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Condenação histórica na Argentina por crimes sexuais perpetrados no maior centro de detenção da ditadura

Tribunal condena dois ex-militares a 24 e 20 anos de prisão pelo estupro de três prisioneiras da Escola de Mecânica da Marinha. Pela primeira vez essa conduta foi julgada como um crime autônomo

ESMA Dictadura argentina
O ex-capitão Jorge Eduardo Acosta, conhecido como Tigre, na leitura de uma sentença por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura argentina, em 2017.JAVIER GONZALEZ TOLEDO (AFP)
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Pela primeira vez, um tribunal argentino condenou repressores da ditadura por crimes sexuais cometidos no maior centro clandestino de detenção que funcionou durante o regime, a Escola de Mecânica da Marinha (ESMA, na sigla em espanhol). Os ex-militares Jorge Tigre Acosta e Alberto González foram condenados a 24 e 20 anos de prisão ao serem declarados culpados de cometer violência sexual contra três mulheres que foram sequestradas e mantidas na ESMA entre 1977 e 1978.

O Tribunal Oral Federal 5 de Buenos Aires os declarou culpados de “estupro agravado por ter sido cometido por duas ou mais pessoas, reiteradamente em pelo menos 10 oportunidades”, abuso desonesto, privação ilegítima da liberdade e suplícios, crimes que foram declarados imprescritíveis por ser de lesa-humanidade.

Acosta, ex-capitão da Marinha argentina, foi chefe de inteligência e do grupo de tarefas da ESMA durante a ditadura. Os juízes Adrián Grunberg, Daniel Obligado e Adriana Pallioti o declararam autor penalmente responsável de abuso desonesto e estupro contra as denunciantes Mabel Zanta, María Rosa Paredes e Silvia Labayrú. González, que também integrava o grupo de tarefas 3.3.2. como oficial de inteligência, foi condenado pelos crimes cometidos contra Labayrú.

A denúncia foi feita em 2014, mas só chegou a julgamento oral em 2020, durante a pandemia do coronavírus. Através de audiências privadas realizadas pela plataforma Zoom, as denunciantes relataram os abusos, estupros e violência psicológica a que foram submetidas durante seu sequestro no centro clandestino de detenção localizado em frente a uma das grandes avenidas de Buenos Aires e por onde passaram aproximadamente 5.000 presos.

A violência sexual cometida contra as presas na ESMA já foi revelada em julgamentos anteriores, mas nunca foi julgada como um crime autônomo. Tanto a Promotoria como as denunciantes afirmam que a sentença contribui para visualizar os crimes cometidos nos centros clandestinos. “Existiram muitas mulheres estupradas como eu na ESMA que por medo e outras razões não denunciaram. A sentença me satisfaz porque talvez permita que outras mulheres pensem que é possível denunciar e se encorajem a fazê-lo”, responde Labayrú da Espanha.

Algumas das sobreviventes “ainda não têm consciência de que foram vítimas de estupros”, segundo a jornalista Miriam Lewin, também sobrevivente da ESMA e uma das primeiras a expor os abusos cometidos contra as mulheres sequestradas pela ditadura em seu livro Putas e guerrilheiras. “A vergonha e a culpa, a condenação social, a vitimização são barreiras para todas as vítimas de estupro, ainda hoje”, declarou Lewin à agência Télam.

“A Justiça não é só a condenação dos responsáveis, e sim também a reparação e a memória”, destaca Alejandra Naftal, diretora do museu que funciona no prédio onde era a ESMA, hoje transformado em centro de memória. Em 2019, a instituição expôs alguns dos depoimentos de sobreviventes que foram vítimas de crimes sexuais e prepara uma nova mostra sobre o tema para o ano que vem.

As penas recebidas na sexta-feira por Acosta e González se unificam com as condenações à prisão perpétua que já haviam recebido em julgamentos anteriores por sequestros, torturas e assassinatos. Os dois cumprem suas sentenças na prisão.

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