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Eleições municipais
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

O que os novos prefeitos podem fazer pela segurança pública?

Podemos e devemos entender a promoção da segurança como um esforço de diversas esferas da política das cidades e não só como um assunto de polícia

Vista do centro de São Paulo.
Vista do centro de São Paulo.Toni Pires (El País)
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As eleições municipais de 2020 ocorrem num período de grande transformação da vida individual e coletiva nas cidades. Se o nosso modo de fazer política já vem sendo provocado a pensar numa atuação integrada das diversas políticas públicas ―ou seja, que possa conectar áreas como saúde, educação, trabalho―, esta necessidade fica ainda mais evidente no contexto da crise da covid-19. No entanto, o campo da segurança pública, sobretudo quando estamos falando de segurança nas cidades, sempre demandou esse esforço, mas o desafio reside justamente no fato de que as apostas que têm sido feitas para esse campo não têm logrado o sucesso esperado.

As eleições deste ano também consolidam a crescente tendência da participação eleitoral de policiais e militares, que cada vez mais buscam abandonar suas carreiras para ingressar na política. Este fenômeno talvez possa ser explicado por duas principais lentes: tanto do ponto de vista dos anseios da população que vivenciam índices de violência que aumentam ano após ano ―ainda que com momentos em que comemoramos eventuais quedas―, quanto do ponto de vista da centralidade do tema na agenda política, o que significa dizer que agentes políticos cada vez mais percebem a relevância do tema e a oportunidade eleitoral que ele representa. Assim, essas duas lentes se complementam: uma vez que a população traz essa demanda, a classe política reage a isso e, quando reage, a população também sente esses efeitos.

A atual tendência de elevada participação de policiais nas disputas eleitorais exige bastante atenção e maior compreensão futura sobre suas consequências tanto para a democracia quanto para as instituições de segurança. Convém dizer que a condução de políticas públicas de segurança por quem a opera no cotidiano não significa, necessariamente, que seja uma condução mais capacitada. Queremos chamar atenção para propostas construídas com base em evidências sólidas e que dialoguem com os principais problemas vividos pela cidade, sobretudo por grupos vulnerabilizados, e não que busquem atender aos interesses próprios de grupos específicos.

Mas, afinal, o que pode fazer o município no campo da segurança pública? Há muito tempo também que discutimos o papel das cidades na promoção da segurança pública, sabendo que a Constituição delegou mais especificamente aos Estados a responsabilidade por ela, com a gestão das polícias e das unidades prisionais. No entanto, é o município, mais do que os outros entes da Federação, a esfera capaz de conduzir políticas de prevenção à violência, ou seja, eles têm a possibilidade de atuar para prevenir a violência e a criminalidade, por meio de políticas, programas e ações em diferentes setores da administração pública, que considerem as especificidades do seu território, população e dinâmicas criminais. O que se quer chamar a atenção aqui é para o fato de que segurança pública não é apenas assunto de polícia, podemos e devemos entender a promoção da segurança como um esforço de diversas esferas da vida pública. É o exercício de conectar investimentos e políticas de saúde, educação, cultura e lazer combinados com a política de segurança.

Partindo dessa premissa, o Instituto Sou da Paz lançou a Agenda São Paulo Mais Segura, entendendo que o município é ator fundamental capaz de articular outras políticas sociais para reduzir e prevenir a violência. Especificamente para a cidade de São Paulo, elencamos cinco eixos prioritários com diagnósticos, que também consideram o contexto da pandemia, e propostas práticas para a segurança municipal. Partimos do pressuposto de que o sucesso da política municipal de segurança depende de uma governança robusta, feita com planejamento, investimento e participação social. Para isso, é necessário um diagnóstico cuidadoso sobre as demandas do município, em especial considerando grupos vulnerabilizados.

Nesse sentido, elencamos como prioridade o enfrentamento da violência contra a mulher, problema crônico em nossa sociedade, que deve ser encarado com uma abordagem intersetorial, através de políticas que atuem sobre os fatores de risco e promovam a prevenção da violência, mas também proporcionem o atendimento transversal às vítimas. Da mesma forma, a população jovem precisa estar no foco prioritário da administração municipal e o investimento de políticas para este grupo, com o objetivo da prevenção à violência contra adolescentes e jovens, mas também da prevenção de práticas infracionais, deve englobar a promoção de políticas de educação, cultura e lazer.

Outro debate eleitoral recorrente diz respeito à cracolândia, cena aberta de uso de drogas na região da Luz, no centro da cidade, que conta com muitas outras cracolândias em seu território. Apesar da extrema vulnerabilidade que vitima os usuários e frequentadores destas cenas de uso aberto, os dados mostram que a substância cujo abuso é responsável pela maior parte de acidentes, episódios de violência e episódios de perturbação do sossego é o álcool, assunto que não vemos na boca de praticamente nenhum candidato.

Por fim, entendemos que a gestão da Guarda Civil Metropolitana não deve ser confundida com mais uma força policial a competir com as demais, mas sim estar orientada à proteção de direitos e à preservação do espaço público, numa atuação próxima à comunidade e que possa reunir e coletar demandas e fortalecer uma coordenação efetiva da política de prevenção.

Defendemos que a segurança pública seja elencada como prioridade dos/as candidatos/as e esteja na ordem do dia do debate, mas que seja uma política baseada em evidências e experiências bem-sucedidas, desintoxicada de disputas ideológico-partidárias e com objetivo último de entregar às cidadãs e aos cidadãos uma cidade mais segura e acolhedora para todos os grupos.

Só quando chegarmos no entendimento comum de que segurança pública se faz com investimento, seriedade e evidências, concebendo-a enquanto um direito social, garantido quando também se articulam outras políticas públicas, é que vamos permitir a construção de uma nova aposta para a cidade que queremos.

Carolina Souto é gestora de políticas públicas e assistente de advocacy do Instituto Sou da Paz.

Felippe Angeli é advogado e gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz.

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