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Da rua ao tribunal, a luta dos jovens ativistas contra o aquecimento climático evolui

Grupos de Portugal, México e Austrália recorrem aos tribunais para obrigar Governos a serem mais duros com projetos que causarão um superaquecimento ainda maior do planeta

Manifestação contra a falta de medidas de combate à mudança climática, em Sydney (Austrália), em janeiro.
Manifestação contra a falta de medidas de combate à mudança climática, em Sydney (Austrália), em janeiro.STRINGER (Reuters)
Manuel Planelles

Dos protestos na rua aos tribunais. Os adolescentes e jovens ativistas contrários à mudança climática estão empreendendo essa jornada para obrigar os Governos a serem mais duros nos cortes de emissões de carbono e para que não autorizem projetos que causarão um superaquecimento ainda maior do planeta. Os últimos a usarem a via judicial foram três grupos de jovens do México, Portugal e Austrália. Neste último caso, mais de 1.000 menores de 35 países já aderiram a uma ação judicial coletiva contra o Governo australiano, apresentada na semana passada.

“Por causa da covid-19 não pudemos manter os protestos nas ruas. E procuramos outras maneiras para combater a mudança climática”, afirma Tom Webster Arbizu, falando por videoconferência de Adelaide (Austrália). Ele tem 15 anos e há 18 meses é um dos líderes em seu país das greves estudantis pelo clima. Agora, como em outras partes do mundo, evoluiu em suas estratégias e é um dos oito menores, de 13 a 17 anos, que recorreram à Justiça para tentar impedir a ministra australiana do Meio Ambiente, Sussan Ley, de autorizar a ampliação de uma mina de carvão em Nova Gales do Sul, a 300 quilômetros de Sydney.

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“O Governo tem o dever de proteger as crianças e jovens contra os impactos da mudança climática”, queixa-se Webster. “E nós não podemos votar.” Tampouco podem se dirigir diretamente ao Tribunal Federal onde apresentaram a ação. A religiosa Marie Brigid Arthur, de 85 anos, precisou fazer isso em seu nome. “Ela já tem experiência em representar outros coletivos, como refugiados”, observa David Barnden, advogado do escritório Equity Generation Lawyers, que conduz o caso de Webster e seus colegas.

Segundo ele, a ampliação da mina de Vickery, pertencente à empresa Whitehaven Coal Limited, foi aprovada em agosto pelas autoridades de Nova Gales do Sul, mas ainda precisa do aval do Governo federal, cuja decisão é esperada até o final do mês. “Queremos frear a aprovação desta mina e que este caso seja um precedente legal para impedir outros projetos”, diz Webster.

Marcha en Melbourne contra o aquecimento climático, em 9 de outubro de 2019
Marcha en Melbourne contra o aquecimento climático, em 9 de outubro de 2019Daniel Pockett (Getty Images)

“Esta mina é um símbolo de todos os projetos de mineração do país”, acrescenta Barnden. A Austrália é um dos grandes produtores mundiais de carvão mineral. E um dos grandes consumidores: 75% de sua eletricidade é gerada com este combustível, responsável pela maior parte das emissões globais de dióxido de carbono, o principal dos gases do efeito estufa. Os incêndios do começo deste ano na ilha-continente deixaram na berlinda o apoio governamental ao carvão, mas alvarás como o da mina de Vickery (que produzirá 168 milhões de toneladas deste combustível nos próximos 25 anos) continuaram tramitando.

A ação apresentada ao Tribunal Federal sintetiza o conhecimento científico atual sobre o aquecimento e sua relação com o aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, que estão em níveis nunca registrados em 800.000 anos. A peça da acusação adverte que a Austrália já está sentindo as consequências da mudança climática: “Incêndios florestais, inundações, secas, tempestades extremas...”. Mas também recorda que as emissões fazem que em todo o planeta vários “pontos de inflexão” perigosos estejam prestes a ser ultrapassados, como o degelo do Ártico e do permafrost, solo existente no extremo norte do planeta.

Exportações de carvão

A ação foi movida na Austrália, mas pessoas de outros lugares podem aderir a ela, segundo Webster. “Se você for uma criança de menos de 18 anos em qualquer parte do mundo pode aderir, porque a mudança climática não tem fronteiras”. Mas o carvão australiano tampouco as tem, já que o país é um dos maiores exportadores mundiais desse produto. Até sábado, 1.150 menores de 35 países haviam se incorporado à ação coletiva através do site da Equity Generation Lawyers.

“Estes jovens estão logicamente fartos de que seus Governos não levem a crise climática a sério”, diz Tessa Khan, advogada da ONG Urgenda. “Deveria ser um motivo de vergonha para nós que as crianças tenham que assumir uma responsabilidade tão importante porque os adultos não agiram”, acrescenta. A ONG Urgenda liderou a histórica vitória judicial contra o Governo holandês que obrigou esse Executivo a aplicar cortes mais duros nas emissões de gases do efeito estufa.

Outro grupo de jovens de 17 e 23 anos do Estado mexicano da Baixa Califórnia moveu no começo deste mês uma ação contra o Governo federal do seu país para exigir medidas concretas contra o aquecimento, um caso que recorda o de Kelsey Juliana, que desde 2015 processa a Administração norte-americana para que se comprometa a aplicar fortes reduções nas emissões de poluentes.

Uma via semelhante foi trilhada na semana passada por seis jovens portugueses perante a Corte Europeia de Direitos Humanos. O grupo denunciou 33 países ― todos os membros da UE, mais Reino Unido, Suíça, Noruega, Rússia, Turquia e Ucrânia ― por não aplicarem políticas suficientemente duras que permitam manter o aquecimento global dentro de limites menos catastróficos.

“O objetivo é conseguir uma decisão juridicamente vinculante que exija dos 33 países processados a adoção dos cortes profundos e urgentes que, segundo a ONU, são necessários para evitar que o aquecimento global supere o objetivo do Acordo de Paris, de 1,5 grau [em relação aos níveis pré-industriais]”, aponta Gerry Liston, advogado e um dos diretores da GLAN (Rede Mundial de Ação Legal, na sigla em inglês), a ONG que ajuda os seis jovens portugueses. Se conseguir essa manifestação vinculante do tribunal europeu, observa Liston, isso ajudaria as organizações locais a pressionar os Governos desses 33 países a adotarem medidas mais incisivas contra a crise climática.

A “incoerência” dos Governos

O caso Urgenda ― que remonta a mais de meia década atrás e não era liderado por jovens ativistas, como os mais recentes ― é a vitória mais conhecida, mas a advogada Khan rememora outras façanhas verdes em tribunais da Irlanda e Colômbia. E recorda que atualmente há casos relacionados à mudança climática correndo em tribunais da Alemanha, França e Coreia do Sul. Na Espanha, várias ONGs há muito tempo buscam uma via para também recorrer à Justiça.

“Todos estes casos, incluídos os apresentados recentemente pelos jovens, estão tratando de expor a incoerência entre as promessas que os Governos fazem para enfrentar a crise climática e suas ações”, explica Khan. “Qualquer via é válida agora”, opina por sua vez o jovem ativista espanhol Alejandro Quecedo, de 18 anos. “O processo judicial é um pouco lento, mas já houve grandes vitórias ecológicas nos tribunais.”

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