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Câmara Constitucional de Bukele aprova reeleição presidencial em El Salvador

Por meio de decisão judicial de um órgão nomeado por ele, o presidente pretende se reeleger em 2024 e reaviva os temores de seus críticos

El presidente de El Salvador, Nayib Bukele
Bukele faz uma saudação em 6 de junho, depois de uma entrevista coletiva em San SalvadorJOSE CABEZAS (Reuters)
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Poucos meses depois que o presidente Nayib Bukele comprometeu a independência da justiça em El Salvador por meio de guinadas autoritárias, a Câmara Constitucional que ele instalou autorizou na noite de sexta-feira sua reeleição presidencial imediata, cruzando uma linha que os críticos do projeto do Novas Ideias —o partido do presidente— tinham assinalado com preocupação. O Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) salvadorenho anunciou neste sábado que acatará a determinação da Câmara Constitucional da Suprema Corte de Justiça de permitir a inscrição para disputar a reeleição presidencial com a única condição de que o presidente em exercício renuncie seis meses antes do fim do mandato.

Assim, Bukele pretende se reeleger em 2024 por meio de uma decisão judicial para consolidar seu projeto político, como fez Daniel Ortega na Nicarágua em 2011. A diferença é que o mandatário sandinista alegou que a proibição constitucional da reeleição “violava seus direitos humanos” e a justiça de Bukele convocou o povo a “decidir sem pressões ou coações indevidas”.

Até agora, e segundo a Constituição do país, os presidentes de El Salvador, que têm mandato de cinco anos, não podiam renová-lo para um período imediato. No entanto, a Câmara Constitucional instalada em maio por Bukele atropelou o artigo 152 da Carta Magna, que afirma que não pode ser candidato a presidente “aquele que tiver exercido a presidência da República por mais de seis meses, consecutivos ou não, durante o período imediatamente anterior, ou dentro dos últimos seis meses anteriores ao período presidencial”.

Embora a reeleição presidencial fosse algo em cogitação em El Salvador, levando-se em conta as agressões de Bukele à justiça destituindo magistrados através da Assembleia Nacional e recentemente um terço dos juízes e procuradores, o que surpreende é a rapidez com que o mandatário reforça seu projeto político rotulado de autoritário por seus detratores.

“A Câmara Constitucional de El Salvador —que Bukele cooptou em maio deste ano— acaba de permitir que Bukele se candidate à reeleição. O mesmo script usado por Daniel Ortega e Juan Orlando Hernández, o presidente de Honduras. A democracia em El Salvador está à beira do abismo”, disse José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch.

Vivanco expôs a dualidade do situacionismo mencionando um tuíte do vice-presidente de El Salvador, Félix Ulloa, que em 2020 disse: “Jamais propus nem concordaria com a reeleição contínua em nosso país”. Ulloa é a pessoa designada por Bukele para reformar 196 dos 272 artigos da atual Carta Magna.

Depois da divulgação da autorização para sua reeleição, até a publicação deste artigo Bukele manteve silêncio em sua conta no Twitter. No entanto, alguns de seus funcionários e deputados do partido governista Novas Ideias aplaudiram a decisão e incentivaram sua reeleição.

Na decisão de sexta-feira, os magistrados determinam ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) permitir “que uma pessoa que exerça a presidência da República e não tenha sido presidente no período imediatamente anterior participe da disputa eleitoral uma segunda vez”.

De acordo com os juízes, tal interpretação de 2014 sobre a reeleição é “errônea” e apontaram que, em sua opinião, a Constituição permite que um cidadão seja presidente por um período máximo de 10 anos. Em 1º de maio, a Assembleia Legislativa, com ampla maioria governista, destituiu os magistrados constitucionalistas e nomeou cinco advogados para ocupar os cargos. A comunidade internacional criticou essa ação considerando-a um golpe contra a separação de poderes e a independência da justiça. Os alarmes se materializaram com a reeleição, prática que na América Central tem graves consequências.

Embora este não seja exatamente o caso da Corte Constitucional, em El Salvador, em agosto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou um parecer consultivo afirmando que a não reeleição implica em violações dos direitos humanos. E, em geral, sobre a reeleição estabelece: “A interdependência entre democracia, Estado de Direito e proteção dos direitos humanos é a base de todo sistema (...) Os princípios da democracia representativa incluem, além da periodicidade das eleições e o pluralismo político, as obrigações de evitar que uma pessoa se perpetue no poder e de garantir a alternância no poder e a separação de poderes”.

Bukele, de 40 anos, goza de um alto nível de popularidade, o que lhe permitiu chegar à presidência em 2019 dando o tiro de misericórdia no bipartidarismo representado pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) e pela Aliança Republicana Nacionalista (ARENA). Assim como fizeram outros que se reelegeram, como Ortega na Nicarágua, Bukele lançou mão de sua popularidade e da maioria no Parlamento para implodir a democracia, comparam seus críticos. A justiça foi o principal bastião dobrado por Bukele para garantir sua continuidade no poder sem contrapesos.

“Assistimos passos gigantescos no fim da República e sua substituição por um clã familiar antidemocrático que usa o Estado em seu benefício. Mas, para que alcancem seus objetivos, são necessários funcionários e burocratas indignos, oportunistas ou corruptos que operem a seu favor, e uma cidadania cegada pela propaganda”, alertou o jornal digital El Faro em editorial, depois da divulgação da decisão de aposentar automaticamente um terço dos juízes e procuradores.

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