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“É uma grande lição para outros invasores”, diz Talibã após retirada dos EUA do Afeganistão

No entanto, a grave situação econômica e humanitária enche de incertezas o futuro do país

Talibãs patrulham Cabul nesta terça-feira, depois que as tropas dos Estados Unidos concluíram sua retirada do Afeganistão após 20 anos.
Talibãs patrulham Cabul nesta terça-feira, depois que as tropas dos Estados Unidos concluíram sua retirada do Afeganistão após 20 anos.STRINGER (Reuters)
Ángeles Espinosa
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People evacuated from Kabul, Afghanistan, walk through the terminal before boarding a bus after they arrived at Washington Dulles International Airport, in Chantilly, Va., on Monday, Aug. 30, 2021. (AP Photo/Jose Luis Magana)
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Os talibãs comemoraram com tiros para o alto, nesta terça-feira, a saída do último avião norte-americano do aeroporto de Cabul. Imediatamente, tropas da milícia tomaram o controle do local, um símbolo final da retirada dos Estados Unidos após 20 anos de presença no Afeganistão. “É um dia histórico, um momento histórico, estamos muito orgulhosos”, declarou o porta-voz do novo regime, Zabihullah Mujahid. Eliminado o pretexto para sua luta armada, os extremistas islâmicos se deparam, agora, com a tarefa mais trivial: a de governar. No entanto, as numerosas dificuldades do país enchem o futuro de incerteza.

Mujahid aproveitou a ocasião para dar uma entrevista coletiva no próprio aeroporto. “Parabéns ao Afeganistão. Esta vitória é de todos”, afirmou, com evidente satisfação. “Estamos muito orgulhosos deste momento, de ter libertado nosso país de uma grande potência. (…) É uma grande lição para outros invasores e para nossas futuras gerações, e também uma lição para o mundo”, acrescentou.

Os sentimentos dos afegãos são mais complexos. A alegria de uma parte convive com o medo que a vitória da guerrilha fundamentalista islâmica causou entre a população urbana e educada. Dezenas de milhares de pessoas já abandonaram o país. Outras tantas gostariam de fazer isso. “A situação piora a cada dia e temos medo de ser identificadas. É muito perigoso”, confidencia uma jornalista que se esconde em Cabul com outras ativistas que não conseguiram entrar nos voos de evacuação dos Estados Unidos e seus aliados. “Acordamos com os disparos e tivemos muito medo”, acrescenta, referindo-se à celebração da madrugada.

Muitos afegãos, principalmente os jovens, as mulheres e as minorias, temem que a volta dos fundamentalistas ao poder anule as liberdades civis e os avanços sociais das últimas duas décadas. Lembram que, durante seu Governo anterior, entre 1996 e 2001, os talibãs impuseram uma interpretação extremamente rigorosa da lei islâmica (Sharia). Com base nessa interpretação, as mulheres eram confinadas em casa, sem acesso à educação nem direito ao trabalho; as mãos dos ladrões eram cortadas; e os adúlteros eram mortos por apedrejamento.

Desde 15 de agosto, quando o Talibã entrou em Cabul praticamente sem resistência, seus líderes têm procurado transmitir uma imagem de moderação que causa ceticismo. Suas palavras e gestos de tolerância dirigidos aos funcionários do Governo anterior, às mulheres e às minorias contrastam com as notícias de como suas tropas agem. Notícias de execuções sumárias de ex-oficiais dos serviços de segurança, artistas e outras pessoas críticas alertaram organizações de direitos humanos.

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“Dizem as coisas adequadas, mas é cedo para saber suas intenções”, diz uma analista. O primeiro teste será a formação do Governo, que o Talibã promete ser inclusivo. No vizinho Paquistão, que mantém bons laços históricos com os talibãs, o chanceler Shah Mehmood Qureshi espera que “seja formado nos próximos dias um Governo de consenso” no Afeganistão, como afirmou nesta terça-feira em uma conferência de imprensa em Islamabad.

A dificuldade de distribuir as pastas de uma forma que satisfaça a todas as sensibilidades do movimento talibã é menor do que a tarefa que os futuros ministros terão pela frente. O novo Governo enfrentará o desafio de reanimar uma economia destruída pela guerra, que não terá os bilhões de dólares de ajuda externa que seus antecessores receberam, embora parte desse dinheiro tenha sido engolida pela corrupção. A ONU alertou para o risco de uma catástrofe humanitária nas áreas rurais, onde a situação é agravada pela recente seca.

Ciente disso, Mujahid reiterou nesta terça-feira que o novo regime quer “ter boas relações com o mundo todo, incluindo os Estados Unidos”. O porta-voz talibã também fez um chamado inusitado aos investidores internacionais. “Convido todos vocês a investir no Afeganistão”, disse ele à imprensa.

Por enquanto, os países ocidentais optaram por congelar seu reconhecimento, passo-chave para que o regime talibã possa ter acesso às reservas afegãs no exterior e a créditos internacionais. Eles esperam que o incentivo de lhe oferecer legitimidade sirva para obter compromissos de respeito aos direitos humanos. No momento, o Ocidente busca garantias para que os afegãos que quiserem sair do país possam fazer isso de forma segura, assim como para a proteção dos colaboradores afegãos que não puderam ser evacuados dentro do prazo estipulado pelo presidente Joe Biden para a retirada das tropas americanas.

Os talibãs não precisaram nem esperar o fim desse prazo para recuperar o aeroporto. Com 24 horas de antecedência, o general Chris Dohahue, chefe da 82ª Divisão Aerotransportada, tornou-se o último militar americano a deixar o solo afegão, segundo uma foto tirada com câmera de visão noturna e divulgada pelo Pentágono.

Vídeos que os talibãs se apressaram em divulgar mostram milicianos entrando no aeroporto, além de um hangar cheio de material destruído pelos soldados americanos. A câmera para diante de dois helicópteros que não puderam ser levados. O Pentágono logo informou que esses helicópteros estão inoperantes.

Os Estados Unidos entraram no Afeganistão em 2001 para derrubar do poder os talibãs por estes terem dado abrigo a Osama Bin Laden, responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001 e chefe da Al-Qaeda. Alcançaram o primeiro objetivo, mas Bin Laden acabou se escondendo no Paquistão, onde foi morto por um comando dez anos depois. Embora a intervenção militar tenha contado com o apoio da ONU e com forças de vários países aliados, entre eles a Espanha, ela se transformou, a partir de 2014, em uma missão para treinar o Exército afegão, agora desmantelado.

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