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Talibãs querem que as afegãs se cubram e apoiem sua ditadura

Cobertas da cabeça aos pés, 300 mulheres defendem em Cabul o Emirado Islâmico e protestam contra a influência ocidental

Um grupo de mulheres em um ato de apoio aos talibãs no sábado, na Faculdade de Educação da Universidade de Cabul.
Um grupo de mulheres em um ato de apoio aos talibãs no sábado, na Faculdade de Educação da Universidade de Cabul.Juan Carlos
Ángeles Espinosa
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Afganistan
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Nabila, 16, center, and Ayena, 18, at the Marshal Dostum School, where over two dozen girls from Darzab and Qosh Tepa districts study, in Sheberghan, Afghanistan, May 5, 2021. Two districts in Afghanistan's northwest offer a glimpse into life under the Taliban, who have completely cut off education for teenage girls.,Image: 611219994, License: Rights-managed, Restrictions: , Model Release: no, Credit line: KIANA HAYERI / New York Times / ContactoPhoto
O sonho desfeito das mulheres afegãs

Os talibãs começam a concretizar sua visão sobre o lugar das mulheres no Afeganistão. Lideradas por vários homens de turbante, cerca de 300 “irmãs devotadas” expressaram no sábado seu apoio ao Emirado Islâmico e sua rejeição à democracia. Cobertas totalmente de preto da cabeça aos pés, elas elogiaram o hijab (a imposição de esconder seu corpo) e insultaram a educação mista e outras influências ocidentais. Mas a exibição preparada para a imprensa estrangeira também revelou que os fundamentalistas não têm uma seção feminina: eles recorreram a alunas e professoras de várias madrassas para encher o salão.

Assim que chegaram à Faculdade de Educação da Universidade de Cabul, as jornalistas passaram a se chamar “irmãs”, o termo recatado com que os fundamentalistas islâmicos se dirigem às mulheres quando não têm escolha a não ser se dirigir a elas. Na entrada, os guardas armados que revistavam os colegas masculinos não sabiam muito bem o que fazer com as mulheres. Não olharam nem as bolsas. Depois, lá dentro, enfrentaram suas próprias contradições.

O diretor do espetáculo, um talibã com inglês fluente que se identificou como Mohammad Wakkas, insistia que só as mulheres podiam entrar no anfiteatro onde ocorreria a declaração de apoio ao sistema islâmico. Isso deixaria de fora a maioria dos repórteres, cinegrafistas e intérpretes. Depois de perceber que dessa forma sua mensagem não chegaria muito longe, aceitaram que os homens ficassem em um canto, embora em seguida estes tenham se espalhado.

Após a entoação preceptiva de alguns versículos do Alcorão, a primeira sombra negra subiu ao palco e, com voz irritada, arremeteu contra o Ocidente. “Por meio da força ou da mídia, querem que nos vistamos como eles e são contra o hijab”, afirmou, antes de defender o véu como algo intrínseco ao islã e à cultura afegã. Por enquanto, o Talibã não promulgou normas sobre como as mulheres devem se vestir, embora tenha deixado claro que devem respeitar o hijab.

Apenas três das participantes se cobriam com a burca, peça habitual entre as mulheres de etnia pashtun, que se encaixa como um gorro na cabeça e cobre todo o corpo, com uma pequena rede na altura dos olhos. É a vestimenta associada à anulação da mulher pelos talibãs desde sua ditadura anterior (1996-2001). Mas as que participaram deste ato de apoio ao Emirado Islâmico a usaram como as integristas salafistas, de preto e sem mostrar o rosto, um estilo que no Afeganistão se identifica com o fundamentalismo das monarquias árabes do Golfo, ou com a Al Qaeda.

Um talibã faz bandeiras que foram distribuídas para mulheres e crianças durante o ato.
Um talibã faz bandeiras que foram distribuídas para mulheres e crianças durante o ato.Juan Carlos

Dewa Ahmadzai, uma jovem de 20 anos que fala inglês, explica em um aparte que elas vieram que “vários centros acadêmicos de Cabul para apoiar o sistema islâmico”. Na verdade, as participantes são professoras de várias madrassas, ou escolas corânicas. Significativamente, só uma discursa em pashtun, o idioma dos talibãs, o que dá a entender que eles não têm mulheres preparadas para estas tarefas de propaganda.

Todas as oradoras criticam duramente a educação mista. “Não é boa para nossa sociedade. Cria problemas para nossos jovens, que, em vez de se concentrar nos estudos, gastam sua energia em outros assuntos”, repetiram em persa e em árabe. “A cultura ocidental não tem lugar no Afeganistão e a educação mista é o primeiro passo para ela”, alertou a terceira mulher a pegar o microfone, que se identificou como diretora de uma madrassa.

Ela também disseram falar por todas as afegãs. “As mulheres que protestam contra o Emirado Islâmico não representam o Afeganistão, são uma minoria. Nós somos a maioria. As afegãs não gostam da democracia da cultura ocidental”, afirmou uma.

A essa altura, a jovem jornalista afegã L. H. deixou escapar: “Não há futuro para as mulheres neste país”. Ela é uma das poucas repórteres de televisão que continuam saindo às ruas após a chegada dos talibãs. Usa calça jeans, camisa florida amarela e um lenço na cabeça.

Grupo de mulheres levantam as bandeiras na faculdade de educação da Universidade de Cabul.
Grupo de mulheres levantam as bandeiras na faculdade de educação da Universidade de Cabul. Juan Carlos (Juan Carlos)

Antes de sair em uma organizada para as câmeras de televisão, outra oradora resumiu a mensagem em inglês. “Estamos aqui para apoiar o Governo islâmico e o Emirado Islâmico do Afeganistão. (…) Não é lógico que Ocidente não reconheça o Emirado Islâmico quando todo mundo o apoia”, afirmou, depois de uma confusa acusação de “guerra ideológica colonial”. “Estamos contentes pelo Emirado não ter permitido nenhuma mulher nos altos cargos do Governo e por implementar a lei islâmica. Viva o Afeganistão!”, concluiu.

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