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Polícia seguiu “padrão violento” em protestos na Colômbia, diz Anistia Internacional

Em relatório detalhado sobre protestos na cidade de Cali, ONG registrou episódios de “paramilitarismo urbano” e disse que presença nas ruas de militares “preparados para guerra” agitou protestos

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Os jovens manifestantes nas ruas de Cali, a terceira cidade mais populosa da Colômbia, sofreram “repressão violenta” nas mãos de agentes públicos e de civis armados em meio aos protestos (em sua maioria, pacíficos) contra o Governo do presidente Iván Duque. É o que apontou um novo relatório divulgado nesta sexta-feira, 30, pela Anistia Internacional. A nova conclusão veio por meio de novas análises de reportagens e denúncias, em um processo que incluiu a verificação digital de uma quantidade substancial de arquivo audiovisual. Segundo a ONG, “as violações de direitos humanos e crimes de direito internacional” cometidos pelas forças do Estado “não são fatos isolados ou esporádicos, respondendo a um padrão de ações violentas destinado a infligir medo e desencorajar o protesto pacífico”.

Para jogar ainda mais luz sobre os fatos, a organização faz a recontagem de um saldo já relatado por diversas entidades defensoras dos direitos humanos —embora os números, a depender da fonte, sigam variando: de que ao menos 28 pessoas tenham morrido desde o dia 28 de abril, data que marca o chamado “acionamento ilegal” da força pública como resposta às manifestações. Os protestos, em um primeiro momento provocados em resposta a um fracassado projeto de reforma tributária, têm diminuído. A violência, no entanto, segue vindo à tona: somam-se a esse novo balanço ao menos 90 casos de lesões oculares, 28 de violência sexual e cerca de 2.000 prisões arbitrárias, bem como mais de 300 desaparecidos, como aponta o relatório Cali: No Epicentro da Repressão. Também são documentadas as agressões por parte de grupos de civis armados, “que, acompanhando agentes da Polícia Nacional, atacaram manifestantes e defensores dos direitos humanos, constituindo assim expressões de paramilitarismo urbano”.

À medida que os protestos e tumultos completaram um mês, no final de maio, depois de um novo dia de caos e violência, o presidente Duque ordenou a militarização de várias cidades do país. Uma delas foi Cali, capital do departamento de Valle del Cauca, no corredor do Pacífico. “A presença de militares com mais de seis décadas de treinamento para responder ao conflito armado nas ruas dos centros urbanos, em vez de dar uma mensagem de diálogo, alimentou os protestos”, diz o documento, que foca em uma cidade “caracterizada pela desigualdade, pela exclusão e pelo racismo estrutural”. E completa: “Cali mostra as luzes e as sombras de um país atravessado pela desigualdade e pela luta orgulhosa, corajosa, criativa e diversa de suas comunidades, que resistem e exigem viver em um país mais justo”.

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Ainda na cidade de 2,2 milhões de habitantes, o relatório também analisa três episódios específicos ocorridos em dias diferentes. O primeiro, denominado “Operação Siloé”, que se desenrolou no dia 3 de maio, evidencia o uso de armas letais contra manifestantes pacíficos em uma incursão de policiais e tropas de choque. Na mesma noite, foram registrados três mortos por ferimentos a bala. O segundo, em 9 de maio, refere-se aos tiros disparados por grupos de civis armados contra os manifestantes que participavam da minga indígena —regionalismo que virou sinônimo de resistência ou mobilização de povos originários— “na presença e com a tolerância de agentes da Polícia Nacional”. Esse dia em especial deixou um saldo de mais de uma dezena de feridos. Por último, já em 28 de maio, o documento denuncia novamente o uso excessivo da força por policiais que atuaram (dessa vez em coordenação com civis armados) no ataque a manifestantes em um bairro próximo à Universidade del Valle. O documento também reproduz as recomendações da visita feita por delegados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

“As autoridades colombianas violaram os direitos humanos daqueles que se manifestavam pacificamente em Cali, fazendo uso excessivo e desnecessário da força com o objetivo de desarticulá-los”, destacou Erika Guevara Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional. “Sob a justificativa do restabelecimento da ordem, centenas de pessoas sofreram ferimentos terríveis e dezenas de jovens perderam a vida. O que aconteceu em Cali é a manifestação da resposta violenta das autoridades e dos verdadeiros objetivos por trás desta repressão: infligir medo, desencorajar o protesto pacífico e punir quem exige viver em um país mais justo”, acrescentou.

Embora o Governo tenha lançado o que qualifica como uma “transformação integral” da polícia, a mudança não planeja retirar a corporação da alçada do Ministério da Defesa para fortalecer os mecanismos de controle e liderança civil, conforme recomendado por vários especialistas —e pela própria CIDH. “Esperamos que o processo de reforma da polícia anunciado pelo presidente Duque não fique apenas no papel mas, também, inclua as reformas ordenadas pela Corte Suprema de Justiça em setembro de 2020 e uma mudança no modus operandi repressivo da Polícia Nacional diante das manifestações pacíficas”, enfatizou Guevara Rosas. A Anistia Internacional recomendou às autoridades colombianas, entre outras várias medidas encabeçadas por uma lista de organizações, que seja feito o reconhecimento do caráter majoritariamente pacífico das manifestações. O relatório também pede que o Estado evite estigmatizar os protestos e que retire as forças militares de operações de ordem pública.

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