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Atentado de Cabul intensifica embate entre Estado Islâmico e Talibã, aumentando instabilidade no Afeganistão

Massacre no aeroporto põe em xeque a segurança oferecida pelo novo Governo radical

Mulher chora diante de um hospital de Cabul ao lado do corpo de uma vítima do atentado.
Mulher chora diante de um hospital de Cabul ao lado do corpo de uma vítima do atentado.EFE
Ángeles Espinosa
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EDITORS NOTE: Graphic content / Medical and hospital staff bring an injured man on a stretcher for treatment after two powerful explosions, which killed at least six people, outside the airport in Kabul on August 26, 2021. (Photo by Wakil KOHSAR / AFP)
Conheça o ISIS-K, inimigo número um dos talibãs

Os afegãos continuavam seguindo para o aeroporto de Cabul nesta sexta-feira, apesar do atentado suicida do dia anterior. Além do desespero para escapar do regime do Talibã antes que os Estados Unidos encerrem completamente suas operações de retirada na próxima terça-feira, paira a ameaça de uma nova onda de terrorismo. O ataque do Estado Islâmico evidencia os desafios que o Talibã enfrenta e é um sério golpe no compromisso de garantir segurança, fator com o qual a milícia tenta obter dos afegãos ao menos o benefício da dúvida.

Se há uma mensagem que os líderes islamistas têm repetido desde que entraram em Cabul é que todos estão seguros sob sua chibata. “O Emirado Islâmico do Afeganistão não vai se vingar de ninguém, [nem] se tornar um campo de batalha para ninguém”, declarou o porta-voz do grupo, Zabihullah Mujahid, em sua primeira entrevista coletiva à imprensa.

As imagens difundidas da retirada de muros de concreto em Khost, no leste, de encontros com líderes religiosos em Herat, a oeste, e de cidadãos que recorrem a eles para resolver seus problemas, têm o objetivo de transmitir que o Talibã controla a situação. No entanto, as “patrulhas da força vitoriosa” que vigiam Cabul, com uniformes e equipamentos iguais aos dos soldados norte-americanos, não conseguiram nesta quinta-feira impedir o atentado do Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), como é conhecido o braço local desse grupo terrorista.

Fontes locais e do Talibã citadas pela agência Reuters estimam que houve pelo menos 180 mortos, incluindo 13 norte-americanos, e aumentaram o número de feridos para 200. Fontes locais do setor de saúde citadas pelo The New York Times, CBS e ABC News também relatam que o número de mortes de afegãos e de outras nacionalidades esteja na casa dos 180, além dos 13 norte-americanos. Não há dados oficiais confirmados.

Por isso, ao condenar o ataque, Mujahid especificou “que ocorreu em uma área onde as forças dos Estados Unidos são responsáveis pela segurança”. É verdade que o homem-bomba detonou seu colete com explosivos justamente em um dos portões de acesso ao aeroporto, que são controlados por soldados norte-americanos. Mas, para chegar lá, ele teve que passar por vários postos de controle de milicianos talibãs.

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“O Emirado Islâmico está prestando grande atenção à segurança e proteção de seus cidadãos e vai conter de forma decisiva os malfeitores”, acrescentou o porta-voz.

Desde seu surgimento no Afeganistão em 2015, o EI-K se tornou o principal rival do Talibã, cujas negociações com os Estados Unidos (que tiveram uma primeira tentativa em 2013) sempre foram rejeitadas pelos setores mais radicais do grupo. Essas tensões podem se agravar agora, à medida que os líderes mais pragmáticos do Talibã tentam formar um Governo que obtenha apoio dentro e fora do país. Aqueles que se opõem a qualquer concessão podem ser tentados a romper as fileiras e se juntar aos jihadistas.

O Talibã deixou a segurança de Cabul nas mãos de Khalil Haqqani, dirigente da chamada Rede Haqqani, grupo com forte ligação com a Al Qaeda, que mantém certa autonomia dentro do movimento islamista e cujo líder é um dos três assessores de seu principal dirigente. Khalil —por quem os Estados Unidos oferecem desde 2008 uma recompensa de 5 milhões de dólares (26 milhões de reais)— pertence à ala mais radical do grupo, e alguns analistas lançam uma sombra sobre suas ações. Sajjan M. Gohel, diretor de segurança internacional da Fundação Ásia-Pacífico, disse à revista Foreign Policy que a Rede Haqqani também mantém vínculos com o EI-K.

“Alvo fácil”

É muito difícil detectar um suicida no meio de uma multidão de vários milhares de pessoas. As pessoas que se aglomeravam nos acessos ao aeroporto eram, e continuam sendo, o que os especialistas chamam de “alvos fáceis”. Embora o Pentágono afirme ter passado ao Talibã informações de inteligência sobre a ameaça, não há registro de que os milicianos estivessem revistando pessoas e bagagens regularmente. Os talibãs usam os controles para seus próprios fins: detectar quem está em suas listas de busca e repelir viajantes em potencial, mesmo com documentos válidos.

“Desde quarta-feira eles impedem a passagem dos ônibus com os quais tentamos levar ao aeroporto as pessoas que queremos ajudar a deixar o país”, confidenciou uma fonte europeia antes do ataque. Suas palavras confirmaram as reclamações que muitos afegãos fazem nas redes sociais.

Pelo menos por enquanto, o Talibã e a resistência agrupada na região do Panshir em torno de Ahmad Masud —filho do guerrilheiro carismático Ahmad Shah Massud, que liderou a resistência anti-Talibã na década de 1990— decidiram não se confrontar no campo de batalha enquanto dialogam em busca de um acordo. Representantes de ambos os lados se reuniram na quarta-feira sem resultados concretos, mas com o compromisso de retomar as conversas depois de consulta aos respectivos dirigentes, relata a ToloTV. Massud havia declarado que queria chegar a um acordo, mas, se não conseguisse, estava se preparando para lutar. O relevo do vale do Panshir, no nordeste do Afeganistão, protege os que ali se refugiam de um eventual ataque surpresa.

PRESSÃO NA FRONTEIRA COM O PAQUISTÃO

Milhares de pessoas se concentram desde quinta-feira no posto de fronteira afegã de Spin Boldak, para tentar cruzar para o Paquistão. Imagens postadas nas redes sociais chamam a atenção para o êxodo, até então eclipsado, de multidões em fuga pelo aeroporto de Cabul.

Desde que a passagem foi reaberta no dia 21, o número de afegãos que cruzam se multiplicou por quatro, chegando a 18.000, de acordo com a imprensa paquistanesa. Muitos outros estão presos no lado afegão da cerca por falta de documentos: passaporte ou cartão de refugiado. Ao contrário dos conflitos anteriores, o Paquistão reluta em abrir suas portas aos refugiados. Já há 1,4 milhão de cadastrados na ONU e mais um milhão sem autorização.

A outra passagem, Torkham, 930 quilômetros mais ao norte, até agora tem sido reservada para a saída de estrangeiros do Afeganistão. O Governo paquistanês anunciou no final de julho que estava destacando forças auxiliares para impedir a travessia ilegal de afegãos e combatentes talibãs. Faltam informações sobre a situação em outras fronteiras, embora o Irã seja historicamente o segundo país de destino dos refugiados afegãos e ainda tenha em seu território 700.000 pessoas vindas de conflitos anteriores.

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