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Espanha não é mais a exceção e segunda onda da covid-19 se acelera em toda a Europa

Taxa de infecções se intensifica na Alemanha, que determinou restrições em Berlim, onde a incidência é cinco vezes menor do que em Madri. França e Reino Unido registraram recorde de casos nos últimos dias

Fila de pessoas esperando para fazer o teste de coronavírus no hospital San Giovanni, em Roma, na última quinta-feira.
Fila de pessoas esperando para fazer o teste de coronavírus no hospital San Giovanni, em Roma, na última quinta-feira.Gregorio Borgia (AP)
Elena G. Sevillano

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A Espanha foi a exceção durante o mês de agosto. Os contágios da covid-19 cresciam pouco a pouco, mas de forma constante, enquanto o restante da Europa olhava com preocupação para o seu vizinho do sul. Na verdade, a incidência começou a aumentar no final de julho, quando os casos eram duas ou três vezes maiores do que os da França ou da Alemanha. Mas ainda não eram muitos; a situação parecia controlável. No final de agosto, a Espanha já havia ficado sozinha. Com a curva em alta, o país estava claramente em uma segunda onda, diferente da primeira, mas também preocupante. Foi uma questão de tempo até que o restante da Europa sucumbisse a este segundo ataque do coronavírus. França, Reino Unido, Alemanha e República Tcheca estão registrando números recorde. A Itália prepara novas medidas restritivas ao ultrapassar 5.000 infecções diárias pela primeira vez.

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O Centro Europeu para a Prevenção e Controle de Doenças (ECDC na sigla em inglês) alertou nesta sexta-feira que praticamente em todos os países que monitora (os do Espaço Econômico Europeu e do Reino Unido) os casos registrados aumentaram em relação à semana anterior. Ou seja, a tendência é de alta. O organismo europeu também se preocupa com outro dos indicadores que supervisiona, o dos casos registados em pessoas com mais de 65 anos. Também nessa faixa etária a tendência das infecções é crescente em 19 dos 34 países analisados, incluindo a Espanha. Com os últimos dados disponíveis, a República Tcheca é o país com a maior incidência acumulada em 14 dias: 451 casos para cada 100.000 habitantes. É seguida pela Holanda, com 323; Bélgica, com 309, e Espanha, com 308. A incidência da doença, alerta o ECDC, está crescendo há 77 dias seguidos na Europa.

“Na Espanha, a incidência aumentou muito antes de que todos acreditávamos”, diz Jeffrey V. Lazarus, epidemiologista e pesquisador do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal). “Sabíamos que o vírus voltaria a ficar forte assim que chegasse o frio e a população voltasse a ficar fechada dentro das casas e as crianças nas escolas”, diz, mas na Espanha aconteceu ainda em pleno verão. “As férias de verão não foram bem aproveitadas para se prepararem”, lamenta. Ele se refere a tornar os exames de coronavírus mais acessíveis, a fortalecer o atendimento básico e o rastreamento de contatos, mas acredita que há uma particularidade que fizeram a segunda onda se antecipar na Espanha: “Em parte, acho que pode ser por causa do confinamento tão draconiano. Quando as pessoas finalmente puderam sair, famílias e amigos se reuniram para comer, a festa de San Juan foi celebrada em junho em vários lugares ... Estavam muito felizes porque as autoridades disseram que não havia estado de alarme nem fases e tudo estava como antes. Mas ainda havia o coronavírus. Isso não aconteceu em outros países, essa necessidade de ver enfim a família depois de meses sem poder ir de uma província para outra”.

O lento crescimento dos casos na Alemanha teve uma aceleração abrupta nesta semana, causando preocupação entre as autoridades políticas e de saúde do país. Na sexta-feira, pelo terceiro dia consecutivo o país superou 4 mil infecções, com um total de 4.721, segundo o Instituto Robert Koch. A expansão ocorre em boa medida em grandes cidades, como Berlim, oficialmente convertida em área de risco desde quinta-feira por ter ultrapassado 50 infecções em sete dias para cada 100 mil habitantes (58,2). Traduzido para o indicador normalmente utilizado na Espanha, sua incidência acumulada em 14 dias beira os 100 casos. A Comunidade de Madri tem cinco vezes essa incidência, com 541 casos, mas tem áreas que ultrapassam em muito os 1.000.

A Alemanha decidiu agir antes que a situação saia do controle. A chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel se reuniu nesta sexta-feira com prefeitos de 11 grandes cidades do país para acertar a aplicação de novas restrições quando uma cidade ultrapassar o limite de 50 casos semanais para cada 100 mil habitantes. Restringir a venda de álcool, estender o uso da máscara em locais onde a distância de segurança não pode ser mantida ou reduzir o número de participantes em confraternizações fazem parte do catálogo de restrições, que visa frear os contágios e evitar a paralisação da economia. Merkel também insistiu, após o encontro virtual com os prefeitos, que as escolas deveriam permanecer abertas sempre que possível.

A capital alemã já começou a trabalhar: decretou a partir deste sábado o toque de recolher noturno, que implica no fechamento de bares e restaurantes das 23 horas às seis da manhã para tentar conter o lazer noturno, uma das causas da propagação do vírus. As reuniões noturnas também ficam restritas a no máximo cinco pessoas. Na esfera privada, o número máximo é reduzido para 10 pessoas. Em vários Estados o pernoite de pessoas oriundas de áreas de risco de outros Estados está sujeito à apresentação de um teste negativo de covid-19.

A Itália tenta reagir nas últimas horas ao aumento de tamanho da segunda onda da pandemia do coronavírus. Até a semana passada, o país havia resistido melhor do que qualquer um de seus vizinhos, apesar de ter sido o mais afetado em março e abril. Mas os dados mais recentes, que ultrapassam os 5.000 casos pela primeira vez (no sábado passado chegaram a 5.400) desde a crise de março e abril, fizeram disparar todos os alarmes e o Governo está avaliando endurecer as restrições incluídas no decreto que vai aprovar esta semana. Ao contrário do que aconteceu na primavera europeia, quando a pandemia se alastrou pelo norte do país, agora são as regiões centro e sul as mais afetadas, como Lácio, Campânia e Calábria.

Por isso, esta semana o Governo prorrogou o estado de alarme até 31 de janeiro e decretou que as regiões não poderão estabelecer restrições mais flexíveis do que as que o Governo central impuser. O uso da máscara já é obrigatório na rua e em todos os espaços públicos.

No Reino Unido, o Escritório Nacional de Estatísticas deu o sinal de alerta nesta sexta-feira: o coronavírus já causa em média mais de 17 mil infectados por dia só na Inglaterra. Em todo o país, aproxima-se de cerca de 22.000 casos diários. Os maiores níveis de incidência estão ocorrendo no nordeste e noroeste da Inglaterra. Cidades como Liverpool, Manchester e Middlesborough já alertaram que a capacidade de seus hospitais pode ser superada em questão de dias. “Não quero entrar em pânico, mas em dez dias nossos hospitais estarão em um nível semelhante ao que registraram durante o pico da pandemia”, disse Matt Ashston, diretor de saúde pública de Liverpool.

O Governo de Boris Johnson está se preparando para anunciar na segunda-feira restrições locais mais severas nessas áreas, onde mais de 10 milhões de cidadãos voltarão a sofrer os rigores do confinamento. Não chegarão ao extremo do final de março, já que Downing Street está lutando desesperadamente para evitar o fechamento de escolas e empresas, mas a mobilidade pessoal e o lazer serão prejudicados. Johnson enfrenta a segunda onda com sua credibilidade política bastante reduzida, e questionado pela falta de coordenação com as autoridades locais mais afetadas, mas a comunidade científica o exorta a não cair no mesmo erro da primavera. “Estamos diante da necessidade de tomar as mesmas decisões do início de março. Quanto mais demorarmos para adotá-los, mais duras e draconianas serão as intervenções necessárias para mudar a trajetória desta pandemia”, disse Jeremy Farrar, membro do SAGE, o comitê de cientistas e especialistas que desde o primeiro minuto da crise assessora Downing Street.

A Irlanda notificou 1.012 novos casos de covid-19 neste sábado, a maior cifra diária desde abril e que representa um pico ― nos últimos sete dias uma média de 523 casos foram registrados ―, o que inquieta as autoridades. “Estou muito preocupado com os números que estamos vendo e com a rapidez com que estão piorando”, disse Tony Holohan, conselheiro médico chefe do Governo irlandês, de acordo com The Irish Times. Holohan destacou a positividade, ou seja, o porcentual de exames realizados que dão positivo. Em apenas uma semana esse índice dobrou para 6,2%, acima dos 3% que o ECDC começa a considerar preocupantes, mas longe da positividade de regiões espanholas como Madri, Múrcia, Castela-Mancha e Castela e Leão, que rondam os 15%.

A França bateu duas vezes o recorde absoluto de novos casos em 24 horas esta semana: mais de 18.000, tanto na quarta como na quinta-feira e 20.339 nesta sexta-feira. A taxa de positividade em nível nacional também é “elevada”, de 10,4%, segundo o Ministério da Saúde. Mais de 1.400 pacientes estão em unidades de tratamento intensivo em um país onde antes da pandemia a capacidade inicial em reanimação era de 5.000 leitos. O presidente do conselho científico instituído pelo Governo francês, Jean-François Delfraissy, alertou nesta sexta-feira que a crise sanitária do coronavírus vai durar até meados do próximo ano e que é preciso se preparar para “seis meses muito difíceis”.

Com informações de Ana Carbajosa (Berlim), Daniel Verdú (Roma), Silvia Ayuso (Paris) e Rafa de Miguel (Londres).

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