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Kristsina Tsimanuskaia, atleta de Belarus: “Pensei que meu destino seria prisão ou hospital psiquiátrico”

Em entrevista ao EL PAÍS, velocista que fugiu do regime de Lukashenko descreve as horas dramáticas que passou em Tóquio, ouvindo que “algumas pessoas em situações parecidas tiravam a própria vida”

Kristsina Tsimanuskaia, em 5 de agosto. No vídeo, as declarações de Tsimanouskaia desde Varsóvia, na quinta. Vídeo: MACIEK JAŹWIECKI / AGENCJA GAZETA / REUTERS
Javier G. Cuesta
Varsóvia -
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In this grab taken from video released by Belarusian state-controlled ONT Channel on Thursday, June 3, 2021, dissident journalist Raman Pratasevich gestures as he cries during his interview with Belarusian ONT Channel in Minsk, Belarus. Belarusian opposition activists say that a dissident journalist has been coerced to appear in a video on state TV in which he wept and praised the country's authoritarian ruler. In the 90-minute video aired Thursday night, 26-year-old Raman Pratasevich repented for his opposition activities and said he respects Belarus' President Alexander Lukashenko as "a man with balls of steel." (ONT channel via AP)
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A conversa estava prestes a começar quando Kristsina Tsimanuskaia pediu mais cinco minutos para tomar fôlego. A atleta belarussa, de 24 anos, chegou ao lugar do encontro em Varsóvia rodeada de policiais e precisou de um descanso após ter vivido na pele um terremoto político internacional. “Eram meus primeiros Jogos [Olímpicos] e eles os arrancaram de mim”, lamenta a velocista na primeira entrevista concedida a um grupo de jornais (EL PAÍS, Gazeta Wyborcza e Die Welt, que fazem parte da aliança de mídia LENA) após chegar à capital polonesa. É quinta-feira e ela está só há poucas horas na Polônia, onde foi acolhida após se recusar a voltar dos Jogos de Tóquio para Minsk, capital de Belarus, onde teme sofrer represálias por ter se queixado publicamente de seus treinadores no Instagram.

Os problemas da atleta começaram no último fim de semana, mas não por criticar as políticas repressivas do regime de Aleksandr Lukashenko, o líder belarusso que adotou linha dura para calar os protestos da oposição que explodiram há cerca de um ano e que classsificam como fraudulentas as eleições que mantiveram no poder o questionado presidente. Nada disso: as queixas de Tsimanuskaia foram feitas após a atleta ser inscrita pelo Comitê Olímpico belarusso em uma prova para a qual não tinha treinado. Ao insistir nas críticas, a esportiva foi forçada a embarcar em um avião para Minsk no último domingo. Ela resolveu reagir, procurando ajuda até acabar na embaixada polonesa em Tóquio, de onde voou na quarta-feira para Viena e depois para Varsóvia. Segundo o regime de Lukashenko, a velocista sofre de “transtornos mentais”. Ela, no entanto, dá outra versão: a de que foi pressionada e ameaçada: “Pensei que me aguardavam a prisão ou um hospital psiquiátrico”.

Agora, ela e o marido estão sob a proteção de um visto humanitário na Polônia, mas os dois não sabem quando poderão voltar para casa. Ainda assim, a atleta mantém a esperança de poder ver seus pais em breve. Mas, por enquanto, o desejo será adiado: Lukashenko ordenou o fechamento da fronteira entre os dois países.

Pergunta. Neste momento, você deveria estar nos Jogos Olímpicos em Tóquio, mas está aqui em Varsóvia. Você pensou alguma vez que isso podia acontecer?

Resposta. De jeito nenhum. Nunca imaginei vir até a Polônia. Estive aqui muitas vezes como turista, mas nunca pensei que teria que decidir tão repentinamente que emigraria para cá. Meus planos de curto prazo eram completamente diferentes. Meu marido e eu visitaríamos nossos pais depois de voltar de Tóquio, sairíamos de férias, cuidaríamos do nosso novo projeto na indústria fitness, nos inscreveríamos em cursos e workshops esportivos profissionais. Ainda estou em choque. Não entendo o que está acontecendo.

P. Você se sente a salvo na Polônia?

R. Sim, tanto que finalmente consegui dormir. Nos últimos dias não tinha conseguido pregar o olho. De qualquer forma, quando os diplomatas da Polônia cuidaram do meu caso no Japão, eu soube que estaria bem. Além disso, aqui estou sob a proteção das autoridades polonesas e da diáspora belarussa. Estou saudável, forte, mas ainda em estado de choque.

P. Em que momento você sentiu que voltar para Belarus não era seguro?

R. Quando os funcionários do Comitê Olímpico Nacional belarusso me levaram ao aeroporto. Desde cedo, fui abordada por vários membros da nossa equipe esportiva. O treinador e as pessoas do comitê me diziam que eu precisava ir para casa, que precisava fazer as malas imediatamente; e diziam que, se eu resistisse, agiria contra a vontade das autoridades, uma vez que a decisão vinha de representantes das instâncias superiores, além de que consequências graves me aguardavam. Mais tarde, veio me ver um psicólogo que tentou me pressionar, e me assustou. Disse que eu tinha problemas na cabeça. Começou a me dizer coisas terríveis sobre alguns estados de loucura; dizia que algumas pessoas em situações parecidas tiravam a própria vida.

P. Foi então que começou a propaganda na televisão belarussa?

R. Aconteceu ao mesmo tempo. Eu soube por meio dos meus pais, que divulgaram coisas sobre mim em que eu aparecia como uma pessoa desequilibrada, com um mau estado psicológico, o que colocaria em risco toda a equipe [olímpica]. Meus pais me disseram que não deveria voltar para Belarus naquele momento. Acreditei neles. Pensei até que alguém pode ter entrado em contato com eles e avisado que eu teria problemas se retornasse.

P. Que tipo de problemas?

R. Talvez a prisão ou um hospital psiquiátrico. As pessoas não saem deles facilmente.

P. E tudo isso por uma publicação no Instagram?

R. Fiz a publicação levada pela emoção, sem pensar. Mais tarde, após as ameaças, apaguei. No entanto, aquilo não era um manifesto político. Só expressei minha indignação com a decisão dos treinadores e dirigentes belarussos de me inscrever para participar de uma prova para a qual nunca treinei na vida. Quando tentei explicar isso, ignoraram minhas mensagens; mas vi que as leram. Então algo explodiu em mim. Senti que [os funcionários do comitê] não tinham respeito pelos atletas, pelo meu trabalho e pelo esforço que dedico ao esporte e a representar nosso país. Falei dessa forma porque sempre falo abertamente na rede sobre minha vida e minhas emoções. Também não esperava que um assunto esportivo se transformasse em um escândalo político internacional. E nem que acabaria pedindo ajuda a um policial japonês de um aeroporto com uma mensagem escrita com um tradutor automático da internet: “Socorro, estão tentando me levar à força para o meu país. Estou em perigo”.

P. Se pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo?

R. Acho que usaria minha voz para falar sobre o assunto. Talvez não desta maneira; talvez de uma forma menos emocional, mas não voltaria no tempo. Não sei se fazer isso de uma forma mais moderada traria outras consequências.

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P. Você perdeu uma coisa com que todos os atletas sonham: a possibilidade de participar dos Jogos Olímpicos.

R. Estou muito triste com isso. Roubaram minha oportunidade. Eu me preparei durante cinco anos para participar dos Jogos. Não foi fácil. Além do esforço diário, da dedicação e da disciplina, tive outras dificuldades: sofri uma lesão, fiquei doente com coronavírus, troquei de treinador... Os treinamentos eram muito intensos, foi difícil, mas sabia que tinha um objetivo: correr os 200 metros o melhor que pudesse. Só queria isso. Eram meus primeiros Jogos Olímpicos e eles foram arrancados de mim.

P. Planeja ficar na Polônia?

R. Vou me reunir com os representantes do Comitê Olímpico polonês para ver se é possível continuar minha carreira esportiva aqui e em quais condições. Pensei na Áustria porque meu treinador vive lá, mas a Polônia reagiu mais rápido que os outros [países]. Ela me ofereceu um visto humanitário, proteção e ajuda. Além disso, meus pais me aconselharam a escolher a Polônia porque vivem em Brest [Belarus], muito perto, e graças a isso podem me visitar. Também tenho muitos amigos aqui. Alguns deles se mudaram de Belarus recentemente. Tenho a sensação de que não estarei sozinha aqui.

Krystsina Tsimanouskaia, em 5 de agosto de 2021
Krystsina Tsimanouskaia, em 5 de agosto de 2021 Maciek Jaźwiecki / Agencja Gazeta

P. Como outros atletas veem sua situação? Maksim Nedasekau, que ganhou uma medalha de bronze em Tóquio, foi muito crítico ao falar sobre você. Disse que é orgulhosa e que merece o que aconteceu.

R. Depois de sair [de Tóquio], não mantive contato com os atletas da Vila Olímpica. Talvez proíbam, não sei. Não tenho queixas, muitos têm de se preparar para suas provas nestes dias e não podem se distrair com outras coisas. Agora devem pensar em si mesmos. De qualquer forma, muitos outros atletas belarussos me escreveram. Recebi um grande apoio deles. Quanto a Maksim, só posso felicitá-lo por sua medalha, é um grande atleta. No entanto, não posso dizer o mesmo dele como pessoa.

P. Seu marido reagiu rápido e em meia hora tomou a decisão de abandonar o país. E quanto aos seus pais?

R. Eu nem sabia que meu marido estava indo embora. Soube quando ele chegou a Kiev. Depois de minhas declarações, sentia que eu não voltaria para Belarus e que ele também estava em perigo. Meus pais ficaram em casa. Meu pai sofre do coração, infelizmente, e toda esta situação fez seu estado piorar. Estamos em contato constante.

P. Apesar deste escândalo, você afirma que não está envolvida na política.

R. Pertenço ao mundo do esporte, não da política. Não entendo nada de política nem digo nada sobre nosso Governo. O esporte deve estar além da política. Sempre tentei manter a máxima distância. Treinei a vida toda, me concentrei nisso.

P. Em Belarus, um grande grupo de atletas se aliou à oposição no ano passado e fez declarações públicas contra a fraude eleitoral e a violência.

R. No ano passado, quando surgiram os protestos, foi muito difícil para o país. Era moralmente difícil superar isso e cheguei a abandonar uma competição da qual participava. Não é que eu não quisesse ver o que estava acontecendo. Depois me pronunciei abertamente com uma publicação no Instagram condenando o uso da violência contra os manifestantes pacíficos. Sou totalmente contra a violência em qualquer forma.

P. E quanto a outros atletas? Também recebem ameaças?

R. Não sei. Não posso responder pelos outros. Foi a primeira vez que aconteceu comigo.

P. Aleksander Opeikin, presidente da Fundação Belarussa de Solidariedade Esportiva, à qual você pediu ajuda, disse em uma entrevista ao jornal Gazeta Wyborcza que hoje os atletas belarussos estão mais ameaçados do que nunca.

R. Sem dúvida. Os atletas pensam muito mais naquilo que vão dizer em Belarus, porque pode haver consequências desagradáveis. Dessa vez, eu não me contive... feliz ou infelizmente.

P. Agora você será uma esportista que se envolve em questões políticas?

R. Não. Uma pessoa que não conhece a política não deve lidar com ela. Tudo o que quero é continuar com minha carreira esportiva.

P. O sequestro do jornalista Roman Protasevich, o provável assassinato de um ativista belarusso em Kiev... Talvez o regime vá ainda mais longe. Você tem medo?

R. É uma pergunta difícil para mim. Sim, vejo as notícias, sei de tudo, mas não posso avaliar esta situação.

P. Se recebesse garantias de Alexandr Lukashenko de que pode voltar para casa sem perigo, faria isso?

R. Minha mãe me disse que recebeu alguns telefonemas com uma oferta assim. Não sei se eram do presidente, ainda mais nestes tempos em que há tantas informações falsas. Acho que, na situação atual, não posso voltar para Belarus.

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