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A primeira semana da Constituinte chilena, marcada por tentativa e erro

O órgão aprova, com o apoio de 105 de seus 155 membros, um pedido de indulto para os detidos pelas revoltas e os “presos políticos mapuche” desde 2001

Elisa Loncón (d), presidenta da Assembleia Constituinte, no antigo Congresso Nacional, em Santiago.
Elisa Loncón (d), presidenta da Assembleia Constituinte, no antigo Congresso Nacional, em Santiago.Elvis González (EFE)
Rocío Montes
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Elected Constituent Elisa Loncon attends to the Chilean National Congress for the first Constituent Assembly session in Santiago, on July 4, 2021. - Clashes between demonstrators outside the congress and Chilean riot police suspended momentarily the inaugurating session of the 155 elected Convention members, 77 women and 78 men elected in an unprecedented parity vote and which reserved 17 seats for indigenous peoples, will draft a new Constitution, that will replace the current one -initially written by a small commission during the dictatorship of Augusto Pinochet (1973-1990)- as an institutional response to the crisis that triggered the wave of protests of October 2019 in demand of greater equality of rights and social welfare. (Photo by JAVIER TORRES / AFP)
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A primeira semana de funcionamento da Assembleia Constituinte chilena, que terá no máximo um ano para redigir uma nova Constituição, foi marcada por uma difícil instalação. Os 155 constituintes assumiram seus cargos no domingo retrasado, em cerimônia que foi suspensa por algumas horas por causa de conflitos nas ruas, e tiveram um atraso de 48 horas no início dos trabalhos por falta de suporte técnico no prédio do centro de Santiago onde farão suas sessões. O Governo de Sebastián Piñera, encarregado por lei de “dar o apoio técnico, administrativo e financeiro necessário à instalação e funcionamento da Constituinte”, substituiu o secretário executivo Francisco Encina, que teve meses para ter tudo pronto para o início da Assembleia. Os constituintes só puderam reunir-se na quarta-feira, em salas diferentes, para respeitar a lotação máxima requerida pela crise sanitária da covid-19.

Nas primeiras horas de funcionamento ficou evidente que a Assembleia Constituinte chilena é dominada pela oposição de esquerda. A Assembleia elegeu para a presidência a acadêmica Elisa Loncón, cuja candidatura era promovida pelos constituintes mapuches, os socialistas e a Frente Ampla. Com o apoio no segundo turno do Partido Comunista e da Lista do Povo—27 independentes antissistema capitalista—, a linguista mapuche alcançou facilmente 95 votos. A vice-presidência ficou nas mãos do advogado constitucionalista Jaime Bassa, da Frente Ampla, força política semelhante ao Podemos, da Espanha, que conseguiu instalar seus dois nomes na mesa do órgão constituinte. Embora tenha feito aliança com o Partido Comunista para disputar a Assembleia Constituinte, e seus candidatos ao La Moneda sejam concorrentes nas primárias em dentro de uma semana —o deputado Gabriel Boric e o prefeito Daniel Jadue —, as duas forças de esquerda mostraram diferenças nas primeiras horas da convenção, como nas candidaturas à presidência. De todo modo, a Frente Ampla, com 21 cadeiras, tem o triplo do número de constituintes dos comunistas (sete representantes).

Uma segunda amostra do poder da esquerda no órgão constituinte foi o comunicado divulgado na quinta-feira, o último dos dois dias em que a convenção teve sessões, à espera de retomar os trabalhos nesta próxima terça-feira. Com o voto a favor de 105 dos 155 constituintes, aprovou uma declaração de indulto aos detidos no âmbito das revoltas sociais de outubro de 2019 e aos “presos políticos mapuche” desde 2001, presos no contexto do conflito por terras na região da Araucanía. “A violência que acompanhou os acontecimentos de outubro foi consequência do fato de que os poderes constituídos foram incapazes de abrir uma oportunidade para criarmos uma nova Constituição e, hoje, quando estamos iniciando os trabalhos da Constituinte, devem se encarregar disso”, indica a declaração que foi rejeitada pela direita e algumas das correntes moderadas.

Embora líderes do Congresso, como a senadora democrata-cristã Yasna Provoste e o deputado governista Diego Paulsen tivessem feito um chamado pelo “respeito à institucionalidade democrática”, o texto acrescenta: “A Assembleia Constituinte, sem pretender interferir nem arrogar-se as competências ou atribuições de outros poderes do Estado, tem a responsabilidade política de se pronunciar perante o país em relação a essas situações contingentes que, claramente, contrariam o espírito que norteia seu trabalho: estabelecer um caminho de paz e justiça social para todas e todos os habitantes de nossa comunidade política”. Atualmente, o Congresso discute um projeto de lei que busca o indulto dos presos nos distúrbios, apesar de a Corte Suprema ainda não ter entregue seu relatório que esclareça esta condição e os crimes pelos quais estão privados de liberdade.

A declaração mexeu com a política chilena. Para Marcela Cubillos, uma das lideranças dos constituintes de direita, “o pronunciamento da maioria da Assembleia em defesa dos responsáveis pela violência não foi uma mera declaração, como alguns alegam. O texto é claro e diz por isso demandamos aos distintos poderes do Estado. Atuando de fato como soberanos”. No entanto, o texto foi apoiado até por alguns constituintes de centro-esquerda, como a jornalista Patricia Politzer. “Era um tema inevitável para começar a trabalhar como se deve”, disse a integrante do grupo Independentes Não Neutros. Rodrigo Rojas Vade, da Lista do Povo, endossa a medida: “Não sei quão autônomo é o Poder Judiciário quando a carreira no judiciário se dá por meio de nomeações políticas”.

A atuação da presidenta e do vice-presidente, por sua vez, não ficou de fora da polêmica, pelas reivindicações dos mesmos constituintes sobre o sistema de votação. Após a discussão sobre a necessidade de ampliação do número de integrantes da mesa diretora, Bassa admitiu erros na condução, que ele atribuiu à ausência de regulamentação, que deverá ser definida pelo mesmo órgão nas próximas semanas. “Não temos regras no momento para votar. Estamos tendo um aprendizado de tentativa e erro”, disse o advogado da Frente Ampla.

Com um trabalho contra o relógio, porque o texto constitucional será submetido a referendo no segundo semestre de 2022, há preocupações de diversos setores. Para Agustín Squella, acadêmico e ensaísta independente, constituinte de Valparaíso, “a contingência pode acabar devorando a Assembleia Constituinte”. Na mesma direção, o ex-presidente do Uruguai, José Mujica, declarou a um jornal chileno: “Temo que a Constituinte seja um balaio de gatos”.

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