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Kast e Boric, 28 dias em busca de um objetivo no Chile: aglutinar o centro político

Candidatos de ultradireita e de esquerda têm quatro semanas para conquistar os 46% de eleitores que preferiram outros candidatos neste domingo

Jose Antonio Kast e sua esposa Maria Pia Adriasola Barroilhet após o resultado do primeiro turno das eleições chilenas.
Jose Antonio Kast e sua esposa Maria Pia Adriasola Barroilhet após o resultado do primeiro turno das eleições chilenas.IVAN ALVARADO (Reuters)
Rocío Montes

Começou na noite deste domingo uma corrida contra o relógio para os candidatos que passaram ao segundo turno da eleição presidencial chilena, marcado para 19 de dezembro. O ultraconservador José Antonio Kast venceu o primeiro turno disputado neste domingo, com 27,95% dos votos, menos de 2,3 pontos percentuais à frente do esquerdista Gabriel Boric, que teve 25,73%. O líder do Partido Republicano e o candidato da Frente Ampla terão agora 28 dias para tentar conquistar uma fatia de 46% do eleitorado que optou pelas outras cinco candidaturas. É a primeira vez desde a retomada da democracia, em 1990, que o Chile escolherá seu presidente num segundo turno no qual nenhum dos candidatos está nas posições moderadas, porque tanto o governista de direita Sebastián Sichel como a democrata-cristã de centro-esquerda Yasna Provoste (com 12,69% e 11,66%, respectivamente) ficaram em quarto e quinto lugar. A surpresa da noite foi o economista Franco Parisi, que com um discurso populista e antipolítico se instalou no terceiro lugar, com 12,9%, depois de fazer campanha nos Estados Unidos, sem nem sequer pisar em território chileno.

Kast superou Boric por 150.000 votos. A se repetir o padrão desde 1990, a vitória tende ao direitista. Nas eleições presidenciais nas quais houve segundo turno —todas desde 1999, quando Ricardo Lagos enfrentou Joaquín Lavín—, nunca venceu o candidato que ficou em segundo no turno inicial. Mas não será uma definição tradicional, justamente porque terão especial relevância as alianças que os candidatos deverão compor com vistas ao 19 de dezembro. Ambos sabem disso, e assim explicitaram na noite de domingo em seus primeiros discursos após os resultados. O primeiro a falar foi Kast, em frente ao seu comitê de campanha, no bairro de Las Condes, em Santiago. Afirmou ter “vocação de maioria” e convocou os governistas da aliança O Chile Podemos Mais: “Vamos escolher entre a liberdade e o comunismo”, convidou o candidato que, em sinal de abertura, renunciou à presidência do Partido Republicano, que ele lidera e que não faz parte da atual coalizão de Piñera.

Acompanhado de sua esposa, Kast afirmou que neste mês pretende demonstrar à opinião pública que não o apoiou neste domingo “por que é importante que este projeto político continue crescendo”. “O Chile merece paz, merece liberdade, e é isso que vamos dar”, afirmou em seu discurso, após uma campanha baseada na ordem e segurança pública, no crescimento econômico e no controle da imigração. Fez gestos ao eleitorado de Parisi e de Provoste, e também ao candidato Sichel, que já no início da tarde abrira as portas ao diálogo. O mesmo fizeram partidos que integram o Governo, como a RN e a UDI, cujos dirigentes chegaram a felicitar Kast pessoalmente pelos resultados. Parece evidente que a retirada não será tão difícil para a direita, apesar das suas duas almas, a liberal e a ultraconservadora.

Também na oposição as placas tectônicas para o segundo turno começaram a se mover imediatamente. O primeiro a reagir foi o presidente do Partido Socialista, senador Álvaro Elizalde, inclusive antes da sua candidata Provoste. “Queremos chamar todos os chilenos e chilenas a votarem no segundo turno em favor do candidato Gabriel Boric, sem ambiguidades”, afirmou o líder dos socialistas. Era altamente previsível. O socialismo chileno há alguns meses esteve a centímetros de uma aliança presidencial com a Frente Ampla e o Partido Comunista, que se frustrou porque a esquerda impôs condições de última hora. Nesta campanha do primeiro turno, embora a candidata oficial fosse Provoste, uma parte importante da militância socialista trabalhou por Boric, assim como alguns de seus dirigentes, como a neta de Salvador Allende, a deputada Maya Fernández.

Mas a Democracia Cristã, parte da coluna vertebral da extinta Concertação, em conjunto com os socialistas, tomou um caminho diferente de seus antigos aliados políticos, rompendo assim uma combinação que historicamente serviu para levá-los juntos ao La Moneda. A candidata Provoste informou que, qualquer que seja o resultado do segundo turno, seu partido se manterá na oposição, com o que evita um rompimento de suas fileiras. A presidenta da formação, Carmen Frei, acrescentou que qualquer decisão será tomada institucionalmente pela direção nacional do partido: “Não estamos inclinados a apoiar a setores de direita, mas tampouco daremos um cheque em branco”, afirmou em referência a Boric.

O mistério continua sendo Parisi, um economista que se apresentou pela primeira vez ao cargo em 2013, quando obteve 10% dos votos. Ele não se inscreveu presencialmente como candidato ao La Moneda e fez campanha sem pisar no Chile. Praticamente não participou dos debates —apenas nos que permitiram sua participação on-line— e não chegou a votar neste domingo. Sua ausência total durante a campanha foi interpretada como consequência de seus assuntos pendentes com a Justiça: um mandado de prisão por uma milionária dívida de pensão alimentícia e a obrigação de depor no processo do qual é réu. No entanto, alegou ter compromissos trabalhistas nos Estados Unidos e, na reta final da campanha, um contágio por covid-19 que o impediria de viajar. É uma grande esquisitice desta eleição presidencial que se explica, em parte, pelo fato de as leis eleitorais chilenas não regularem situações desse tipo. “É um jogo que está à beira da legalidade”, disse a advogada e acadêmica Valeria Lübbert, diretora de Democracia e Anticorrupção do centro de estudos Espacio Público.

No Chile, ninguém sabe ao certo de que maneira o eleitorado vai se comportar frente a Kast e Boric. Juan Pardo, sociólogo da empresa de pesquisas Feedback, afirma que “o voto de Parisi não pertence a ninguém”. Para o especialista eleitoral Mauricio Morales, “trata-se de um voto ideologicamente difícil de classificar no eixo esquerda-direita, por seu pragmatismo”. “Mas tendo a pensar que para o seu eleitorado faz muito mais sentido a ordem que a revolução, por isso parece mais próximo da plataforma programática de Kast que de Boric”, explica o acadêmico da Universidade de Talca.

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