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Recuo sobre Paraisópolis opõe João Doria ao bolsonarismo radical

Decisão do governador de afastar 38 policiais que participaram da ação que deixou nove mortos em comunidade de São Paulo é mais um aceno do tucano à moderação

Gil Alessi
Paraisópolis
João Doria recebe familiares de vítimas da tragédia em Paraisópolis

O governador do Estado de São Paulo, João Doria, fez mais um aceno para os familiares de vítimas do massacre ocorrido no baile funk Dz7, em Paraisópolis. Após conversar com os parentes dos nove jovens mortos pisoteados após ação da Polícia Militar no dia 1º, o tucano decidiu afastar 32 PMs que participaram da operação. Outros seis já haviam sofrido esta mesma sanção na semana passada, logo após a tragédia. Agora, um total de 38 integrantes da corporação devem deixar as ruas para se dedicar a trabalhos internos até que as investigações sobre o caso sejam finalizadas. A decisão é um recuo em relação à posição de Doria no começo da crise e contraria setores mais conservadores da população. Distancia, ainda que momentaneamente, o tucano do bolsonarismo raiz que o ajudou a ser eleito na onda do Bolsodoria em 2018.

As medidas anunciadas pelo governador, que amarga apenas 15% de imagem positiva segundo pesquisa Atlas Político de novembro, provocaram reação imediata de um integrante do clã do presidencial. O deputado federal Eduardo Bolsonaro usou as redes sociais para se posicionar em uma série de tuítes. “Lamento as mortes ocorridas em Paraisópolis, mas de maneira nenhuma podemos culpar a polícia militar por isso. Quem tá errado é bandido e a população que não coopera com as autoridades”, escreveu, culpando também a comunidade. “Mataram não, defenderam-se e protegeram a sociedade. Todo apoio a esses heróis, o povão bate é palma”, finalizou em outra postagem, referindo-se aos policiais. As mudanças de posicionamento de Doria provocaram críticas também de porta-vozes ligados às categorias policiais. Em entrevista ao portal R7 o coronel da reserva e secretário-geral da Associação dos Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar, Ernesto Puglia Neto, criticou o tucano: "Governador, pare de jogar a culpa pelo que aconteceu [em Paraisópolis] na Polícia Militar”.

Motivo de tanto incômodo, a reunião desta segunda-feira foi a segunda entre Doria e os familiares de vítimas. Na primeira, realizada no dia 4, ele anunciou a criação de uma comissão externa para investigar o caso, e prometeu que não haveria nenhuma forma de retaliação por parte da PM contra os moradores e parentes dos mortos. Estas conversas com familiares se somam a outros gestos do governador no sentido de reconhecer que podem ter ocorrido falhas e excessos na operação. Isso porque até então, no início da crise que começava a respingar na imagem de seu Governo, Doria tentou defender a narrativa de que a culpa não era dos PMs: antes mesmo do início das investigações ele já havia inocentado os agentes. “A letalidade não foi provocada pela PM, e, sim, por bandidos que invadiram a área onde estava acontecendo baile funk”, afirmou, repetindo o argumento dos policiais (até hoje não corroborado por testemunha ou evidência alguma). Mesmo após afastar os primeiros seis integrantes da corporação que participaram da repressão ao baile, o tucano ouviu um oficial dizer ao seu lado que a medida buscava “preservá-los”: “eles não foram afastados, e sim preservados”.

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A defesa intransigente do procedimento da PM em Paraisópolis, no entanto, não durou. Dias após o massacre foram divulgados na Internet vários vídeos que mostravam um policial com barra de ferro na mão agredindo jovens desarmados e rendidos que saiam de uma viela. A atitude evidentemente covarde do policial -identificado como o soldado Rodrigo Almeida Silva Lima, 23- obrigaram o governador a fazer o primeiro recuo. Ele se disse “chocado” com as imagens, e anunciou que os procedimentos e protocolos da PM seriam revistos, algo inédito em sua gestão (e até em Governos anteriories). Depois descobriu-se que as imagens haviam sido feitas em outro baile funk, na comunidade de Heliópolis, o que deu força à tese de que a polícia agia com violência, descumprindo seus próprios protocolos com alguma frequência nas comunidades. Algo que moradores e defensores dos Direitos Humanos sempre afirmaram.

Outro fator que levou a este ponto de inflexão por parte do governador foram declarações do ministro da Justiça, Sergio Moro. O ex-magistrado afirmou dias após a tragédia que “aparentemente houve (...) erro operacional grave” da polícia na ação. “Com todo respeito à polícia, à PM de São Paulo, que realmente é uma corporação de qualidade, elogiada no país inteiro, aparentemente, houve lá um excesso, um erro operacional grave, que resultou na morte de algumas pessoas”, criticou. A crítica foi especialmente dolorida porque meses antes Doria havia condecorado o ministro com a medalha da Ordem do Ipiranga, a principal honraria do Estado.

Ainda é cedo para dizer se a falta de repressão e dispersão por parte da polícia no baile Dz7 deste último domingo já foi um reflexo desta nova política de revisão de protocolos da PM, que durante todo o baile se manteve do lado de fora da comunidade, ocupando seus principais acessos sem entrar no local. Não é um tema fácil e nem administrações municipais tidas como progressitas, como a de Fernando Haddad (PT), conseguiram lidar com o tema de maneira integrada em São Paulo. Seja como for, é digno de nota que Doria, um político que foi eleito surfando na onda bolsonarista com um forte discurso de endurecimento contra o crime, precisou se distanciar, ainda que temporariamente, do “mirar na cabecinha e atirar”, proclamado por Wilson Witzel no Rio. Em um cenário político no qual os três —o presidente e os chefes do Executivo paulista e fluminense— se postulam como candidatos para o Planalto em 2022, todos com um discurso de enfrentamento contra o crime, essa decisão pode cobrar um peso. Antes de 2022, está em jogo a disputa municipal, onde ele terá que provar primeiro seu poder de influência.


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