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Governo de Cuba apela às ruas para se reafirmar ante pandemia e crise social

Ainda na ressaca dos maiores protestos em décadas, Partido Comunista cubano transformou 27º aniversário do ‘maleconazo’ em ato patriótico, de olho em se apoderar das ruas

Centenas de cidadãos participam de manifestação em apoio à Revolução Cubana no calçadão do Malecón, em Havana.
Centenas de cidadãos participam de manifestação em apoio à Revolução Cubana no calçadão do Malecón, em Havana.Ernesto Mastrascusa (EFE)
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Ainda abalado pela repercussão dos protestos históricos de 11 e 12 de julho, que se alastraram por várias cidades do país, o Governo cubano transformou o aniversário do maleconazo, nesta quinta-feira, em data patriótica. A estratégia busca angariar o apoio de dezenas de milhares de pessoas a partir de passeatas, manifestações, shows e diversas atividades festivas organizadas na orla de Havana e em vários parques da capital; as ações foram promovidas pelo Sindicato dos Jovens Comunistas. Embora a pandemia na ilha siga a galope, com contágios e mortes aumentando há vários dias —só na quarta-feira foram 8.399 casos positivos e 93 mortes por covid-19—, as autoridades decidiram apostar em um grande ato de reafirmação ao velho estilo revolucionário, dando uma amostra de quão profundo foi o choque do 11 de julho e do tamanho da necessidade de reparação.

Apesar do risco sanitário, a comemoração em massa do 27º aniversário do maleconazo —que, até julho deste ano, havia sido o maior protesto contra o Governo na história da revolução— não foi gratuita. “Alguns esperavam que as pessoas se jogassem como loucas pelas ruas, mas vêem que aqui estamos nós, os revolucionários que defendem o país”, disse o coordenador geral dos Comitês de Defesa da Revolução, Gerardo Hernández, que participou de uma das caravanas que percorriam o malecón.

Enquanto a multdão convocada pelas autoridades tomava as ruas na área da famosa avenida e do calçadão, assim como no Paseo del Prado —palco das manifestações do 5 de agosto—, o presidente Miguel Díaz-Canel se reunia com jovens estudantes na Universidade de Havana. “Devemos ouvir nossos jovens como as pessoas importantes que são”, escreveu o mandatário em sua conta no Twitter. Os jovens foram fator-chave nos protestos de 11 de julho: tanto por configurarem a maioria dos manifestantes e dos detidos, quanto pelo papel na amplificação dos acontecimentos nas redes sociais. Dessa forma, faz dias que paira um nítido interesse por parte do poder em acenar a eles. Por enquanto, porém, não passa disso: gestos. Isso porque nenhum espaço de participação foi aberto, além dos que já existiam.

O número oficial de detidos durante os protestos do mês passado permanece desconhecido. Várias fontes relatam que podem ser mais de 700 e, em sua maioria, jovens. Dezenas de pessoas foram libertadas com medidas cautelares de prisão domiciliar enquanto aguardam julgamento, ao passo que muitas outras continuam presas, segundo denunciam suas famílias. De acordo com fontes da Suprema Corte, 62 pessoas foram julgadas até o momento, majoritariamente sob acusações de desordem pública, enquanto outras entraram na mira da justiça por resistência, desacato, entre outros. Em todos os casos, a pena máxima é de um ano de prisão.

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Surgem cada vez mais vozes exigindo que não sejam julgados os que não participaram de atos violentos. A Procuradoria-Geral da República admitiu que inúmeras queixas foram apresentadas por diversos motivos, incluindo “desconhecimento do local onde seus parentes ou amigos estariam detidos”, “desacordo com o local onde estão detidos”, bem como pelo “pedido de informações sobre os termos da detenção e os direitos dos detidos”. Segundo Dixán Fuentes Guzmán, procurador-chefe da Direção de Atenção ao Cidadão da Procuradoria-Geral da República, também há inconformismo “com relação à prisão, pois se argumenta que a presença no local não motivou nenhum ato criminoso”, e se questiona “a prisão de pessoas que estavam gravando [com seus celulares] e que não estavam cometendo nenhum ato criminoso”.

As consequências do choque causado pelos protestos sem precedentes ainda estão por vir. No entanto, parece claro que o Governo vai acelerar a introdução das tão esperadas reformas econômicas, passando a autorizar pequenas e médias empresas. “Os acontecimentos ocorridos em Cuba nas últimas semanas parecem indicar que é iminente a aprovação de todo um pacote regulatório relativo às PMEs, cooperativas não-agrícolas e ao trabalho autônomo. Talvez fiquemos sabendo nas próximas horas ou dias”, disse Oniel Díaz, empresário que dirige a consultoria Auge.

Não é de hoje que vários economistas pediam essa e outras medidas de abertura. Ainda assim, as autoridades atrasaram sua introdução sem explicar os motivos. Agora, ao que parece, chegou o momento. “Trata-se de uma mudança urgente, uma mudança da qual a economia cubana precisa. É necessário esperar para ver as regras para ter clareza sobre os pequenos detalhes, que costumam ser decisivos em Cuba”, afirma Díaz. No entanto, acrescenta, “mesmo sem ter visto a norma, pode-se dizer que será uma transformação sem precedentes na economia nacional. Mesmo quando o contexto é extremamente adverso, também pode ser tornar um espaço aproveitado por muitos cubanos”.

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