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Coluna
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O maior milagre das manifestações contra Bolsonaro foi terem sido pacíficas

Não por acaso, segundo os analistas políticos, nunca se viu o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos mais irritados e agressivos do que depois desses protestos

Protestos contra Bolsonaro na avenida Paulista, no dia 19 de junho.
Juan Arias

Muito já se escreveu sobre a última grande manifestação nacional contra a política genocida e violenta do presidente Bolsonaro e seu Governo. No entanto, há um detalhe pouco enfatizado que carrega um grande simbolismo. Refiro-me a que a manifestação, apesar de tão numerosa e do clima de violência política que o Brasil vive, foi pacífica em todo o país.

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Members of opposition parties and social movements participate in a protest against Brazilian President Jair Bolsonaro's handling of the Covid-19 pandemic in Sao Paulo, Brazil on June 19, 2021. - Far-right President Jair Bolsonaro has been facing criticism for his management of the pandemic, including initially refusing offers of vaccines, as epidemiologists warn Brazil may now be on the brink of a third wave of Covid-19. (Photo by Paulo Pinto / AFP)
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Brazilian President Jair Bolsonaro holds a pin of himself outside the Cathedral in Bras�lia, on August 23, 2020. - Bolsonaro on Sunday threatened to punch a reporter repeatedly in the mouth after being asked about his wife's links to an alleged corruption scheme. "I so want to pound your mouth with punches," the far-right president said when a reporter from O Globo, posed the question. (Photo by Sergio Lima / AFP)
Agressividade de Bolsonaro aos jornalistas que o interrogam é grosseria ou delito?

As forças de ordem não precisaram intervir. Mais do que manifestações de protesto, pareciam uma marcha esperançosa contra a raiva que vive o país, injetada todos os dias pelo presidente. Viu-se nos manifestantes o desejo de um clima de paz e harmonia depois do clima de ódio e frustração engendrado pelas posições violentas e destrutivas do Governo.

Talvez tenha sido a raiva desse clima de harmonia entre as pessoas nas ruas o que fez com que Bolsonaro perdesse a compostura vomitando todo o seu ódio contra uma jornalista que cumpria seu dever de interrogá-lo. É bem possível que, mais do que o grande número de manifestantes que pediam sua saída da presidência, Bolsonaro tenha se irritado com o clima de harmonia e a ausência de violência das centenas de milhares de pessoas de várias ideologias que saíram às ruas sem provocar um único incidente.

É algo que deveria acontecer nas próximas manifestações já convocadas para que fique claro que o Brasil não aposta na violência e no enfrentamento, algo de que já está cansado, mas que deseja gritar nas ruas e nas praças de todo o país uma nova era de paz e concórdia que são as melhores armas contra a violência e a intolerância de um presidente cujo sonho é criar um clima de guerra civil.

Hoje sabemos que a manifestação pacífica também impressionou uma classe política que parece anestesiada por um chefe de Estado tão identificado com as armas e violência e com sua proverbial política negacionista e destrutiva.

A manifestação pacífica foi um aviso não só ao presidente cuja saída foi pedida para poder pacificar este país, mas a toda a classe política que tanto teme o ruído das ruas e mais ainda com esse caráter pacífico e de sonhos de recomposição democrática.

Do que não há dúvida é que o presidente se irritou não apenas com a manifestação com bandeiras distintas tremulando juntas e festivas, mas também com seu caráter pacífico. Não por acaso, segundo os analistas políticos, nunca se viu o presidente e seus filhos mais irritados e agressivos do que depois das manifestações.

Não suportaram que o Brasil tenha dado a si mesmo um abraço de paz simbólico que anuncia que o que busca é devolver ao país a paz perdida. E que está ciente de que para isso é preciso continuar gritando “fora Bolsonaro”.

A grande maioria do país, inclusive os bolsonaristas arrependidos, começou a dizer “basta!” gritando isto na rua sem medo e sem violência. E vai continuar. E não é pouco.

A grande caminhada contra a barbárie já começou. A esperança de um Brasil capaz de defender suas melhores essências está em marcha. E essa é a raiva dupla demonstrada por aqueles que prefeririam um país em guerra.

Junto do caráter pacífico das manifestações, algo que chocou foi a presença de tantos jovens. São os que buscam um país que lhes ofereça possibilidades de melhoria sem a necessidade de emigrar para o exterior.

Amam seu país, mas não o querem envenenado pelo ódio e empobrecido pelo desgoverno de uma classe política incapaz de abrir novos caminhos onde encontrem um lugar que lhes permita crescer sem ter de se envergonhar do seu país que já foi cobiçado e invejado no exterior.

Segundo um estudo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo dias atrás, 50% dos 50 milhões de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos estariam dispostos a deixar o país em busca de um trabalho que lhes permita desenvolver suas capacidades, algo que não conseguem aqui. É um número assustador.

Esses milhões de jovens que se sentem frustrados são a seiva de um país que está perdendo suas melhores essências, envenenadas por uma política que despreza a cultura, a arte, a educação, as relações com os outros povos e que destrói suas riquezas naturais que são a inveja do planeta.

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É importante que esse exército de 50 milhões de jovens que é o Brasil do futuro continue unido e gritando nas ruas e praças o “fora Bolsonaro”. Eles têm mais direito do que ninguém de crescer em um país que lhes ofereça a esperança de uma vida digna que lhes permita desenvolver suas habilidades. E mais ainda em um país reconhecido como aquele cujos jovens que estudam no exterior revelam uma grande criatividade e vontade de vencer.

Um país com seus jovens fugindo para o exterior pela falta de oportunidades em seu país revela no mínimo uma vergonha nacional.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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