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Investigação agita as águas nos governos de Chile, Brasil, Equador e México

As revelações do ‘Pandora Papers’, feitas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), tiveram impacto especial na América Latina

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, e seu par chileno, Sebastián Piñera.
O presidente do Equador, Guillermo Lasso, e seu par chileno, Sebastián Piñera.Getty

A publicação dos Pandora Papers teve alcance global, mas é na América Latina onde se expôs com mais clareza, mais uma vez, que uma elite administra parte de sua fortuna por meio de paraísos fiscais. Os poderosos da região usam uma rede de trustes, parcerias e arquivos mercantis opacos em lugares como as Ilhas Virgens Britânicas ou o Panamá. Quando os nomes e redes corporativas dos envolvidos foram divulgados, as reações políticas não demoraram. Os opositores pediram a abertura de comissões de investigação no Congresso e a entrega das revelações à justiça.

Na Colômbia, o candidato presidencial Alejandro Gaviria disse ao EL PAÍS: “Os paraísos fiscais impedem a equidade nos impostos, vão contra a construção da equidade. Eu celebro esse tipo de investigação“. Dois dos cinco ex-presidentes vivos do país, o liberal César Gaviria Trujillo (1990-1994) e o conservador Andrés Pastrana Arango (1998-2002), recorreram a sociedades financeiras opacas, segundo esta investigação global coordenada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ).

Favorito nas urnas para as eleições de 2022, o esquerdista Gustavo Petro falou no Twitter: “588 colombianos, dos mais ricos do país, têm contas em paraísos fiscais, ou seja, não pagam impostos à Colômbia. Você percebe por que é pertinente aumentar os impostos sobre os ativos improdutivos dos mais ricos do país, em vez de tributar os salários ou os alimentos?” O deputado Verde Inti Asprilla acrescentou: “Pastrana e Cesar Gaviria não se uniram apenas pelo #PandoraPapers, o trabalho já havia sido feito por Uribe com Iván Duque. A coincidência tem sua origem na podridão do establishment político colombiano, que é simplesmente imperativo derrubar em 2022″.

Um dos envolvidos, Lisandro Junco Riveira, deu explicações a esse respeito. O dirigente da Direção de Impostos e Aduaneiras Nacionais da Colômbia (DIAN) emitiu um comunicado no qual indicava que o problema era não ter bens no exterior. “O PROBLEMA É NÃO DECLARÁ-LOS (sic)”, argumentou. De acordo com a aliança editorial El Espectador-Conectas, Junco Riveira criou uma empresa em Delaware e também teria uma conta no Chipre e um escritório virtual em Londres administrado por meio de um provedor com sede em Dubai. “A empresa mencionada ali está ativa, mas não funciona desde a sua criação até hoje. Ainda assim, cumpre todas as obrigações tributárias tanto nos Estados Unidos quanto aqui na Colômbia. (...) Infelizmente, há quem queira me desacreditar perante o país“.

Na documentação, 11,9 milhões de arquivos que reúnem os trabalhos de 14 financeiras offshore, aparece com força o presidente do Equador, Guillermo Lasso. O empresário conservador, figura muito distante dos presidentes anteriores, Rafael Correa e Lenin Moreno, recorreu a até 14 empresas financeiras opacas no Panamá e nos Estados Unidos. Antes de rumar para sua terceira candidatura à presidência, o presidente se desfez de grande parte do tecido offshore que valorizava nos últimos anos, algo que não havia acontecido em suas tentativas anteriores. O presidente preparou um comunicado no qual afirmava: “Cumpro o disposto na lei, todos os meus rendimentos foram declarados e paguei os impostos correspondentes no Equador. Sempre com transparência e frontalidade“.

Correa postou uma captura de tela das informações nos Pandora Papers nas redes sociais e escreveu: “Que bom não ter rabo de palha! Veremos quem é quem no Equador, na América Latina e no mundo. Sem paraísos fiscais, não haveria corrupção de alto nível. Tic toc... #LosCorruptosSiempreFueronEllos“. O candidato presidencial de Correa, Andrés Arauz, foi mais enigmático, embora as críticas fossem compreendidas a um quilômetro de distância. “Interessante”, tuitou, vinculando a uma conversa ao vivo sobre a investigação da qual participaram meios de comunicação internacionais como EL PAÍS, The Washington Post e BBC.

A reação de mais alto nível ocorreu no México. O Governo de Andrés Manuel López Obrador já deu um passo. O chefe da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), Santiago Nieto, anunciou que investigará as responsabilidades dos envolvidos. É uma elite em que se destacam figuras que tecem as relações do poder político e econômico no país, desde o ex-assessor jurídico da Presidência, Julio Schrerer, ao secretário de Comunicações e Transportes, Jorge Arganis, o entorno do ex-presidente Enrique Peña Nieto e os empresários Germán Larrea e María Asunción Aramburuzabala.

No Brasil, o ministro da Economia terá de se explicar ao procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre sua offshore. A revelação de que Guedes é dono da Dreadoughts, empresa aberta nas Ilhas Virgens Britânicas em sociedade com sua mulher e sua filha, também reverberou no Parlamento. O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), avisou que vai convidar Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto —que tem quatro empresas em paraísos fiscais— para prestarem esclarecimentos ao Congresso Nacional. Rodrigues ainda solicitou ao Supremo Tribunal Federal a abertura de uma investigação sobre os dois.

O procurador-geral se apressou em dizer que não fará qualquer juízo de valor antes de ouvir as explicações de Guedes. Os opositores do Governo Bolsonaro não foram tão compreensivos. “O dólar voltou a subir hoje, Paulo Guedes deve estar festejando”, tuitou o deputado Marcelo Freixo nesta segunda-feira, repetindo uma crítica feita desde domingo ao ministro da Economia, cujos investimentos se beneficiam da desvalorização da moeda brasileira —o dólar subiu 1,44% nesta segunda-feira, fechando na maior cotação desde abril, enquanto a Bolsa de São Paulo caiu 2,22%.

O Ministério da Economia informou por meio de nota que toda a atuação privada de Guedes foi informada à Receita Federal, à Comissão de Ética Pública da Presidência da República e aos demais órgãos competentes no momento de sua posse, em 2019. O presidente do Banco Central informou por meio de sua assessoria de imprensa que as empresas foram declaradas à Receita Federal e existem há mais de 14 anos. Campos Neto garante ainda que pagou todos os impostos devidos, “com recolhimento de toda a tributação devida e observância de todas as regras legais e comandos éticos aplicáveis aos agentes públicos”.

No Chile, o Governo reagiu com extenso comunicado aos relatórios do Pandora Papers sobre a participação do presidente Sebastián Piñera na venda da mineradora Dominga. O executivo chileno disse que a operação de compra e venda do projeto “já foi investigada em profundidade” pelo Ministério Público e pelos tribunais durante 2017, após o que o Ministério Público “recomendou encerrar o processo por falta de crime, adequando-se à lei e a falta de participação do presidente Sebastián Piñera na mencionada operação“.

“O presidente nunca participou”, acrescenta a nota, “nem teve informações sobre a venda da Minera Dominga, operação ocorrida em 2010, quando o presidente já não tinha participação na administração dessas empresas. Adicionalmente, reitera-se que o presidente da República não participava na administração de nenhuma empresa há mais de 12 anos, antes de assumir a sua primeira presidência“. A oposição, entretanto, considerou os esclarecimentos oficiais “insuficientes” e não descartou a promoção de uma acusação constitucional. Também houve críticas do partido no poder, como a do deputado da Renovação Nacional Jorge Durán. “É importante esclarecer e tirar todas as dúvidas se há ou não algo ilegal ou irregular nessa famosa venda”, disse Fuentes.

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