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Tribuna
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Ratificar o Acordo Mercosul-UE: uma ação concreta e efetiva em prol do clima

O acordo, além de reforçar os compromissos com mudanças climáticas e o meio ambiente em geral, traz instrumentos para sua efetiva implementação

Ativista mostra cartaz pedindo justiça climática durante manifestação em Brasília, em setembro de 2020.
Ativista mostra cartaz pedindo justiça climática durante manifestação em Brasília, em setembro de 2020.ADRIANO MACHADO (Reuters)

O debate sobre as mudanças climáticas amadureceu. O risco do aquecimento global e a urgência da sociedade como um todo de adotar medidas concretas para mitigar este problema tornaram-se inquestionáveis. O desafio agora é definir prioridades num processo coordenado que envolva governos, empresas e sociedade civil em ações de impacto em nível macro. Se queremos que a 26ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, gere resultados palpáveis, precisamos pensar de forma pragmática.

É nesse cenário que a ratificação do Acordo Mercosul-União Europeia se torna ainda mais relevante e urgente. Uma análise comparativa entre acordos internacionais já firmados mostra de forma clara e inconteste que este é um dos instrumentos mais avançados do mundo nos aspectos ambiental, social e de governança (ASG). Um pacto que impõe aos países signatários obrigações alinhadas às melhores práticas globais de ASG.

Essa é uma preocupação que permeia todo o acordo. Tanto que ele reforça todos os principais tratados multilaterais no tema de meio ambiente, incluindo o Acordo de Paris, traz compromissos em biodiversidade e manejo sustentável de florestas e traz dois instrumentos de governança para garantir a implementação: uma estrutura de cooperação bilateral —fundamental para tratar de temas ambientais em nível internacional— e o Subcomitê de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, dedicado a discutir e apresentar soluções para melhorar o comércio e os investimentos em áreas como pesquisa e inovação. Assim, a ratificação do acordo, além de reforçar os compromissos com mudanças climáticas e o meio ambiente em geral, traz instrumentos para sua efetiva implementação.

A história tem mostrado que a forma mais efetiva de se combater práticas nocivas ao meio ambiente é estimular aquelas que ajudam a conservá-lo. A afirmativa pode parecer óbvia, mas a análise do cenário atual mostra que essa lógica não tem sido aplicada. Em vez de estimularmos o manejo sustentável das nossas florestas e dos recursos da biodiversidade como forma de coibir a exploração ilegal e irracional dos mesmos, temos criminalizado de forma indiscriminada qualquer uso dos recursos naturais.

O mesmo racional se aplica ao Acordo Mercosul-União Europeia. Em vez de ratificarmos rapidamente esse moderno e importante instrumento de evolução do comércio e como forma de aumentar a cooperação e acelerar a adoção de práticas ASG nesses países, temos perdido tempo com acusações e desinformação. É, no mínimo, contraditório afirmar que algumas nações não estão maduras o suficiente em relação à questão ambiental para se posicionar contra a ratificação de um acordo que vai exatamente estimulá-las a se alinharem às melhores práticas globais.

Segundo trabalho da London School of Economics (LSE), feito a pedido da Comissão Europeia, o Acordo Mercosul-UE, em cenário conservador, não apenas traria ganhos de 11 bilhões de euros para o bloco europeu e de 7,5 bilhões de euros para as economias do Mercosul em dez anos, como contribuiria para redução da emissão de CO2 no mundo. Ter em conta esses números é fundamental para dar racionalidade ao debate e atuar na direção concreta da aceleração da adoção do acordo dos dois lados.

O Brasil e as principais economias europeias compartilham de valores ambientais e são líderes nessa agenda global. A ratificação do acordo Mercosul-UE é mais um catalisador desse processo de alinhamento aos princípios ASG e, por isso, deveria estar na lista de prioridades da agenda global de desenvolvimento sustentável. Enquanto isso não acontece, a indústria brasileira tem feito a sua parte e ajustado os seus processos produtivos rumo a uma economia de baixa emissão de gases de efeito estufa com base em quatro pilares: transição energética, mercado de carbono, economia circular e conservação florestal.

Essa abordagem ampliada, aprofundada e objetiva é o caminho para conquistarmos resultados efetivos. Todos os eixos são importantes e em todos eles o Brasil tem excelentes exemplos a serem mostrados! No quesito transição energética, vale destacar que a matriz de energia elétrica do Brasil é composta 84,8% de fontes renováveis. A título de comparação, nos Estados Unidos e nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) os percentuais são de 18% e de 27%, respectivamente, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). A média mundial é de 25%.

No segundo pilar, a CNI defende no Congresso Nacional a implementação de um mercado regulado de carbono, na forma de um sistema de comércio de emissões, sob o racional “cap and trade”, que estimula as empresas a fazerem investimentos em tecnologias limpas. Mesmo não tendo um mercado regulado, em alguns setores, como o de cimento, o Brasil já emite menos da metade dos gases de efeito estufa que a média mundial.

Na economia circular, o Brasil também tem uma série de boas iniciativas que podem servir de exemplo. Enquanto no Brasil 56% do alumínio é reciclado, no mundo esta média é de 26%. Este é apenas um dos exemplos do esforço do setor produtivo brasileiro em liderar uma agenda de sustentabilidade em nível global.

O pilar da conservação florestal traz proposta objetiva para atacarmos um problema que afeta o meio ambiente e a imagem do Brasil no mundo. Por meio do manejo florestal sustentável e da concessão de florestas públicas, além da fiscalização e do monitoramento, é possível conservar e gerar oportunidade para milhões de pessoas que vivem nas proximidades de áreas florestais no país. Aqui, mais uma vez devemos usar a lógica de estimular as boas práticas como forma de combater e coibir as indesejáveis.

Para a indústria, a COP26 é uma oportunidade para mostrar o seu comprometimento histórico com a questão ambiental, atrair investimentos para o Brasil e avançar nas relações internacionais com parceiros estratégicos como os países da União Europeia.

Em termos de atração de investimento, ainda há muito a avançar. A América Latina e o Caribe ficaram com apenas 4,5% do total de recursos disponibilizados pelos fundos climáticos. A parcela destinada ao Brasil é ainda menor. A título de comparação, a Ásia abocanhou 38% desses recursos.

Chegou a hora de transformar o debate sobre a questão climática em ações objetivas com resultados concretos. A resposta passa, necessariamente por uma abordagem global, pela inovação, tecnologia e pelo Brasil, um país de dimensões continentais que tem mais de 60% da sua área coberta por vegetação nativa, detentor da maior biodiversidade do planeta.

A COP26 é uma oportunidade única para reconhecermos que a crítica sem propostas serve de alerta, mas não traz a solução. E, se queremos resultados concretos, precisamos adotar medidas igualmente concretas, como a ratificação do acordo Mercosul União Europeia.

Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

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