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Coluna
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Duas fotos intrigantes no duelo entre Bolsonaro e Moro

O ano que acaba de começar será definitivo para se poder intuir o que poderá acontecer com essa relação entre misteriosa, interesseira e intrigante dos dois personagens

Bolsonaro e Moro em cerimônia no Palácio do Planalto em 17 de junho de 2019.
Bolsonaro e Moro em cerimônia no Palácio do Planalto em 17 de junho de 2019.ADRIANO MACHADO (REUTERS)
Juan Arias

A força popular do ministro da Justiça, Sérgio Moro, surpreende cada vez mais. Se não fosse a confiabilidade do Datafolha, seria difícil aceitar sua última pesquisa. Nela, Moro aparece com maior credibilidade popular nada menos do que Bolsonaro, Lula, Huck, Doria, Ciro Gomes, Rodrigo Maia, Marina Silva e assim por diante, até os 12 possíveis candidatos às eleições presidenciais de 2022.

E o curioso é que Moro continua insistindo que é um técnico e não pensa em entrar diretamente na política, testando sua força nas urnas. E, se Bolsonaro se apresentar à reeleição, votará nele. E, no entanto, a possibilidade de Moro entrar de sola na disputa eleitoral depende neste momento do difícil equilíbrio em suas relações com o presidente Bolsonaro.

Costuma-se dizer no jornalismo que uma foto pode significar mais que mil palavras. De algumas é verdade. Por exemplo, das duas imagens captadas no ano passado do presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Justiça, Sérgio Moro, que evidenciam um jogo de intrigas.

Este 2020 será decisivo para decifrar a esfinge de Moro em seu jogo com Bolsonaro, e vice-versa. Ambos os personagens são como Jano, o deus de duas caras da mitologia romana, e ao mesmo tempo duas assíntotas da hipérbole, as linhas que se aproximam cada vez mais à hipérbole, mas sem jamais chegarem a se tocar.

Ninguém ainda é capaz de apostar seriamente em como acabarão as relações entre os dois personagens mais populares e mais discutidos hoje na política brasileira. Duas personalidades que deveriam caminhar juntas em um mesmo projeto, mas que fazem isso como se tivessem medo de quebrar ovos, dizendo sem dizer, elogiando-se quando estão frente a frente ao mesmo tempo em que atiram um no outro pelas costas.

Estas duas imagens de ambos, que nos legou o ano encerrado, são emblemáticas e poderiam ter muitas leituras. Poderiam servir para uma radiografia do que se move no interior desses dois personagens, o presidente esquentado e sem quem o contenha, o Moro hermético, frio e enigmático.

A primeira imagem dos dois, que se tornou viral nas redes sociais, é tragicômica e, embora pareça um jogo de humor, evoca as sombras de uma tragédia. Foi feita durante a cerimônia de hasteamento da bandeira e, portanto, se reveste de uma certa solenidade e seriedade. Bolsonaro aparece ao lado de outros personagens do Governo, entre eles o importante ministro da Economia, Paulo Guedes, que surge com uma expressão que vai do riso à surpresa. Nessa imagem, Bolsonaro aparece fazendo seu gesto já emblemático de disparar um revólver, desta vez contra Moro que, em pé, reclina a cabeça como esperando impávido o tiro fatal. A foto é de Gabriela Biló e foi capa do jornal O Estado de S. Paulo em 16 de outubro do ano passado.

A outra foto é ainda mais intrigante, embora possa parecer mais simples. Apareceu ilustrando um artigo de Mariana Carneiro sobre Moro em 3 de janeiro deste ano na Folha de S.Paulo. Foi tirada no Planalto. Nela, Moro aparece caminhando como um gigante à frente de Bolsonaro, que o segue. O presidente está aqui com metade da estatura de Moro e o olha por trás com uma expressão séria e preocupada. Moro, ao contrário, sai como um gigante em pé, rindo. É do fotógrafo Adriano Machado. Do que o ministro ri?

Bolsonaro, que ri no gesto de atirar na cabeça de Moro cabisbaixo, e Moro, que caminha firme com um sorriso irônico à frente de Bolsonaro. É esse jogo de espelhos que temos visto entre os dois personagens que necessitam um do outro para seus desígnios de poder atuais e, sobretudo, futuros, difíceis ainda de decifrar.

Bolsonaro já disse que, se em 2022 ele e Moro forem juntos às eleições, a dupla seria invencível de novo contra a esquerda, mesmo com Lula livre fazendo campanha ou disputando a Presidência, se a Justiça permitir. E Moro sabe que, por ora, para manter seu coeficiente de popularidade, superior ao de Bolsonaro, precisa não perder de vista esses 30% do bolsonarismo em estado puro, ou seja, da extrema direita que ainda vê nele um lutador contra a velha política corrupta.

Por outro lado, Bolsonaro precisa de Moro porque, se o perdesse, ele nunca seria um bom inimigo. Os mítico ex-juiz da Lava Jato é para Bolsonaro a misteriosa cabeleira de Sansão que tinha um poder especial para destruir os filisteus inimigos de Javé. Sabe que sem Moro perderia hoje sua força e pior seria se seu ministro da Justiça, diante da incompatibilidade de atuar com ele, buscasse abrigo em algum outro partido para tentar solo a escalada ao trono. Mais de um já está à sua espera.

O ano que acaba de começar será definitivo para se poder intuir o que poderá acontecer com essa relação entre misteriosa, interesseira e intrigante dos dois personagens, em que Bolsonaro segue desafiante querendo criar um novo partido, todo seu, abençoado pelo guru extremista Olavo de Carvalho, que represente a essência do bolsonarismo mais duro que pretende se ramificar pelo continente.

A pergunta é qual papel o ministro Moro pode desempenhar nessa nova fase de bolsonarismo desafiante, ele que pretende manter sua posição mediadora, mas que ao mesmo tempo aparece cada vez mais incomodado com os arroubos autoritários de seu chefe e com suas contradições. Essa é a encruzilhada difícil de superar para ambos personagens que o destino quis escolher, tão diferentes e, ao mesmo tempo, talvez, tão parecidos, algo que o espelho de novas fotos emblemáticas poderá continuar refletindo.

As cartas estão lançadas. Qualquer desenlace ainda aparece como uma incógnita neste alvorecer de 2020, com eleições municipais que medirão mais uma vez, como um aperitivo das presidenciais, o potencial popular da extrema direita dura de Bolsonaro e da esquerda light de Lula em um duelo em que ainda parecem não encontrar espaço nem a direita civilizada nem o centro conciliador. E menos ainda a esquerda radical.

Veremos o Brasil, certamente, confrontado entre duas forças que se contrapõem e se odeiam já sem disfarces. Em guerra. Dois Brasis que ainda parecem inconciliáveis. E que voltarão a medir forças nas urnas, tomara que sem tentações ditatoriais abertas ou disfarçadas de falsa democracia.

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