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Mulheres na política
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

A nova cláusula de barreiras

A difusão de ataques virtuais e campanhas de desinformação contra candidatas pode se transformar em mais um obstáculo para a entrada das mulheres na política

A deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG), um dos nomes femininos no Congresso.
A deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG), um dos nomes femininos no Congresso.

“Ataques”, “fake news”, “má interpretação do que estava querendo falar”, “preconceito dos homens”, “a mentira propagada como verdade”, “mensagens que eram de caráter pessoal divulgadas”... Essas foram algumas das primeiras respostas que o Redes Cordiais recebeu de candidatas às eleições de 2020 sobre os medos que elas têm de disputar uma campanha extremamente digitalizada. A pesquisa, ainda em estágio inicial e em execução, quer analisar o efeito da desinformação e dos ataques de ódio nas candidaturas femininas. Segundo os dados coletados até agora, 39% das mulheres afirmaram ter medo de ser alvo de ataques.

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No mundo, aproximadamente um em cada quatro representantes eleitos é uma mulher. O Brasil fica abaixo da média global. Enquanto as mulheres representam 51,8% da população, elas ocupam apenas 14,6% das cadeiras da Câmara dos Deputados. Dos 513 parlamentares, apenas 75 são mulheres. Segundo o mapa de mulheres na política criado pela União Interparlamentar e pela ONU Mulheres, o Brasil ocupa a 140a posição num ranking de 193 países.

O Fórum Econômico Mundial estima que ainda levaríamos mais de um século para alcançarmos a equidade de gênero. No entanto, se abusos online e campanhas de desinformação continuarem a ser direcionados às mulheres desse modo desproporcional, há o risco de não chegarmos lá.

Um estudo da Pew Research apontou que as parlamentares têm três vezes mais chances do que seus colegas do sexo masculino de serem alvo de comentários sexistas nas redes sociais, e que 70% das mulheres classificaram o assédio online como um “grande problema”, em comparação com 54% dos homens.

De acordo com o relatório Violência online contra a mulher, da professora da Faculdade de Comunicação da UnB Janara Sousa, a violência de gênero online costuma se manifestar em forma de pornografia de vingança (quando se espalha na rede conteúdo sexual ou de nudez de uma mulher para expô-la), hiper sexualização da mulher, preconceito e propagação de estereótipos negativos.

A desinformação e o discurso violento direcionados a mulheres prejudicam a credibilidade, a saúde mental e a reputação delas e colocam obstáculos ao seu sucesso eleitoral. São um desincentivo significativo para que mulheres sigam uma carreira política ou uma vida pública.

“Precisamos encarar essas ataques como uma afronta à democracia e não apenas sob as lentes da violência de gênero,” afirma a pesquisadora Lucina de Meco, autora da pesquisa #ShePersisted, Women, Politics & Power in the New Media World. De Meco ouviu 38 lideranças femininas de diversos países na política, na sociedade civil, no jornalismo e em tecnologia, e de campos ideológicos diferentes. A pesquisadora também fez uma análise de big data para identificar tendências de gênero durante as primárias do Partido Democrata nas eleições norte americanas de 2020.

Os resultados da pesquisa revelam que campanhas de difamação e ódio querem excluir a participação política das mulheres que confrontam o poder dominante. “As mulheres são vítimas de ações orquestradas, realizadas por contas inautênticas, bots e trolls, que querem silenciar, deslegitimar e despersonalizar, de forma organizada e sistematizada, a presença feminina na política. Em última instância, o que esses grupos querem é dissuadir as mulheres de serem politicamente ativas”.

A pesquisadora, no entanto, ressalta que as redes também têm papel fundamental em promover e amplificar a voz das mulheres, numa tentativa de igualar as condições para a disputa eleitoral e o engajamento político. “As candidatas tem razão de terem medo. Mas elas também têm um grande poder de formação de rede de apoio; geram mais seguidores, mais curtidas e mais envolvimento orgânico. É preciso usar a capacidade de articulação para reagir aos ataques”, conclui.

Ao limitar a participação de uma parte significativa da população e aumentar a noção de política como um campo inerentemente masculino, elitista, “sujo”, corrupto e violento, a desinformação de gênero enfraquece as instituições democráticas. A dois meses da eleição, cada internauta tem pela frente a oportunidade — e o dever — de garantir um ambiente digital mais seguro para as candidatas mulheres. Ganham as redes sociais e a democracia.

Alana Rizzo e Clara Becker são fundadoras do site Redes Cordiais, uma iniciativa que alia educação digital e combate às notícias falsas.

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