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Pandemia de coronavírus
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Estendam os 20 segundos de silêncio de Renan Calheiros

Tenho a impressão de que a tragédia brasileira não seria muito diferente sem Bolsonaro —talvez menos vulgar e dolorosa—, porque este país não está preparado para enfrentar a normalidade, que dirá a anormalidade

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) durante sessão da CPI da Covid, no Senado.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) durante sessão da CPI da Covid, no Senado.EDILSON RODRIGUES (AFP)
Rodolfo Borges
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A CPI da Covid começa a tomar seus primeiros depoimentos nesta semana, mas dificilmente conseguirá superar em qualidade, emoção e, principalmente, em efetividade os 20 segundos de silêncio comandados pelo seu relator, Renan Calheiros (MDB-AL), logo na sessão de abertura. O ideal, aliás, é que os participantes da comissão parlamentar de inquérito instalada para investigar ações e omissões do Governo de Jair Bolsonaro passassem o resto das sessões em silêncio absoluto, sempre em homenagem às vítimas da pandemia, naturalmente. E não exatamente por que Bolsonaro não mereça cada bofetada que tomará no ringue montado no Senado —todo Governo tem a CPI que merece.

Os apoiadores do Governo alegam que a CPI foi instalada apenas para desgastar o presidente. Estão certos, qualquer CPI que mereça esse nome só tem um motivo para se instalar: fazer política. Que competência tem um senador para investigar, tirando um ou outro delegado eleito? Que mais, além da política, poderia fazer um político? Como mais explicar que o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que já descreveu o colega Renan como “um político com histórico tão grande de denúncias envolvendo corrupção”, tenha defendido enfaticamente sua participação na CPI contra uma decisão judicial (mal colocada e já derrubada) com o clássico “nem na ditadura”? O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), garantiu que o inquérito não será politizado. Talvez fosse o caso de conduzir os trabalhos fora do parlamento, para não deixar dúvidas.

Os defensores de Bolsonaro que foram às ruas no fim de semana estão certos também ao lamentar que Renan Calheiros e o ex-presidente Lula estejam sendo apontados como esperanças para o país. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos anos? Mas os acertos param por aí. Quarentena e tentativa de lockdown para evitar lotação de hospital não é afronta às liberdades individuais, por pior que seja —e é— para a economia do país, nem Lula ou Renan representam a ameaça comunista da qual apenas a família Bolsonaro pode nos salvar.

Um governo não precisa ser genocida ou fascista para ser ruim, negligente ou incompetente —ou mesmo para merecer um impeachment, como se considera a cada gestão federal no Brasil. Nada contra a retórica política do exagero, desde que ela seja tomada pelo que de fato é: retórica exagerada; sob o risco de banalizar conceitos e acabar sendo usada para reforçar aqueles que visa a combater. Se todos são fascistas e genocidas, ninguém é —e não se engane, depois de Bolsonaro e Lula, virão outros fascistas e comunistas para manter a bola rolando.

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É fácil identificar os erros de Bolsonaro durante a pandemia, tanto na logística quanto na política. Estão claros desde o momento em que foram cometidos, mesmo levando em conta todas as incertezas que rondaram e seguem rondando o novo coronavírus mundo afora. A demora em tomar a frente da crise, em março de 2020, a inépcia para projetar o tamanho do problema e responder à altura, a insistência vã na cloroquina ou em qualquer outra solução milagrosa, mesmo depois de o mundo inteiro tê-las abandonado, a obsessão por um tratamento precoce inócuo, as declarações agressivas e irresponsáveis, o desprezo inicial pelas vacinas, fruto da batalha política com o governador de São Paulo.

Bolsonaro se equivocou tanto que deu ao mundo a certeza de que é o pior gestor da pandemia —João Doria, mesmo governando o Estado mais afetado no país, é visto com outros olhos, investiu numa vacina, ainda que tenha sido com apoio dos chineses, de quem o mundo também desconfia. O presidente deu ainda aos brasileiros a ilusão de que a crise de saúde poderia ser diferente sob outro presidente. Pessoalmente, tenho a impressão de que a tragédia brasileira não seria muito diferente sem Bolsonaro —talvez menos vulgar e dolorosa—, porque este país não está preparado para enfrentar a normalidade, que dirá a anormalidade. Sua falta de competência para lidar com a crise de saúde, contudo, o faz merecedor de todas as críticas e ataques —e também de possíveis responsabilizações criminais.

É compreensível que parte da população se empolgue, ainda que de forma cínica, com os retornos de Renan e Lula à arena política. A seu favor está o fato de que o comportamento de Bolsonaro realmente mudou nas últimas semanas, como resultado evidente da pressão política. Mas, a julgar pelo histórico, para tirar desta CPI o melhor possível eu proporia, Vossas Excelências, um acordo de líderes: que todos os senhores permanecessem calados ao longo de todo o inquérito, em respeito às vítimas e aos sobreviventes da pandemia, desde que o presidente da República também o fizesse, pelo mesmo período —e por prazos prorrogáveis de mais 60, 90, 120, 360 dias.

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