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Os erros de inteligência que impediram a previsão da tragédia do 11/9

Diferenças de critério, falta de coordenação, atrasos e recursos insuficientes impossibilitaram que Washington evitasse o massacre, apesar dos alertas da CIA

Prisioneiros iraquianos rezando em sua cela na prisão de Abu Ghraib, nos arredores de Bagdá, em 2004.
Prisioneiros iraquianos rezando em sua cela na prisão de Abu Ghraib, nos arredores de Bagdá, em 2004.JOHN MOORE (AP)
María Antonia Sánchez-Vallejo
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New York (Usa), 10/09/2021.- A member of the public reacts at the 9/11 Memorial in New York, New York, USA, 10 September 2021. The 20th anniversary of the worst terrorist attack on US soil will be observed on 11 September 2021. (Atentado, Terrorista, Estados Unidos, Nueva York) EFE/EPA/WILL OLIVER
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A Arábia Saudita, país aliado e parceiro preferencial dos Estados Unidos, monopoliza todas as suspeitas como plataforma de lançamento, ideológica e material, do 11 de setembro. É o que acreditam os 1.800 familiares e amigos de vítimas do quádruplo atentado de 2001 em sua reivindicação de transparência dirigida ao presidente Joe Biden, pedindo a liberação de material confidencial sobre a conexão saudita. Mas o compasso da dúvida traça um círculo mais amplo, abrangendo um número interminável de suspeitos habituais. As perguntas se estendem também ao papel das agências de inteligência na hora de prever o massacre.

Muitos analistas se surpreendem que os serviços de inteligência dos Estados Unidos parecessem não perceber o que estava sendo tramado no Egito e no Paquistão, outros dois países aliados. Não era nenhum segredo a arraigada atividade fundamentalista islâmica no Cairo ou a efervescência em Peshawar (Paquistão), quartel-general dos chamados árabes afegãos, os voluntários que lutaram ao lado dos mujahedins no Afeganistão contra o invasor soviético nos anos oitenta e que, terminada a guerra − se é que terminou alguma vez −, voltaram para seus países de origem e espalharam globalmente a jihad. Da Argélia ao Iraque, da Síria aos subúrbios de Bruxelas assolados pela barbárie do Estado Islâmico, espalharam-se ondas posteriores da instabilidade que a guerra contra o terrorismo de George W. Bush provocou na região.

Desde a conclusão da comissão oficial de investigação do 11/9, em 2004, “foram encontradas muitas provas que demonstram o apoio de funcionários sauditas aos ataques”, diz a carta dos familiares a Biden, “mas o Departamento de Justiça e o FBI tentaram manter essa informação em segredo e impedir o povo americano de saber toda a verdade”. A carta, cujo conteúdo foi revelado em agosto pela rede de TV NBC, faz referência a outra investigação, ainda mantida em segredo, que se estendeu até 2016 e que apontaria diretamente Riad.

Interesses comerciais − petróleo, venda de armamento em um mercado muito competitivo... − alimentavam a fluida relação bilateral entre Washington e Riad até fevereiro, quando a presidência de Joe Biden deu uma guinada e liberou um relatório de inteligência sobre o envolvimento do príncipe herdeiro saudita, Mohamed Bin Salman, no cruel assassinato e esquartejamento do dissidente Jamal Khashoggi, que havia sido correligionário e bom amigo de Osama Bin Laden na juventude. A mudança de rumo do relacionamento poderia propiciar uma maior transparência em relação à investigação, segundo diferentes fontes.

Os nomes dos suspeitos habituais, como o caudilho saudita, o egípcio Ayman al Zawahiri e Khalid Sheikh Mohamed, suposto cérebro do 11/9, eram conhecidos havia anos pelos serviços de inteligência da área, o que parece corroborar a desatenção inicial dos EUA. Um funcionário do FBI chamado Dan Coleman foi enviado no início dos anos noventa à sede da CIA, onde encontrou um extenso dossiê sobre uma rede de financiamento “de causas islâmicas” liderada por Bin Laden, como conta Lawrence Wright em seu livro O Vulto das Torres. Para muitos analistas naquela época, o saudita era apenas um financiador, como lembram fontes de inteligência no documentário Ponto de Virada: 11/9 e a Guerra contra o Terror, recém-estreado. Coleman avisou seus superiores de que algo estava sendo tramado, mas seu alerta foi ignorado, até que ele foi encarregado de liderar uma equipe conjunta FBI-CIA em 1996 para seguir a pista saudita.

Apenas um ano depois, Coleman propôs um plano para retirar Bin Laden à força do Afeganistão, mas a missão não foi aprovada por seus superiores, segundo a comissão oficial de investigação do 11/9. Por isso também não puderam ser impedidos os sangrentos atentados contra as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia em 1998, atribuídos à Al Qaeda. O rastreamento das atividades dos jihadistas continuou com resultados variados, como demonstra a infinidade de mensagens secretas liberadas pelo Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington.

Entre todas essas mensagens, destaca-se uma particularmente premonitória, de dezembro de 1998, publicada pelo Arquivo de Segurança em 2012. Seu título pode ser traduzido como “Planejamento de Osama Bin Laden para sequestrar um avião dos EUA e burlar com sucesso as medidas de segurança no aeroporto”, e ela diz o seguinte: “Os documentos publicados pela CIA detalham meticulosamente o complô da Al Qaeda contra os EUA e as tentativas da agência de conter a crescente ameaça terrorista. Um relatório de inteligência que serviu de base para as informações transmitidas em 4 de dezembro de 1998 ao presidente [Bill Clinton] assinala que, cinco anos antes do ataque real [do 11/9], operações da Al Qaeda tinham burlado com sucesso a segurança em um aeroporto de Nova York para testar sua vulnerabilidade”.

Atentados 11 S
Talibãs na ex-sede da CIA em Cabul, no dia 6. AAMIR QURESHI (AFP)

O mesmo documento explicava as razões pelas quais as agências de inteligência dos EUA − 18, nem sempre bem coordenadas entre si − não conseguiram impedir os atentados. “Apesar das crescentes advertências sobre a Al Qaeda, os documentos publicados hoje ilustram como, antes do 11 de setembro, as unidades antiterroristas da CIA não tinham fundos para perseguir agressivamente Bin Laden.” A série de erros de cálculo e de interpretação cometidos desde antes de 2001 teve sua demonstração mais evidente neste próprio ano, 2021, com a miopia diante do avanço vertiginoso dos talibãs no Afeganistão.

O decidido apoio financeiro dos EUA aos mujahedins afegãos que lutaram contra os soviéticos − o último conflito acirrado da Guerra Fria − indica, por sua vez, que a mobilização radical não era um segredo para Washington. O tempo perdido e as lacunas de informação e de coordenação se voltaram como um bumerangue contra o Ocidente. “Os erros do FBI e da CIA ao não detectar e impedir o complô do 11 de setembro, apesar dos muitos alertas, alimentaram a desconfiança da população nas agências de inteligência. A informação deficiente sobre armas de destruição em massa inexistentes no Iraque minou a confiança pública não só nos governos que propagaram essas afirmações”, assinalou a analista Barbara Keys em um artigo publicado em 2018, em pleno apogeu das fake news sob o mandato de Donald Trump. “O resultado é um clima de desconfiança generalizada em relação à autoridade”, tendendo ao populismo, conclui.

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