_
_
_
_
_

100 dias de erros e correções de Pedro Castillo

Presidente peruano enfrenta contínuas crises e já trocou mais de metade do gabinete desde o início de seu mandato

Pedro Castillo en Perú
Castillo nesta quarta-feira em Huamanga.HANDOUT (Reuters)

O candidato que assombrou o mundo, o professor rural Pedro Castillo, comprovou na própria pele a dificuldade de governar o Peru, um país há quatro anos mergulhado na instabilidade institucional. Ele não foi capaz de frear essa tendência em seus 100 primeiros dias como presidente, período em que cinco de seus ministros se demitiram e outros quatro (mais um primeiro-ministro, seu braço-direito) foram defenestrados. As confusões dentro do Gabinete se contaram quase à razão de uma por semana. Mas, embora pareça paradoxal, destas turbulências surgiu um Castillo mais forte, com mais controle sobre o Governo, ao se desfazer de nomes próximos a Vladimir Cerrón, o presidente do partido Peru Livre, plataforma pela qual venceu as eleições. Cerrón era uma presença incômoda, um poder à sombra, até que o professor decidiu se distanciar dele e alçar voo próprio.

Estes vaivéns não aumentaram sua popularidade entre os peruanos. Segundo a mais recente pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos (IEP), no final de outubro, 48% dos cidadãos reprovam o desempenho de Castillo (35% são a favor), e 75% estão insatisfeitos com o Congresso. O Legislativo, onde o presidente não tem maioria, tem sido uma constante ameaça para seus interesses. Existe no Peru uma figura legal que se presta a interpretações estranhas: a da vacância do cargo por incapacidade moral. Os deputados podem destituir um presidente por considerá-lo inadequado para a função. Assim foi derrubado o presidente Martín Vizcarra, acusado de corrupção. A oposição insinua constantemente que vai usá-lo contra Castillo. O jornal El Comercio, o mais relevante do país, publicou nesta quarta-feira um anúncio de página inteira convocando uma manifestação pela declaração da vacância da presidência.

Em Ayacucho, o mandatário fez um balanço de sua gestão durante estes primeiros cem dias. Nesta mesma região ele foi recebido por uma multidão de apoiadores no dia seguinte à sua posse, em julho. O professor venceu as eleições de 6 de junho como candidato do partido de esquerda radical Peru Livre, mas não como militante, e sim como convidado do fundador, o neurocirurgião Vladimir Cerrón, que não podia concorrer à presidência por não ter ficha limpa ― foi condenado por corrupção. Cerrón, além de ser um defensor dos regimes de Cuba, Venezuela e agora da Nicarágua, é alvo de uma investigação tributária por suposta lavagem de dinheiro durante várias campanhas eleitorais.

Um homem de sua máxima confiança, com pouca experiência em gestão pública, Guido Bellido, foi nomeado primeiro-ministro por Castillo. Era a forma de dar poder a Cerrón no Executivo. Mas choveram críticas ao presidente por isso. Os contínuos choques de Bellido com a oposição e a elite econômica fizeram que a moeda local se desvalorizasse a partir de agosto, com o dólar atingindo um valor máximo histórico na primeira semana de outubro. Isso elevou o preço de alguns produtos importados determinantes na cesta familiar, como o gás de cozinha e o frango, porque as aves se alimentam com milho amarelo, que o Peru não produz. Consequentemente, a disparada da inflação se tornou um novo flanco de ataque à nova administração.

Em resposta, o Executivo aprovou no final de agosto um subsídio indireto aos distribuidores de gás, para reduzir o preço dos botijões, e instaurou um subsídio direto de 85 dólares (467 reais) a 13 milhões de pessoas que estão na pobreza e não conseguiram se recuperar do golpe econômico causado pela pandemia em 2020. O presidente obrigou Bellido a se demitir no começo de outubro, o que provocou uma nova crise política. Castillo e o ministro da economia, Pedro Francke, acabavam voltar de uma visita aos Estados Unidos, onde se reuniram com executivos de multinacionais e dirigentes do Banco Mundial e do BID para reiterar seu respeito à propriedade e pedir mais investimento estrangeiro. Horas mais tarde, Bellido ameaçou pelo Twitter o consórcio privado que opera a jazida de gás de Camisea, a maior do país: anunciou que, se os operadores não aceitassem renegociar o valor dos royalties pagos ao Estado, ele ordenaria a expropriação do gás.

Francke e Castillo esclareceram que o objetivo do Governo é “massificar” o gás, ou seja, que Camisea não apenas exporte para a Ásia e Europa, mas também permita a distribuição a preços acessíveis aos cidadãos de Cusco ― onde fica a jazida ― e quase uma dezena de outras regiões. Com a queda de Bellido, o Gabinete teve que renunciar, e o chefe de Estado fez outras mudanças em sua equipe. Retirou os titulares de Interior, Juan Carrasco, e de Educação, Juan Cadillo, embora eles não fossem questionados; e também afastou o ministro da Cultura, Ciro Gálvez, que havia causado polêmica ao modificar de última hora a lista da delegação oficial do Peru na feira literária mexicana FIL, em Guadalajara.

Nestes 100 dias, houve outros quatro ministros cujas declarações ou antecedentes motivaram críticas da oposição ao Executivo. Por isso, Castillo também pediu a cabeça dos ministros de Relações Exteriores, Héctor Béjar, do Trabalho, Iber Maraví, do Interior, Luis Barranzuela (ex-advogado de Cerrón e Bellido), e da Defesa, Walter Ayala. Se no seu primeiro Gabinete Castillo havia nomeado apenas duas mulheres, semanas depois ele fez um mea culpa: a advogada Mirtha Vásquez, uma esquerdista moderada, defensora de direitos humanos e ex-presidenta do Congresso, substituiu Bellido. Além disso, ele recrutou duas mulheres para as pastas da Cultura e Trabalho. Nesse dia, o setor cerronista do Peru Livre mostrou sua rejeição a uma suposta “direitização” de Castillo.

O único consenso a favor do Governo é o avanço da vacinação contra a covid-19. Em sua mensagem em Ayacucho, o presidente informou que quando chegou ao cargo apenas 15% da população estava vacinada. “Em 100 dias conseguimos vacinar quase 60% da população-alvo, tendo quadruplicado a percentagem”, afirmou. A previsão é chegar aos 80% até o fim do ano. “Sem isso, não será possível reencaminhar a economia”, acrescentou. O chefe de Estado também apontou em seu balanço que, segundo o Banco Central, a economia crescerá 11,9% neste ano ― caiu 11 pontos em 2020 ―, e que entre julho e setembro foram abertos 300.000 postos de trabalho.

Francke salientou na sexta-feira, citando uma pesquisa do próprio Banco Central, que as expectativas macroeconômicas se recuperaram “pelo segundo mês consecutivo, com uma forte alta”, e que a maioria de indicadores dá espaço para otimismo. O ministro recordou que dois grandes investimentos privados tiveram início já durante este Governo: uma operação de sulfuretos de mineradora Yanacocha e a construção da segunda pista do aeroporto de Lima.

Enquanto isso, as promessas de melhoras na saúde e educação dependem de uma proposta de reforma tributária que, segundo Castillo, não afetará a classe média nem os trabalhadores, e sim “aos que mais têm”. O pedido de concessão de faculdades legislativas para essa reforma precisa ser aprovado no Congresso. É outro obstáculo para um presidente que, 100 dias depois da posse, tenta finalmente deslanchar um projeto que sofre inúmeros sobressaltos.

Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_