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Grupo de militares protagoniza golpe de Estado na Guiné e detém o presidente

Tenente-coronel Mamady Doumbouya, chefe das Forças Especiais, suspende a Constituição e dissolve o Governo após uma manhã de tiroteios na capital

Soldados guineenses circulam pelo distrito de Kaloum, no centro da capital Conacri, neste domingo.
Soldados guineenses circulam pelo distrito de Kaloum, no centro da capital Conacri, neste domingo.CELLOU BINANI (AFP)
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Um grupo de militares liderados pelo tenente-coronel Mamady Doumbouya, chefe das Forças Especiais da Guiné, deu um golpe de Estado no país africano neste domingo e deteve o presidente do país, Alpha Condé. Numa mensagem de vídeo dirigida à nação por meio das redes sociais, o próprio Doumbouya anunciou a suspensão da Constituição, a dissolução das instituições e do Governo e o fechamento das fronteiras terrestres e aéreas. O Ministério da Defesa guineense chegou a afirmar em comunicado que a tentativa de golpe militar não havia tido êxito, uma versão que perdeu força com o passar das horas. Ao longo da manhã, Conacri, a capital, foi palco de troca de tiros em meio a uma grande presença de soldados nas ruas, segundo moradores.

“Guineenses, caros compatriotas. A situação sócio-política e econômica do país, a disfunção das instituições republicanas, a instrumentalização da justiça, (...) o desrespeito aos princípios democráticos, a politização da administração pública (...), a pobreza endêmica e a corrupção levaram o Exército Republicano da Guiné (...) a assumir a sua responsabilidade para com o povo soberano da Guiné como um todo. Depois de ter detido o presidente, que agora está conosco, decidimos dissolver a Constituição em vigor, dissolver as instituições e o Governo e fechar as fronteiras terrestres e aéreas“, disse o tenente-coronel Doumbouya em um vídeo gravado em um local desconhecido e distribuído à mídia na manhã deste domingo.

“Chamamos os nossos irmãos de armas à unidade para responder às legítimas aspirações do povo guineense, os convidamos a ficar nos seus quartéis e a prosseguir as suas atividades, não vamos cometer os erros do passado”, acrescentou o golpista.

O tenente-coronel Mamady Doumbouya, que está emergindo como o novo homem forte da Guiné caso o golpe triunfe, é um militar experiente que recebeu treinamento em Israel, Senegal, Libéria e França. Ex-integrante da Legião Francesa, participou de diversas missões em Afeganistão, Costa do Marfim, Djibuti e República Centro-Africana, entre outros países. Em 2018 foi comissionado pelo Ministério da Defesa para criar um grupo de Forças Especiais dentro do Exército Guineense, que lidera desde então. No entanto, sua tentativa de funcionar de forma autônoma e sem prestar contas à administração distanciou-o do Governo, segundo fontes militares anônimas.

O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, condenou veementemente o golpe, que chamou de “tomada do poder pela força do fuzil” em seu perfil no Twitter, e exigiu a libertação imediata de Condé. Por sua vez, a opositora Frente Nacional pela Democracia na Guiné (FNDG) afirmou em comunicado que endossa da suspensão da Constituição. “O regime liderado pelo ditador Alpha Condé era ilegítimo e inconstitucional”, diz a nota. Em muitas ruas de Conacri, como aconteceu com o golpe de 2020 no Mali, os militares foram recebidos em meio a expressões de alegria por parte da população.

Alpha Condé, de 83 anos, é presidente da Guiné desde 2010 e foi eleito para um terceiro mandato em outubro de 2020, após uma eleição polêmica em que houve dezenas de mortes em confrontos entre cidadãos e as forças da ordem. A Carta Magna guineense estabelece o limite de dois mandatos, mas a reforma constitucional promovida pelo próprio Condé permitiu-lhe candidatar-se à reeleição, subterfúgio comum para que muitos dirigentes regionais se perpetuassem no poder. O principal líder da oposição, Cellou Dallein Diallo, rechaçou sua candidatura e os resultados, gerando protestos de cidadãos e dezenas de mortes.

Com cerca de 13 milhões de habitantes e apesar de seus muitos recursos minerais e naturais, a Guiné continua sendo um dos países mais pobres do mundo. Desde a sua independência da França, em 1958, conheceu uma sucessão de ditaduras e golpes de Estado que pareciam ter chegado ao fim com a chegada ao poder do histórico e veterano líder da oposição Alpha Condé nas suas primeiras eleições livres, realizadas em 2010.

O otimismo com a chegada da democracia à Guiné traduziu-se em anos de crescimento econômico sustentado, com percentagens de até 7% ao ano, graças a um melhor clima de negócios e à diversificação do investimento estrangeiro. No entanto, esses números não se traduziram em melhorias na qualidade de vida da maior parte da população: a taxa de pessoas abaixo da linha da pobreza continua a rondar os 50%. A crise econômica derivada da epidemia de Ebola de 2014-2016 foi um golpe severo, ao qual devemos agora adicionar o impacto da pandemia covid-19.

Mas é a situação política que concentra grande parte das atenções na Guiné. As tentativas de Condé de permanecer no poder a todo custo e o estabelecimento de um regime que atormenta os oponentes e as vozes críticas, de acordo com ONGs de direitos humanos, contribuíram para mergulhar o país de volta na instabilidade. A mistura da situação econômica e da turbulência política explica porque a Guiné encabeça as listas dos países de origem da emigração irregular para a Europa, como aconteceu em 2018.

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