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Pandemia de coronavírus
Crônica
Texto informativo com interpretação

É verdade que milhares de teclados de computadores de todo o mundo estão sendo ocupados por gatos?

Capacidade felina de se colocar na frente de algo que desperte o interesse de seus donos alcança seu nível máximo durante o confinamento

Atún, à espreita de qualquer atividade interessante.
Atún, à espreita de qualquer atividade interessante. Pedro Zuazua
Pedro Zuazua
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-FOTODELDIA- AME544. SAO PAULO (BRASIL), 06/04/2020.- Fotografía de una avenida este lunes en el centro de la ciudad de Sao Paulo (Brasil). El gobernador del estado de Sao Paulo, Joao Doria, prorrogó hasta el próximo 22 de abril la cuarentena decretada hace dos semanas, y recalcó que ningún tipo de aglomeración será permitida en sus 645 municipios. EFE/Fernando Bizerra Jr
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Conhecem o gato Larry? É, atualmente, o felino mais poderoso do mundo. Vive no número 10 da Downing Street, em Londres. Chegou ali em 2011, procedente do Battersea, um refúgio londrino para cães e gatos fundado em 1860. Seu título oficial é o de chefe de Caça aos Ratos do Gabinete do primeiro-ministro britânico. Foi nomeado para o cargo por David Cameron, seguiu habitando a residência oficial sob Theresa May e nos últimos dias sentiu a falta de Boris Johnson.

Larry é uma celebridade. Entra e sai de casa quando quer. Se a porta estiver fechada, o policial que vigia a entrada a abre. Se não houver guarda na porta, senta-se e espera, numa atitude bastante felina, até que algum jornalista se aproxima e toca a campainha para ele. Quando há visitas de chefes de Estado, deixa claro com quem simpatiza ou não ― no caso de Donald Trump, meteu-se debaixo de um carro. Os repórteres que cobrem o Governo chegaram a colocá-lo sobre o pedestal em frente à residência, dando a impressão de que estava dando uma coletiva. Tem 379.000 seguidores em sua conta do Twitter, está um pouco gordinho, e suas opiniões políticas não têm por que coincidir com as do ser humano que habita sua casa.

Na semana passada, Larry lançou uma pergunta aos seus seguidores: é verdade que milhares de teclados de computadores de todo o mundo estão sendo ocupados por gatos? E pediu uma prova fotográfica. A resposta: 2.300 fotos de gatos interpondo-se entre seus humanos e os computadores.

É curiosa essa virtude ― será uma virtude? ― dos gatos de estarem sempre no lugar onde mais incomodam (eu ia dizer “enchem o saco”, mas em um jornal sério não se devem escrever palavras de baixo calão) os seus colegas de moradia. O pedido de Larry era, na verdade, uma mensagem a todos os que convivem com felinos: vocês não estão sozinhos nisto, ele nos dizia; há milhares de humanos que também são abertamente sacaneados por seus gatos.

Porque, admitamos, os gatos nos observam a partir da superioridade. E assim nos tratam. Mas quando dessa altura moral eles notam que algo se interpõe entre o nosso interesse e eles, decidem baixar à terra e agir. Nestes dias de confinamento e convivência, as oportunidades que seu gato encontra para zoar com você e demonstrar que estão acima de tudo crescem exponencialmente.

Mía e Atún, os gatos com quem convivo, são especialistas nesse assunto. Desde o início da quarentena não houve videoconferência ou videochamada em que o Atún não tenha aparecido para cumprimentar. Faz isso, além do mais, de uma forma muito sutil: passeia por cima do teclado deixando escritos textos que parecem mensagens cifradas. Depois, isso sim, quando o pego para acostumá-lo aos meus colegas, escapa de mim me deixando recados nos braços.

Mía confraternizando com a rainha Elizabeth.
Mía confraternizando com a rainha Elizabeth. Pedro Zuazua

Aperfeiçoaram de tal forma sua capacidade de saber quando estou concentrado que são capazes de distinguir se um livro está me agradando ou não. No início do confinamento comecei As Correções, de Jonathan Franzen. Seiscentas páginas. A melhor maneira que tenho de expressar o que achei da obra é uma frase que minha mãe disse certa vez: “Se tiver tempo, não leia”. Mas como sou incapaz de deixar um livro pela metade, acabei-o. Bom, nenhum dos dois se cruzou entre o livro e este que vos fala no (extenso) tempo que durou a leitura. Pois bem, comecei La Novia Gitana, que me entreteve, e aí sim, lá estava o Atún para esfregar a cabeça contra o livro e dificultar a leitura.

Em geral, costumam ficar diante da televisão quando o Oviedo joga. Não é uma situação tão dramática, já que são gatos, não tigres, e em um jogo de futebol o principal não costuma acontecer no plano inferior. Mas, meus amigos, nesta quarentena eles descobriram o ponto exato onde o sinal do controle faz contato com a televisão. Adivinham onde a Mía se coloca a cada noite? Exato. Bem nesse ponto. Gerando essa incomparável sensação de você se meter embaixo do cobertor, pensar que tem tudo à mão e perceber que precisa se levantar para poder mudar de canal, porque sua gata decidiu que ver televisão à noite não pode ser tão legal quanto você imaginou que seria.

Como agora estamos o tempo todo juntos, também decidiram me acompanhar em todas as tarefas do lar. A preferida deles é quando limpo suas caixas de areia (na sua superioridade, a imagem deve ser certamente reconfortante). O banheiro é pequeno e, além das coisas normais de um banheiro, estão lá a máquina de lavar roupa e as duas caixas de areia. Pois lá nos colocamos os três. Com a única condição de que dois não vão ajudar. Vão inspecionar e entrar na frente sempre que for possível.

O que venho descobrindo é a sua capacidade de inovar. Nos últimos dias, estou fazendo esporte em casa (nada grave, meia hora de exercícios). Costumo pôr música na televisão e meço o tempo das repetições de cada exercício pelo das canções. A Mía sacou na hora. E lá foi ela. Ficar bem na frente do relógio. Sabem onde fica o Atún cada vez que faço flexões? Isso mesmo, debaixo de mim. (Dois esclarecimentos: faço no máximo 15 flexões seguidas, não me interpretem mal. E quando digo “flexões” talvez esteja referindo ao que você conhece como “mergulho”. Fiquei sabendo outro dia.) Não só isso. Dia destes, enquanto fazia umas abdominais (quando criança, tinha um instrutor que dizia “abomináveis”), o Atún ficou à altura da minha cabeça e cada vez que aparecia por ali me tocava. Não sei se as estava contando ou me benzendo.

Este confinamento está servindo para descobrir o nível de sofisticação a que podem chegar os gatos para chamar a nossa atenção. Que fiquem no melhor lugar do sofá ou que caminhem sobre o peito da gente durante a madrugada já são quase questões menores. Ao menos agora, graças a Larry, sabemos que não estamos sozinhos no confinamento felino. Que o compartilhamos com milhares de pessoas.

Com a pandemia, os demais animais começaram a recuperar espaço do ser humano. Àquela altura, os gatos já tinham colocado um dos seus no topo da cadeia de mando do Império britânico. Consola pensar que não somos a única espécie a quem olham por cima do ombro.

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