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Governo Bolsonaro
Coluna
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Os três gols seguidos em Bolsonaro podem prever sua derrota final

Até os que continuavam apoiando-o porque o viam como o grande inimigo da esquerda começaram a se distanciar dele principalmente após a desastrosa gestão da pandemia com seu negacionismo exasperado

Presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto.
Presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto.EVARISTO SA (AFP)
Juan Arias

Os que convivem com o presidente Jair Bolsonaro afirmam que nunca o viram tão irritado como nestes dias. Talvez porque tenha sofrido três gols seguidos que podem prever sua derrota definitiva.

Até os que continuavam apoiando-o porque o viam como o grande inimigo da esquerda começaram a se distanciar dele principalmente após a desastrosa gestão da pandemia com seu negacionismo exasperado que fez com o que o Brasil seja visto hoje no exterior como o maior perigo sanitário do mundo.

O capitão viu de repente seu governo vazado três vezes. Primeiro quando o Exército fez com que ele soubesse com a renúncia dos três chefes das Forças Armadas que não está disposto a entrar em política e deu a entender que não é “seu Exército” como ele cacareja a cada dia.

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O Supremo que ele achava ter dominado marcou dois gols seguidos em Bolsonaro. Primeiro derrubando por 9 votos contra 2 sua pretensão de que as Igrejas se mantivessem abertas ao culto apesar do agravamento da pandemia. Os magistrados se mantiveram firmes em que são os governadores e prefeitos que, segundo a gravidade do momento, poderão ou não impedir o culto presencial nos templos.

O outro gol do Supremo foi marcado pelo juiz Barroso obrigando o Senado a dar sinal verde à abertura de uma CPI para analisar as responsabilidades do Presidente e de seu Governo na gestão da pandemia que levou o país à catástrofe que está sofrendo com o horror de que em muitas cidades os mortos já superam os nascimentos. No Senado já existiam os votos suficientes para dar andamento à CPI, mas o presidente da Casa se fazia de desentendido e continuava sem abrir a comissão de inquérito sobre os possíveis crimes de Bolsonaro que zomba do que ele chamou de uma simples “gripezinha”. Enfurecido, o Presidente ameaçou o Supremo e o Senado em usar a “bomba atômica” contra eles. Ameaça que deixa a descoberto sua fragilidade e o poder que achava ter sobre as instituições.

Essas três derrotas às que é preciso somar o fato de ter sido obrigado a demitir seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, considerado o coração ideológico do Governo, seguidor fiel de Donald Trump e que estava fazendo com que o Brasil brigasse com meio mundo, indicam que as placas tectônicas de seu poder estão se movimentando e podem causar um terremoto político.

É importante que o amante das ditaduras comece a ver seu poder se quebrar porque com seus desmandos e ataques contínuos à democracia está fazendo com que o Brasil perca as esperanças. E já sabemos o que costuma acontecer quando um povo perde as esperanças nos que o governam.

De fato, com Bolsonaro o Brasil do futuro ficou muito para trás, o do Deus é brasileiro, o do milagre econômico, o país desejado pelos europeus que queriam vir trabalhar aqui, o Brasil respeitado em todos os foros internacionais, o de sua invejada diplomacia exterior. Tudo isso parece de repente ter se desfeito como uma bolha de sabão dando lugar a um pessimismo nacional.

Hoje predominam as fake news que envenenam a sociedade e a desorientam levada pelo ódio em vez da convivência pacífica. Onde se esconderam envergonhadas a esperança e a alegria de viver? Hoje até a música popular se tornou mais violenta.

De tanto falar de armas, de militares, de golpes de Estado, de genocídios e de sentirem-se abandonados em meio à matança da pandemia os brasileiros se veem a cada dia mais abandonados à sua sorte.

Enquanto os mortos se amontoam e já faltam cemitérios, soam macabras as zombarias, as ironias e até as imitações grosseiras de alguém que morre asfixiado por falta de oxigênio por parte de quem detém o poder da nação e deveria mostrar solidariedade e compaixão com tanta dor.

Dá a sensação de uma grande confusão que desorienta as pessoas que já não sabem em quem confiar com as instituições do Estado também até ontem desorientadas e incapazes de se unir contra o perigo comum de quem só pensa em conseguir o poder absoluto para impor um sombrio golpe ditatorial.

É surpreendente ver, por exemplo, os grandes empresários aplaudindo o candidato a ditador que arrastou o país a uma das maiores crises econômicas da história com milhões que ou passam fome, ou estão sem trabalho e que quase não conseguem viver com dignidade com o que ganham.

Estão cegas essas elites financeiras que não veem as lágrimas de milhões de brasileiros que levantam todas as manhãs sem saber se poderão dar de comer aos seus filhos? Esses empresários que manejam as finanças do país não veem que o Brasil está desmoronando e que a cada dia se sente mais inseguro sem saber que futuro seus filhos esperam?

Essas elites da política e do dinheiro não veem que o Brasil amanhece a cada manhã com os grandes veículos de comunicação mundiais anunciando a queda e desmoralização de um país que deveria e poderia ser o coração do continente?

Não, o Brasil não precisa para ser governado e para recuperar sua esperança hoje quebrada de mais messias e redentores, e sim de estadistas capazes de organizar o país em relação à sua dignidade, sem saqueá-lo vergonhosamente para que eles e suas famílias enriqueçam condenando um país rico material e espiritualmente à pobreza e ao desalento.

A única esperança é que a sociedade procure sua unidade e o antídoto para se defender contra os vírus políticos mais mortais do que os da pandemia porque envenenam não só o presente, e sim também o futuro da nação.

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A palavra de ordem dos brasileiros hoje deveria ser a da resistência aos que se divertem e lucram saqueando não só seus recursos, como suas liberdades até de expressão e, principalmente, a esperança de sair do pesadelo que os aflige mais unidos e com orgulho do que realmente representa este país no mundo.

O que espera, por exemplo, o Congresso para dar seguimento aos aproximadamente cem pedidos de impeachment contra o Presidente por parte da sociedade? O Congresso não é a voz e a expressão dos anseios da sociedade?

É desmoralizador ver essa voz da sociedade sufocada pelos interesses puramente pessoais dos que a governam. O que podem pensar os milhões sem casa e morando em pardieiros como animais vendo um senador jovem, filho do Presidente, investigado por corrupção, comprar uma mansão de seis milhões no coração aristocrático de Brasília?

Quando o poder que deveria pensar em como melhorar a vida das pessoas aparece preocupado somente em acumular privilégios e benefícios, a democracia se quebra envergonhada e humilhada.

O Brasil sofreu como tragédia os 21 anos de ditadura militar e agora parece viver como farsa a democracia. Só que às vezes a farsa dos aprendizes a ditadores pode ser mais grave do que a realidade.

O Brasil precisa com urgência de verdadeiros líderes capazes de devolver a esperança perdida a 220 milhões de pessoas submersas hoje no medo e na desilusão. A história é sempre mãe da sabedoria. O que o Brasil vive hoje pode lembrar quando há mais de 2.000 anos Cícero, senador romano, jurista, político e escritor enfrentou o conspirador Catilina que pretendia tomar o poder absoluto, com suas famosas palavras que atravessaram os séculos: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo tua loucura zombará de nós? A que extremo chegou tua audácia desenfreada? Não percebeu que seus planos foram descobertos?”. O conspirador Catilina acabou fugindo de Roma com suas hostes fanáticas e derrotado.

Sim, o Brasil precisa de um novo Cícero capaz de repetir ao conspirador que só sonha em conquistar o poder absoluto zombando da Constituição e da democracia: até quando continuará abusando de nossa paciência?

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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