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Governo Bolsonaro
Coluna
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O Brasil é um “pária” do mundo?

Que o ministro de Relações Exteriores de Bolsonaro não se importe de que o país seja visto com desprezo revela a pobreza política e espiritual desse Governo

Juan Arias
Presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo em cerimônia de novos diplomatas do Rio Branco, o prestigioso instituto de formação dos diplomatas brasileiros.
Presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo em cerimônia de novos diplomatas do Rio Branco, o prestigioso instituto de formação dos diplomatas brasileiros.Rodrigo Pertoti

O ministro das Relações Exteriores de Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo, afirmou na quinta-feira aos alunos do Colégio Rio Branco, o prestigioso instituto de formação dos diplomatas brasileiros, que não importa que o Brasil pareça “um pária” no mundo se for para defender a liberdade. Disse isso diante do presidente Jair Bolsonaro, que participava da cerimônia.

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As palavras costumam ser reveladoras do que se pensa. E não é por acaso Araújo escolheu o qualificativo de “pária”, que também significa excluído, marginais e proscrito, e que nos remete aos párias da Índia, aos intocáveis, aos sem direitos, aos castigados para fazer os trabalhos mais humildes.

Afirmar que não importa que o Brasil seja visto como um pária e marginal no mundo é uma grave ofensa aos mais de duzentos milhões de brasileiros. E acrescentar que isso é para “defender a liberdade” soa como sarcasmo.

Que liberdades o Governo de extrema direita defende hoje? A liberdade de expressão? A liberdade da mulher de usar o próprio corpo? A de poder viver em paz a própria sexualidade? A dos negros e pardos que são a maioria e são os mais expostos à violência institucional? A liberdade dos diferentes e excluídos? A dos indígenas que estão sendo exterminados e empurrados para entrar na nossa civilização alienada?

Justamente hoje os grandes milionários estão comprando ilhas virgens para viver fora do estrondo de um mundo cada vez mais poluído e massificado. Não, o Brasil não é visto no exterior como um pária. No máximo, com preocupação porque seu Governo está ameaçando todas as liberdades com uma política autoritária que o afasta das grandes democracias do mundo.

O ministro Araújo havia afirmado ao chegar ao Itamaraty que “Deus escolheu Trump e Bolsonaro para salvar o mundo”. Salvá-lo do quê? Justamente, neste momento, são os Estados Unidos e o Brasil que pagam um preço alto pelas políticas negacionistas e autoritárias de seus presidentes.

A verdade, goste-se ou não, é que hoje o Brasil é visto pelo mundo com preocupação, não como um “pária”. É um país que sempre foi admirado, não só como potência econômica, como também por ser um país que despertava simpatia e até inveja. O Brasil é um país onde sempre conviveram em paz pessoas de mais de 90 nações diferentes. Aqui ficaram e hoje seus filhos e netos se sentem brasileiros.

Que seu ministro de Relações Exteriores não se importe que este país, um dos maiores do mundo e estratégico no continente, seja visto como um “pária” revela melhor do que qualquer outra coisa a que limites uma pobreza política e espiritual estão conduzindo o país.

O Brasil sempre se destacou por sua política externa vista como uma das mais preparadas do mundo. O Itamaraty era considerado uma escola de diplomatas que engrandeciam a imagem do Brasil no exterior.

Eu mesmo fui testemunha disso há 20 anos, quando cheguei aqui e fui entrevistar o então ministro de Relações Exteriores, Celso Lafer. Fiquei impressionado com sua visão aberta do mundo, sua bagagem cultural e seu domínio das línguas. E em minhas viagens pelo mundo pude sentir de perto a simpatia com que meus colegas jornalistas brasileiros eram acolhidos. De imediato exaltava-se o Brasil, lembrando não só seu futebol com o mítico Pelé, mas também sua música, seu pluralismo religioso e suas belezas naturais, de suas florestas a suas praias virgens. E sobretudo pela capacidade de acolher os estrangeiros.

Não encontrei, de fato, um estrangeiro radicado no Brasil que tenha visto este país como um “pária”, mas, sim, como um gigante digno de respeito e que apesar de suas desigualdades sociais e seu racismo herdado do tempo da escravidão é um país que não ama a guerra. Gosta, isso sim, de viver com felicidade. Quando o ex-diretor da edição brasileira do EL PAÍS Antonio Jiménez voltou à Espanha e foi questionado sobre o que o Brasil havia lhe dado, ele respondeu: “me ensinou a ser feliz”.

Que os governantes de hoje que estão empobrecendo o país com suas políticas de exclusão e negacionismos não se iludam. A democracia, com todos os seus pecados, é hoje aprovada por 70% dos brasileiros como melhor do que a ditadura.

Tentar envenenar o país criando ódio e empobrecendo as liberdades só levará a uma rebelião ou a um desprezo pelos novos políticos.

É assustador falar em liberdade um Governo que persegue os artistas, os cientistas e humilha os professores, ao mesmo tempo que deixa tranquilos as poderosas milícias e traficantes. É grotesco que um Governo que considera uma insignificância as 155.000 vítimas da pandemia, por sua política negacionista do vírus e por boicotar a esperança de uma vacina que nos livre desse pesadelo, se vanglorie de ser paladino da liberdade.

Enfraquecer o Brasil, que é um continente com enormes possibilidades tantas vezes castradas por políticas obtusas e de rapina dos bens públicos, é um pecado que a extrema direita pode pagar muito caro.

O Brasil não é um pária, é uma possibilidade de desenvolvimento destinada a contar no tabuleiro mundial. E isso ninguém será capaz de lhe roubar. Um país que nunca amou a guerra, ao qual se incute o amor pelas armas e é envenenado com ódios que poderiam conduzir a uma guerra civil, merece estadistas que, em vez de apequená-lo, sejam capazes de recolocá-lo dentro e fora do território não como um pária, mas como uma possibilidade e uma esperança.


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