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Extradição para os EUA de três ex-figurões do chavismo causa tensão no Governo venezuelano

Alex Saab, Hugo Carvajal e Claudia Díaz, acusados de lavagem de dinheiro e outros delitos, poderiam fornecer informações sobre os milionários esquemas de corrupção da Venezuela

Manifestantes prestam apoio ao empresário Alex Saab em Caracas. GETTY IMAGES
Manifestantes prestam apoio ao empresário Alex Saab em Caracas. GETTY IMAGESGetty Images
Florantonia Singer

Os Estados Unidos vão pouco a pouco recuperando as peças do quebra-cabeça de corrupção que o chavismo construiu ao longo de duas décadas. Em questão de dias, Washington conseguiu a extradição de três pessoas ligadas ao Governo venezuelano. O mais relevante deles, tido como grande operador de negócios do chavismo nos últimos anos e suposto testa-de-ferro de Nicolás Maduro, é o empresário colombiano Alex Saab, que chegou no sábado passado a Miami. Terá que responder à Justiça norte-americana por acusações de lavagem de dinheiro depois de passar 16 meses detido em Cabo Verde, tentando evitar que a Justiça dessa ex-colônia portuguesa o entregasse aos EUA. Também nesta semana, a Audiência Nacional, principal instância judicial da Espanha, decidiu aceitar o pedido norte-americano de extradição de Claudia Díaz, que foi tesoureira da Venezuela e enfermeira do falecido Hugo Chávez. E nas próximas horas Hugo Carvajal, ex-chefe de inteligência de Chávez e Maduro, também deverá ser entregue pela Espanha aos Estados Unidos, depois de passar anos sendo apontado por Washington por supostos vínculos com o narcotráfico e a extinta guerrilha colombiana FARC. São três duros golpes em apenas uma semana, e que representam uma ameaça para o chavismo.

Os três lutaram enquanto puderam para evitar a extradição. A Audiência Nacional já havia autorizado a extradição de El Pollo Carvajal em 2019, mas ele conseguiu escapar da prisão e passou dois anos foragido da Justiça espanhola, até que voltou a ser detido em setembro deste ano, em Madri. Como ex-alto funcionário do chavismo, o militar mencionou no tribunal o fato de possuir informação sigilosa. No mesmo mês em que foi preso, acusou o partido esquerdista local Podemos de receber financiamento irregular, com dinheiro em efetivo enviado pelo chavismo à Espanha através da mala diplomática. Um juiz da Audiência Nacional determinou a reabertura de uma ação contra o partido espanhol que já havia sido arquivada em 2016, mas isso não impedirá que El Pollo (“o frango”) seja mandado para os Estados Unidos.

Carvajal passou quase uma década à frente da Direção de Contrainteligência Militar, os serviços secretos venezuelanos, sendo muito próximo do comandante da revolução. Em 2008, o militar foi um dos primeiros a serem incluídos numa lista de sanções dos Estados Unidos, hoje com quase 100 nomes venezuelanos. Na época, o Departamento do Tesouro o acusava de “proteger os envios de drogas de serem capturados pelas autoridades venezuelanas antinarcóticos” e de “fornecer armas e identificações do Governo venezuelano às FARC”. Foi apontado como parte do chamado Cartel dos Sóis, supostamente integrado por militares e altos funcionários do chavismo.

Carvajal escapou de uma detenção em Aruba —e possível extradição— em 2014, valendo-se das suas credenciais diplomáticas de cônsul, a mesma estratégia que o chavismo tentou aplicar com Saab, quando o nomeou embaixador estando na prisão em Cabo Verde. Quando El Pollo foi capturado novamente na Espanha, em 10 de setembro, escondia-se num apartamento, havia se submetido a cirurgias e usava perucas para ocultar sua identidade, como um bom espião. Negou repetidamente todas as acusações de narcotráfico e relação com as FARC, inclusive depois da aparição de seu nome em várias mensagens apreendidas no computador do líder guerrilheiro colombiano Raúl Reyes, abatido em 2008 no Equador, ano em que começou a despertar alarmes nos Estados Unidos.

Como ele e outros ex-funcionários envolvidos com a corrupção, Claudia Díaz também se infiltrou na Espanha quando saiu da burocracia chavista. Díaz e seu marido, Adrián Velásquez, ex-guarda-costas de Chávez, foram detidos pela Polícia espanhola em 23 de dezembro de 2020 e liberados horas depois, com medidas cautelares. Os dois militares são procurados pelos Estados Unidos, que vêm acompanhando o complexo maquinário de lavagem de dinheiro proveniente da Venezuela.

Um dos implicados no caso de Díaz é o empresário Raúl Gorrín, acusado de ser parte de um esquema de corrupção associado ao controle cambial que restringiu a economia venezuelana durante 15 anos e enriqueceu pessoas próximas do Governo. Gorrín é dono da Globovisión, o único canal de notícias 24 horas que havia no país, que inicialmente era muito crítico ao Governo. Quando Gorrín o comprou, em 2014, a linha editorial mudou para um apoio total ao chavismo, como um eco da emissora estatal. Várias investigações revelaram que Díaz também teria comprado 250 lingotes de ouro, avaliados em 53,8 milhões de reais, através de uma companhia-fantasma com sede em paraísos offshore do Caribe.

No caso de Carvajal, Díaz e Velásquez, a Venezuela tentou evitar sua possível colaboração com a Justiça norte-americana pedindo a extradição para o próprio país, mas as solicitações enviadas pelo procurador-geral Tarek William Saab ficaram sem resposta até agora. Esses acusados entraram no expurgo ocorrido no chavismo após a morte de Chávez, um processo que levou figurões importantes do movimento, como Rafael Ramírez, ex-presidente da PDVSA, e o próprio Carvajal, a retirarem seu apoio a Maduro.

Fora da Venezuela, foram abertas mais de 80 investigações sobre manejos irregulares dos Governos Chávez e Maduro, segundo a ONG Transparência Venezuela. Quando estava nas mãos da oposição, o Parlamento venezuelano calculou que a trama de corrupção em torno do chavismo superasse os 400 bilhões de dólares, associados principalmente à empresa petroleira estatal e ao controle cambial, uma sangria do patrimônio público que levou ao colapso econômico e à atual crise humanitária na Venezuela. Só o escândalo da Banca Privada d’Andorra (BPA) envolve 2,3 bilhões de dólares em subornos relativos a contratos da PDVSA. Outro 1,5 bilhão estaria congelado em contas e propriedades nos Estados Unidos, segundo organizações que promovem a recuperação desses ativos.

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