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Pedro Castillo demite primeiro-ministro e se afasta de ala radical

Presidente do Peru rompe com o dirigente Vladimir Cerrón e muda seis ministros, incorporando mais mulheres ao Gabinete

Inés Santaeulalia
Guido Bellido, à esquerda, e Pedro Castillo, em 29 de julho em Ayacucho, no sul do Peru.
Guido Bellido, à esquerda, e Pedro Castillo, em 29 de julho em Ayacucho, no sul do Peru.ERNESTO BENAVIDES (AFP)

Começa um novo capítulo no ainda breve Governo de Pedro Castillo. Apenas 69 dias depois da sua posse, o presidente peruano rompeu nesta quarta-feira as amarras que o atavam ao setor mais radical de seu entorno. O mandatário forçou a renúncia de seu primeiro-ministro, Guido Bellido, braço-direito de Vladimir Cerrón, o líder da formação marxista-leninista que levou Castillo à presidência depois de chegar ao partido como um paraquedista. Se algum dia Cerrón ou Bellido – que conheceu o professor rural quase por acaso e lhe ofereceu a candidatura do Peru Livre – pensaram nele como um espantalho, nesta quarta-feira sua criação ganhou vida própria. O presidente substituiu também 6 dos seus 19 ministros, o que o Peru Livre definiu como “uma traição contra todas as maiorias” que o elegeram.

Castillo se deparou nestes dois primeiros meses de presidência com numerosas pedras no sapato, mas Bellido foi desde o primeiro dia a mais incômoda de todas. Sua nomeação foi uma surpresa, desagradável para quase todos. Alguns dos ministeriáveis se negaram durante horas a assumir suas pastas até que o presidente se comprometeu a manter Cerrón distante das decisões de Governo. Essa foi a primeira grande crise do Executivo. Antes inclusive de começar a funcionar.

A escolha de Bellido – um desconhecido para a maioria, sem experiência de gestão e autor de comentários misóginos e homofóbicos nas redes sociais – para o cargo de primeiro-ministro foi interpretada como a prova de que Castillo se rendia ao poder de Cerrón, a quem muitos acabaram por considerar um presidente à sombra. Bellido nunca facilitou as coisas. Desde o primeiro dia, tornou-se alvo principal das críticas ao Governo, e a tensão com ele dentro do gabinete foi crescendo. Nas últimas semanas, ameaçou publicamente expropriar uma jazida de gás e convidou um ministro a renunciar se não estivesse de acordo em reconhecer Nicolás Maduro como presidente da Venezuela. Vários membros do Governo se distanciaram publicamente dele.

As tentativas do presidente de se afastar de um discurso radical – sua defesa da propriedade privada, seus convites ao investimento estrangeiro e à estabilidade econômica – se chocavam repetidamente com Bellido, transformado em um franco-atirador que Cerrón estimulava pelos alto-falantes do Twitter. Assim ficava difícil para o Governo avançar.

Mas sua saída também abre dúvidas sobre a futura relação do Governo com a sigla que o levou ao poder. A julgar pelos primeiros comunicados – “A bancada partidária do Peru Livre não respalda este Gabinete” –, nada prenuncia que a relação será fácil. Ao presidente, não lhe resta outro apoio para levar suas iniciativas adiante. Renunciar aos votos parlamentares do Peru Livre poderia ser um suicídio político. Cerrón, como líder da formação, já o tinha advertido na rede social antes de conhecer a nova composição do Governo: “É hora de que o Peru Livre exija sua cota de poder, garantindo sua presença real, ou a bancada partidária tomará uma posição firme”.

Ainda assim, Castillo decidiu assumir os riscos e cortar pela raiz o maior de seus problemas, mas não o único. A remodelação do Governo anunciada a noite de quarta-feira corrige alguns erros, que ele mesmo reconheceu, e isso se reflete, por exemplo, no aumento do número de mulheres, de duas para cinco. A nova primeira-ministra será a ex-deputada Mirtha Vásquez, defensora dos direitos humanos. O mandatário pretender fechar as fissuras que Bellido abriu no Executivo, onde vários responsáveis nem sequer despachavam diretamente com ele, apesar de ser o presidente do Conselho de ministros.

O que virá a partir de agora é uma incógnita. O poder de um Governo solitário, com uma oposição ferozmente contrária a suas posições, é muito reduzido. Castillo, entretanto, tenta fechar com esta uma sucessão de crises que o impediam de governar. Não é nem sequer a primeira mudança no gabinete. Apenas 19 dias depois começar, seu chanceler Héctor Béjar se viu obrigado a renunciar por causa de declarações feitas meses antes, quando acusou a Marinha peruana – e não o grupo maoísta Sendero Luminoso – de ter desencadeado o terrorismo no país na década de 1980.

Desde que derrotou Keiko Fujimori nas urnas, em 6 de junho, o presidente não teve um só dia fácil. Sua vitória só foi confirmada em 19 de julho, devido a denúncias não comprovadas de fraude que o fujimorismo lançou. Mas logo ele descobriu que o mais difícil ainda estava por vir. Castillo, entretanto, decidiu desde esta quarta-feira ser ele o único responsável pelo incerto destino do seu Governo.

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