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Governo Bolsonaro
Coluna
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A pena de morte política para Bolsonaro

Hoje o presidente é acusado até de genocídio por seu comportamento na pandemia. Ele ou quem o aconselha poderia ter entendido que transformar seus ataques de soluço em moeda eleitoral poderia se tornar um bumerangue contra ele

Presidente Jair Bolsonaro  conversa com jornalistas após receber alta médica, alguns dias depois de ter dado entrada no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo (Brasil), com uma obstrução intestinal.
Presidente Jair Bolsonaro conversa com jornalistas após receber alta médica, alguns dias depois de ter dado entrada no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo (Brasil), com uma obstrução intestinal.Sebastiao Moreira (EFE)

Nos últimos dias, quando o presidente Jair Bolsonaro foi internado com urgência por problemas intestinais, logo houve quem desejasse sua morte, lembrando que hoje ele é acusado de ser responsável por muitas vidas perdidas com sua política negacionista e desastrosa da pandemia.

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É uma questão delicada e pessoal desejar a morte de um semelhante, por muitos que sejam os crimes que pesem sobre sua consciência. A pena de morte foi abolida na maior parte dos países civilizados, entre eles o Brasil, porque se considera que a vida deve prevalecer sobre a morte.

A Igreja Católica manteve a pena de morte no pequeno Estado do Vaticano até 1929. Foi abolida pelo papa Paulo VI em 1971, depois do Concílio Vaticano II, e só em 2001 foi excluída definitivamente das leis do Vaticano.

Estima-se que durante a Idade Média, principalmente durante a Inquisição, foram condenadas à morte pela Igreja 1.250 pessoas, segundo o historiador Andrea Del Col. São Tomás de Aquino, Doutor Universal da Igreja, defendia que se pudesse assassinar o tirano, pelo bem da comunidade.

Que Bolsonaro é a favor da tortura e da pena morte, é evidente para todos. Ainda hoje ele lamenta que a ditadura militar não tenha assassinado pelo menos mais 30.000 pessoas. Sua política está impregnada de destruição e morte.

Se hoje a abolição da pena de morte é considerada uma conquista civilizatória, o que não deve ser proibido é o desejo da morte política dos tiranos e ditadores que ameaçam a democracia e os valores fundamentais nos quais se baseia nossa civilização moderna. Eles devem ser condenados nas urnas, essas que o presidente tanto teme.

No Brasil, está claro que o presidente Bolsonaro atenta contra os valores da liberdade e da democracia, como bem revelou o trabalho investigativo “O método Bolsonaro: um assalto à democracia em câmera lenta”, realizado por sete jornalistas deste jornal e publicado no domingo. O estudo revela como o presidente vai minando dia a dia os fundamentos da democracia conquistada com tanto esforço após a ditadura militar.

Nestes casos em que um político coloca em perigo os valores da liberdade e ameaça todos os dias com um golpe militar, desejar sua morte política está mais do que justificado e é até um dever para aqueles que não renunciam a viver em liberdade.

O cenário montado em torno da hospitalização de Bolsonaro em São Paulo por seus problemas de soluço acabou se voltando contra ele. Ficou evidente que se destinou a fortalecer a campanha eleitoral, repetindo a instrumentalização feita com o atentado contra ele durante a campanha que o levou a poder em 2018. Desta vez, a campanha de mau gosto foi um tiro no pé, porque não só não despertou um movimento de compaixão, como também foi objeto de zombarias e piadas de todos os tons.

Segundo as primeiras sondagens, essa instrumentalização serviu, na verdade, para piorar seu declínio político. As redes sociais se divertiram muito produzindo memes e comentários jocosos sobre a montagem armada no hospital de luxo que o acolheu. Houve até comentários sangrentos lembrando que o presidente não só não se comoveu durante a pandemia que já ceifou mais de meio milhão de vidas, como também chegou a imitar o estertor dos doentes que estavam morrendo asfixiados em Manaus por falta de oxigênio, enquanto hoje está sendo descoberta uma suposta rede de corrupção dentro do Ministério da Saúde, à custa dos falecidos.

Desta vez, esse cenário no hospital de luxo de São Paulo foi visto e vivido pela maioria das pessoas mais como um espetáculo de marketing eleitoral do que com compaixão. Nem a entrevista que o presidente concedeu no hospital a uma TV amiga emocionou, obtendo pouca audiência.

Se sua operação após o atentado sofrido durante a campanha presidencial chegou a comover muitas pessoas, que acabaram votando nele por compaixão, e até o transformou em mito, desta vez o espetáculo, além de não convencer, foi objeto de comédia.

Aqueles que aconselham o presidente a fazer esses shows com suas doenças para despertar compaixão e empatia se equivocaram desta vez. Se o objetivo era criar uma vitimização para recuperar o consenso que está se perdendo, eles se enganaram. E o problema é que a partir de agora esse tipo de marketing eleitoral que apela para os sentimentos de compaixão das pessoas começou a se desfazer.

Hoje Bolsonaro é acusado até de genocídio por seu comportamento na pandemia. O presidente ou quem o aconselha poderia ter entendido que transformar seus ataques de soluço em moeda eleitoral, movendo sentimentos de compaixão, poderia se tornar um bumerangue contra ele.

O que fizeram, efetivamente, foi transformar seu mal-estar em chacota. Todos sabemos que a publicidade é hoje a alma do comércio, e até na política os bons marqueteiros são pagos a preço de ouro. Mas quando se tenta fazer essa publicidade explorando a dor e o sofrimento, ela acaba sendo contraproducente.

As pessoas, até as mais simples e sem cultura, podem ser enganadas uma vez, mas não duas. Essa publicidade fracassada das dores abdominais do presidente demonstraram isso. Que seus conselheiros publicitários estejam atentos, sejam seus filhos ou profissionais, porque as pessoas são mais inteligente do que imaginamos e sabem distinguir muito bem um drama verdadeiro de uma pura manobra para tentar ressuscitar o consenso político perdido.

Os brasileiros que sofreram e continuam sofrendo na pandemia as perdas de seus entes queridos dificilmente poderiam, neste momento, comover-se e chorar por ver o presidente padecer uma dor intestinal. E, como se sabe, quando a opinião pública se vê enganada e ludibriada uma vez, é difícil recuperar a confiança perdida.

As próximas manifestações nacionais marcadas para sábado poderão ser um termômetro para medir se roda essa montagem publicitária em torno da nova doença do presidente, que ele disse e repetiu até o cansaço que era consequência da facada recebida de um suposto “filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT”, serviu para aumentar ou diminuir o já clássico “Fora Bolsonaro”, que equivale a lhe desejar a pena de morte “política” para que o Brasil possa recuperar sua normalidade democrática, cada dia mais ameaçada por um presidente que insiste em aparecer como um mito e um messias enviado por Deus.

Os mitos, porém, acabam, as mentiras são descobertas, os valores triunfam no final sobre as farsas, e os instintos de vida e anseios de liberdade acabam prevalecendo, cedo ou tarde, contra as fúrias assassinas dos tiranos.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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