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Pandemia de coronavírus
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Ações para mitigar os impactos do coronavírus em mulheres vítimas de violência e na segurança pública

Pandemia exige coordenação nacional do Ministério da Justiça, que tem atuação tímida. Só 35% dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública foram efetivamente gastos em 2019

Policiais de máscara fazem patrulha na Rocinha
Policiais de máscara fazem patrulha na RocinhaRICARDO MORAES (Reuters)
Carolina Ricardo

O crescimento da violência doméstica há semanas foi verificado em países como Alemanha, China e Itália em virtude da convivência forçada fruto das medidas de isolamento social. No Brasil, já foi verificado que os assassinatos de mulheres em casa dobraram no Estado de São Paulo durante quarentena, em comparação com os mesmos dias no ano passado. O Disque Denúncia do Governo Federal registrou aumento das chamadas notificando violência doméstica em todo o país. Já dados de São Paulo mostram que houve diminuição nos registros de estupros no Estado, crime que ocorre predominantemente dentro de casa entre conhecidos e crianças e adolescentes. Um dos prováveis motivos é a dificuldade de efetuar denúncias ou outras comunicações sobre os casos com a presença de toda a família em casa, sem poder sair.

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Diante do risco real do aumento dos conflitos familiares em casa, é fundamental que os Governos tomem medidas para possibilitar o registro de casos pela Internet, como a Polícia Civil do Estado de São Paulo já vem fazendo. Também é essencial que outros serviços, como saúde e assistência social se preparem para acessar de forma mais ativa casos que podem estar acontecendo dentro de casa. Não é uma tarefa fácil, sobretudo em tempos de pandemia, mas é extremamente necessário, caso queiramos proteger as mulheres, crianças e adolescentes do risco da violência doméstica. E é fundamental que Prefeituras, Governos estaduais e federal se integrem num esforço conjunto para lidar com este tema.

Outros problemas de segurança pública também merecem atenção neste novo contexto. Enquanto a sociedade lida com a queda de alguns índices e o aumento de outros, as polícias buscam se estruturar, tentando prover o mínimo para que agentes policiais na linha de frente tenham condições seguras de trabalho. E é urgente que todas as instituições policiais do país, com auxílio da União, adotem medidas para enfrentar os problemas de segurança que podem afetar a todos.

O Espírito Santo criou um grupo de trabalho que integra polícias e outros setores do Governo para monitorar os impactos da crise na segurança e viabilizar ações necessárias. São Paulo criou um protocolo contendo medidas para situações rotineiras, com suspeita de contaminação e com contaminação confirmada. E Santa Catarina montou um plano de contingência prevendo uma reserva operacional composta por profissionais de férias, licença e administrativos trabalhando em casa. Essas medidas podem ajudar as forças de segurança e enfrentar os momentos mais agudos que ainda estão por vir e é preciso que sejam adotadas pelo resto do país.

Diante da escassez de recursos, é fundamental estabelecer prioridades, direcionando o trabalho para casos violentos e racionalizando o atendimento dos casos sem violência, já que muitas delas acabam expondo os agentes a riscos. Para diminuir esse contato direto com o público, é necessário ainda aumentar a possibilidade de notificação de crimes pela Internet. É fundamental também fortalecer as estruturas para atendimento à violência doméstica, dado o aumento nesse tipo de problema em função do confinamento familiar.

É preciso ainda desenvolver políticas de uso da força claras em relação aos limites estabelecidos pela quarentena, como mecanismos de fiscalização de estabelecimentos e de pessoas que violam o isolamento. Por fim, é importante melhorar a capacidade dos serviços de inteligência no monitoramento de crimes e violências que possam ocorrer em função da situação atual, como crimes virtuais, saques, roubos a supermercados e outros distúrbios coletivos.

Todas essas são medidas que os governos estaduais podem tomar, uma vez que são responsáveis por gerir as policias civis e militares. Mas é fundamental que o Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, também adote de forma proativa medidas concretas para auxiliar os Estados. Mesmo antes da pandemia, o Governo tem sido tímido na condução da segurança pública. Segundo análise do Instituto Sou da Paz, em 2019 apenas 35% dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública foram efetivamente gastos, sinalizando que muito pouco foi feito para implementar todo o potencial que o Executivo tem para a área. E até agora, as respostas mais substanciais do ministério foram de alocação da Força Nacional e autorização para que Estados usem no combate ao vírus os recursos de transferência federal de 2019.

O Ministério da Justiça publicou um protocolo para as polícias atuarem em tempos de pandemia, mas é preciso fazer mais. A atual crise é uma boa oportunidade para que o ministério, assim como tem feito a pasta da Saúde, assuma a liderança e a coordenação, que neste momento são ainda mais necessárias. E é importante que essa ações sejam tomadas já, antes do cenário mais grave esperado pelo país nas próximas semanas.

Carolina Ricardo é diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

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