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Eleições municipais 2020
Tribuna
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Por uma cidade antirracista e o bem viver em São Paulo

Queremos mais do que apenas sobreviver: queremos viver com dignidade, ao nosso modo, a partir de padrões de cooperação e solidariedade. Para isso, é preciso investir e repensar as políticas para cada região da cidade, principalmente as periferias

Tamires Sampaio, candidata a vereadora de São Paulo pelo PT.
Tamires Sampaio, candidata a vereadora de São Paulo pelo PT.Divulgação

São Paulo, mais de 12 milhões de habitantes: eu costumo dizer que esta é uma cidade em que coube o mundo inteiro, muito diversa, mas extremamente desigual. São Paulo é resultado da força que herdamos do sangue negro e indígena derramado (até hoje), da garra do nordestino que veio para cá ajudar a construir essa megalópole. Da autonomia da mulher negra que enfrenta as barreiras de uma sociedade machista e racista para construir e garantir um futuro melhor para os filhos e filhas. De uma periferia que por mais atacada e segregada que seja, tem um censo de comunidade e de família como nenhum outro lugar da cidade. É desse lugar que eu venho. Eu sou uma dessas filhas.

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An aerial view shows the city's biggest slum Paraisopolis after residents have hired a round-the-clock private medical service to fight the coronavirus disease (COVID-19), in Sao Paulo, Brazil April 2, 2020.  REUTERS/Amanda Perobelli
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Por ser uma cidade grande, São Paulo carrega características antagônicas. Riqueza na mão de poucos, pobreza na vida de muitos, segurança para privilegiados, criminalização e segregação social para a maioria. Essa desigualdade se acentua de acordo com o território em que se vive na cidade e há muito tempo vem sendo comprovada por números e estatísticas que nos inquietam. Não é por acaso, por exemplo, que habitantes de Cidade Tiradentes vivem, em média, 23 anos a menos do que os de Moema; que o índice de feminicídio aumentou 167% em 2019 e que a violência contra a população negra, em especial a juventude, aumentou nos últimos anos. Também não é por acaso que as mais de 140.000 vítimas do coronavírus no Brasil e em nossa cidade são negras moradoras da periferia.

A crise do coronavírus escancarou o quanto a organização do espaço na cidade determina quem pode viver e quem deve morrer. Chamo isso de política de morte, que se expressa pela ausência de políticas públicas que garantem uma vida digna, pela desigualdade de renda e por meio da violência contra a população pobre, negra, indígena, mulheres, os LGBTs e as pessoas que vivem nas periferias.

A cidade de São Paulo é o principal foco da doença no Brasil e é nela que estão os 20 bairros onde mais pessoas morreram por covid-19, todos na periferia, com a população majoritariamente negra. Hospitais públicos, que desde o início do sucateamento do Sistema Único de Saúde, o SUS, já operavam no limite, e profissionais da saúde, a maioria mulheres negras, hoje, trabalham em condições precárias, sem testes e equipamentos de proteção.

Enquanto isso, milhares de pessoas só possuem a alternativa de sair para buscar o sustento da família. Outros milhares perderam o emprego e a renda e não puderam contar com o, ainda que pequeno, auxílio emergencial ou qualquer outra política de proteção ao emprego e distribuição de renda. Essa situação se agrava com a gestão do presidente Jair Messias Bolsonaro, a verdadeira materialização da política de morte no Brasil, com a perda de direitos e políticas sociais. Em São Paulo com o governador João Doria, no Governo estadual, e Bruno Covas, na prefeitura, nos últimos anos, vimos o aprofundamento das desigualdades sociais e a violência. Ambos seguem a cartilha neoliberal de desmonte das políticas sociais e privatização dos serviços públicos, refletindo diretamente no sucateamento dos setores de saúde, educação e assistência social.

Agora, mais do que nunca, é preciso reafirmar: temos o direito de viver! E queremos mais do que apenas sobreviver: queremos viver com dignidade, ao nosso modo, uma vida plena e que nos permita viver melhor, a partir de padrões de cooperação e solidariedade.

A defesa do bem viver em SP é necessária diante do momento em que vivemos, uma perspectiva que tem como objetivo contribuir para outra forma de vida consciente na cidade: à garantia e soberania em relação ao ar, à água, aos minérios, à fauna e à flora. Com inspiração nas cosmovisões indígenas, retomamos a compreensão de que a terra é um organismo vivo onde a natureza está integrada, razão pela qual as agressões a ela ameaçam a continuidade da sobrevivência, inclusive da espécie humana.

Na Câmara Municipal de São Paulo, vamos lutar pelo direito à saúde integral, pública, gratuita e universal, e o fortalecimento do SUS, um dos maiores sistemas de saúde do mundo, que é referência internacional. Queremos uma educação pública, de qualidade e democrática, como forma de compreender os fundamentos dos diferentes campos do conhecimento. Precisamos desenvolver o pensamento crítico e transformar o mundo. Pretendemos, na futura construção coletiva de mandato valorizar as culturas populares, negras, indígenas, LGBTs, que devem estar nos espaços públicos, físicos e de poder. Todos temos direito a moradia e ao trabalho digno e produtivo, à geração de emprego e renda. Vamos trabalhar para beneficiar a maior parte da sociedade, ao invés de servir para o lucro de poucos, com direitos trabalhistas, aposentadoria e tempo livre para o lazer e bem viver.

Para isso, é preciso investir e repensar as políticas para cada região da cidade, principalmente as periferias. São Paulo pode ser uma cidade inteligente, que use a tecnologia a favor da vida das pessoas. Pode mudar seus padrões de produção e sua relação com a natureza, iniciando a tão possível transição ecológica. Transformar a cidade de São Paulo equivale a transformar nossas vidas. Vamos juntas construir uma cidade antirracista e o Bem Viver em São Paulo.

Tamires Sampaio, mestra em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie, feminista negra, é candidata a vereadora de São Paulo pelo PT. Moradora da periferia de São Paulo, foi a primeira mulher negra a presidir o Centro Acadêmico da Faculdade de Direito do Mackenzie.

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