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O início turbulento de Pedro Castillo no Peru

Renúncia de ministro das Relações Exteriores com menos de um mês de Governo aprofunda o acidentado começo do presidente peruano

Juan Diego Quesada
Un grupo de personas protesta en contra del canciller peruano, Héctor Bejar
Manifestantes contrários ao chanceler demissionário do Peru, Héctor Béjar, em frente ao palácio de Torre Tagle, sede da Chancelaria, nesta terça-feira, em Lima.Paolo Aguilar (EFE)
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Peru's President-elect Pedro Castillo and his wife Lilia Paredes, wave as they leave the Foreign Ministry to go to Congress for his swearing-in ceremony on his Inauguration Day in Lima, Peru, Wednesday, July 28, 2021. (AP Photo/Guadalupe Pardo)
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Não existem dias tranquilos para Pedro Castillo no poder. Sua ideia de transformar o Peru esbarra em mais obstáculos do que ele imaginava. O professor primário vive numa crise quase contínua desde que assumiu a presidência, no fim de julho. A prematura renúncia do chanceler Héctor Béjar, um sociólogo que tinha citado a Marinha peruana como causadora do início do terrorismo no país, em lugar do grupo maoísta Sendero Luminoso, acrescenta ainda mais turbulências a um Governo que tem apenas três semanas. As contínuas polêmicas envolvendo seu Gabinete fazem de Castillo o presidente peruano mais impopular no início do seu mandato nos últimos 20 anos.

O esquerdista, um estreante na política, desta vez encara as Forças Armadas, na prática um poder independente dentro do Estado. A designação como ministro de Relações Exteriores de alguém que no passado se mostrou ambíguo sobre o papel dos militares em sua guerra contra o Sendero já havia provocado certo estranhamento. Some-se a isso que Béjar, de 85 anos, havia sido guerrilheiro do ELN, treinado em Cuba. Minimizou-se o fato de que tenha sido posteriormente indultado e trabalhado para o Governo de Juan Velasco Alvarado, um general que chegou ao poder pela força no final dos anos sessenta e executou uma importante reforma agrária que colocou totalmente o Peru na era moderna.

Entre uma coisa e outra, Béjar foi visto como um intruso. Nas últimas semanas, foram aparecendo declarações do chanceler, de meses atrás, em que aprofundava a ideia de que a violência armada havia sido culpa dos militares. Concretamente com esta frase: “O terrorismo no Peru foi iniciado pela Marinha, e isso se pode demonstrar historicamente, e foram treinados para isso pela CIA”. Além disso, Béjar dizia que franco-atiradores militares foram os autores da morte de quatro policiais durante a tomada de uma delegacia de polícia em 2005, uma tentativa de golpe de Estado protagonizada por Antauro Humala, irmão de Ollanta Humala, que quatro anos depois seria eleito presidente. Antauro permanece na prisão desde então, acusado de causar essas quatro mortes. Castillo insinuou na campanha que lhe concederia um indulto.

Manifestantes diante da chancelaria exigem a demissão de Béjar por suas declarações sobre a Marinha, nesta terça-feira, em Lima.
Manifestantes diante da chancelaria exigem a demissão de Béjar por suas declarações sobre a Marinha, nesta terça-feira, em Lima.GIAN MASKO (AFP)

A Marinha emitiu um comunicado demolidor, qualificando as palavras de Béjar como uma afronta. O Congresso começou a se mexer para aplicar uma moção de censura ao ministro. Em questão de horas, Béjar se viu numa posição de fraqueza. Castillo, prático, deixou-o cair. O ministro da Defesa, Walter Ayala, assumiu a indignação das Forças Armadas, talvez num exercício por manter seu próprio cargo. Ayala foi claro com Castillo: “Disse a ele que havia dois caminhos, que o senhor Béjar peça desculpas ao Peru e à Marinha, ou que renuncie”. O chanceler optou pela segunda, à luz dos fatos. Alguns historiadores, entre os quais Béjar, argumentam que, além do terrorismo do Sendero Luminoso, existiu também um terrorismo de Estado que alguns setores se negam a reconhecer.

Isto abre a primeira crise de Governo na era Castillo, que ainda nem sequer teve seu gabinete aprovado pelo Congresso, o que acontecerá no dia 26. A oposição tinha sido muito crítica à nomeação de Béjar, mas isso acabou ficando em segundo plano diante da forte reação à indicação de Guido Bellido como primeiro-ministro, inclusive por parte de setores de esquerda que tinham apoiado Castillo durante a campanha. Bellido representa a ala mais radical do partido Peru Livre, com o qual Castillo disputou as eleições —o líder da agremiação, Vladimir Cerrón, não pôde se candidatar por ter sido condenação por corrupção. Os mais críticos ao professor sempre alertaram que por trás da sua imagem de homem puro vindo dos Andes, não contaminado pela corrupção política, escondia-se Cerrón, uma espécie de eminência parda. A nomeação de Bellido, um quadro intermediário do partido, muito leal a Cerrón, foi interpretado como uma confirmação dessas suspeitas.

A instabilidade do Governo lhe passa faturas nas pesquisas. De acordo com levantamentos do Ipsos Peru, Castillo começa com menos popularidade (45%) que os quatro últimos presidentes eleitos nas urnas. Após deixarem o cargo, três deles passaram pela prisão, e o quarto se suicidou quando seria detido. A proximidade com Cerrón não favorece Castillo. Para 40% dos peruanos, é ele na verdade quem toma as decisões importantes, e 57% estão convencidos de que Bellido obedece mais a Cerrón que ao próprio presidente. Castillo tentou se afastar dele na campanha, chegando a dizer que o polêmico dirigente não trabalharia em seu governo nem como porteiro, mas o próprio Cerrón nunca lhe permitiu cortar totalmente esse cordão umbilical, pois os assentos no Congresso se dividem entre partidários de um e outro. E ocorre que Cerrón tampouco é adepto da discrição. Numa entrevista recente ao site sudaca.pe, afirmou ter a capacidade de alterar algumas opiniões do Governo.

Castillo se encaminha para completar um mês de mandato acusando o desgaste. A oposição marcou um gol com a renúncia de Béjar. E certamente nas próximas semanas tentará mais um. O presidente agora deve procurar um novo chanceler e encarar uma moção de confiança no Congresso, que por enquanto parece resolvida. Depois de duas desaprovações seguidas, Castillo poderia dissolver o Congresso, um cenário em que seus adversários não querem se ver. Sua chegada ao poder não foi simples. Depois das denúncias infundadas de fraude eleitoral proferidas por sua rival, Keiko Fujimori, o Peru viveu semanas de tensão e especulações, até que finalmente sua vitória foi confirmada. No dia em que vestiu a faixa presidencial, parecia que toda essa confrontação tinha ficado para trás. Na verdade, estava apenas começando.

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