas. Porém, são máscaras caras que nem todos podem pagar, nem sempre estão disponíveis e seu tempo de uso é muito limitado. Por isso, mesmo que não sejam perfeitas, acredito que o mínimo aceitável seriam as máscaras cirúrgicas, que são as usadas pelo pessoal de saúde e são mais suportáveis e acessíveis”.

Enquanto as cirúrgicas podem ser encontradas por 15 centavos de euro, as do tipo EPI não custam menos de dois euros. Tendo em conta que sua vida útil é de cerca de oito horas de utilização, quem necessita de um uso intensivo teria de gastar 60 euros por mês (aproximadamente 390 reais). No Brasil, uma caixa com 50 máscaras cirúrgicas descartáveis é encontrada a cerca de 30 reais (aproximadamente 60 centavos cada uma, enquanto a unidade da FFP2 pode custar ao menos 10 vezes esse valor). E a isso se somam os problemas de produção alegados pela Asepal. “A obrigatoriedade deste tipo de máscara, que pode acontecer tanto na Espanha quanto em toda a Europa, poderia ter o risco de voltarmos a encontrar problemas de desabastecimento. No momento o abastecimento está normalizado para atender os profissionais, mas a oferta não está tão preparada para uma demanda global de todos os cidadãos”, enfatiza Gil.

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Mulher compra máscara em uma farmácia em Archena (Murcia). Marcial Guillén (EFE)

Diante desse problema, José María Lagarón, pesquisador fundador do grupo de Novos Materiais e Nanotecnologia do Instituto de Agroquímica e Tecnologia de Alimentos (IATA-CSIC), propõe que ao menos seja recomendado ou explicado ao público que o ideal seria usar máscaras FFP2 em ambientes internos. “Sabemos que o vírus se espalha principalmente pelo ar e os aerossóis se acumulam em ambientes fechados, de forma que a melhor proteção são os EPIs. Em espaços abertos as cirúrgicas podem ser suficientes”, explica.

Seguras se bem colocadas

Um dos problemas que as autoridades sanitárias sempre argumentaram para não recomendar EPIs à população em geral é que a maioria não saberia como colocá-los. Embora este tipo de máscara (em que se enquadram as FFP) seja o mais alto, sua eficácia reside no fato de estar perfeitamente ajustada ao rosto e formar com ele um espaço hermético, de modo que todo o ar que uma pessoa expira seja filtrado pela máscara. Luís Gil, secretário da Asepal, explica que tanto uma barba quanto uma máscara com folgas no nariz ou no rosto fazem com que essa segurança elevada se perca, pois os patógenos que flutuam no ar em aerossóis podem passar por esses espaços sem passar pelo sistema de segurança da máscara. O uso de uma máscara dupla tampouco fornece proteção extra se a máscara cirúrgica for colocada por baixo e a FFP por cima. Na verdade, isso é contraproducente, pois cria folgas que não permitem esse ajuste perfeito.

Em relação às cirúrgicas, Jiménez afirma que o problema é que foram desenhadas para evitar que quem a usa possa transmitir doenças contagiosas a outros. “Servem para proteger aqueles que estão ao nosso redor, então a proteção que daria ao usuário é muito limitada. No entanto, se todo mundo usasse pelo menos máscaras cirúrgicas e o fizessem corretamente, o número de infecções diminuiria consideravelmente”, acrescenta.

Lagarón aponta que esse tipo de proteção foi criado para bactérias, não para vírus como o SARS-CoV-2, que causa a covid-19. “Tradicionalmente, é usada por profissionais de saúde em cirurgias para não infectar os pacientes que estão operando [daí seu nome] com gotículas expelidas por suas bocas. Com um vírus respiratório como o desta pandemia, não é que o usuário está totalmente desprotegido, mas sabemos que nas cirúrgicas podem penetrar entre 35% e 15% das partículas potencialmente contagiosas. Diante de uma cepa mais virulenta, como a britânica, fica claro que temos de levar a proteção ainda mais a sério”, afirma. Já um EPI mal colocado, com as folgas mencionadas, pode reduzir sua eficácia pela metade.

Com informações de Silvia Ayuso e Elena G. Sevillano.

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