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Gangues do Haiti ameaçam a oligarquia por causa do assassinato de Moïse

O maior chefe da máfia local, o temido ‘Barbecue’, anuncia represálias contra um grupo de famílias sírias e libanesas que considera donos do país

Jacobo García
Jimmy Barbecue Cherizieren,  em uma imagem de 2019.
Jimmy Barbecue Cherizieren, em uma imagem de 2019.Dieu Nalio Chery (AP)

Na capital do Haiti, Porto Príncipe, que aguarda com a alma encolhida as consequências do assassinato de seu presidente, só há uma nacionalidade que corre mais riscos do que a colombiana, e é a síria ou a libanesa.

Enquanto o assassinato de Jovenel Moïse está sendo investigado e os presos são interrogados, a rua fervilha de rumores e medos. O mais recente deixou de ser isso, um rumor, para se tornar uma ameaça real quando o chefe de todas as gangues criminosas do país, Jimmy Barbecue Cherizier, apareceu no YouTube lendo um comunicado em que promete vingança contra um grupo de famílias poderosas de origem árabe. “Vamos sair às ruas para pedir aos sírio-libaneses que mantêm este país como refém que nos devolvam o nosso país (...) Já está na hora que os negros de cabelos crespos como nós sejamos donos de supermercados, de concessionárias de carros e donos de bancos”, ameaçou com o rosto descoberto, vestindo uma jaqueta militar e dois bonés sobrepostos.

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Haitian citizens hold up their passports as they gather in front of the US Embassy in Tabarre, Haiti on July 10, 2021, asking for asylum after the assassination of President Jovenel Moise explaining that there is too much insecurity in the country and that they fear for their lives. - The widow of slain Haitian leader Jovenel Moise, who was critically wounded in the attack that claimed his life, issued her first public remarks since the assault, calling on the nation not to "lose its way." According to Haitian authorities, an armed commando of 28 men -- 26 Colombians and two Haitian-Americans -- burst in and opened fire on the couple in their home. So far, 17 have been arrested, and at least three were killed. A handful remain at large, police say. No motive has been made public. (Photo by Valerie Baeriswyl / AFP)
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HAI01. PUERTO PRÍNCIPE (HAITÍ), 11/07/2021.- El director general de la Policía Nacional de Haití, Léon Charles, habla en una rueda de prensa, en Puerto Príncipe (Haití). Las autoridades de Haití anunciaron este domingo la detención de uno de los supuestos autores intelectuales del asesinato del presidente Jovenel Moise, Christian Emmanuel Sanon, un médico residente en Florida, EE.UU. "Cuando se bloqueó el avance de los bandidos, la primera persona a la que llamaron fue Emmanuel Sanon", dijo Léon Charles. EFE/Orlando Barría
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Barbecue, como é conhecido entre os haitianos, é um ex-policial que há mais de um ano conseguiu algo inédito: por de acordo todas as gangues criminosas do país e formar a federação G9, uma organização que extorque, rouba e sequestra a população e ataca os policiais e os políticos da oposição, que acusa de terem se juntado à “burguesia fedorenta” para “sacrificar” Moïse na quarta-feira. “Foi uma conspiração nacional e internacional contra o povo haitiano”, disse no vídeo, que circula de telefone em telefone, diante de uma bandeira haitiana. “Dizemos a todas as bases que se mobilizem e saiam às ruas para que se jogue luz sobre o assassinato do presidente”.

Encoberto por um discurso político que promete fazer justiça entre os pobres e acabar com os “senhores do sistema”, Barbecue representa muitos dos males dos quais os haitianos vêm sofrendo há anos. Embora se apresente como o salvador das ruas, simboliza a acelerada decomposição do país que começou com a pandemia e continua com o assassinato do presidente. Ao vazio de poder, Barbecue agrega o ódio a um grupo de famílias de origem árabe localizadas na região de Petion Ville, que tradicionalmente controla a economia do país e faz parte do “grupo de oligarcas” apontado por Jovenel Moïse antes de morrer.

Barbecue é acusado de orquestrar massacres que mataram dezenas de homens, mulheres e crianças; a última matança de 15 pessoas no final de junho acabou com a vida de vários policiais, transeuntes escolhidos ao acaso, um jornalista e uma ativista de direitos humanos.

No dia em que Barbecue anunciou a formação da aliança das gangues, em julho de 2020, também apareceu no YouTube junto com sua “Família e aliados do G9” desfilando triunfantemente pelas ruas da capital acompanhado de vários líderes de gangues e dezenas de homens armados. Desde então, Barbecue expandiu seu poder e controla Delmas, Cité Soleil, La Saline, Martissant e Fontamar, onde vive a maioria do milhão de habitantes de Porto Príncipe. Organizações de Direitos Humanos acusam os membros das gangues do G9 de saquear e incendiar lojas, casebres e barracas de comida, estuprando mulheres sistematicamente ou assassinando ao acaso e desmembrando e queimando corpos com a intenção de deixar claro quem é o dono da capital.

A ascensão de Barbecue lembra os haitianos de figuras sinistras como a do sanguinário Luckner Cambronne, líder dos Tonton Macoute, que não hesitava em pendurar e carbonizar em praça pública quem ousasse ameaçar o poder dos Duvaliers durante os anos sessenta e setenta. Ou, mais recentemente, Guy Phillpe, o temido paramilitar que rodeava com pneus em chamas quem tentasse deter seu avanço durante o levante  contra Jean Bertrand Aristide em 2004.

Uma das dúvidas é quem será capaz de deter o levante. O Haiti pediu ajuda aos Estados Unidos para proteger “pontos estratégicos”, mas no fundo subjaz o temor e a incapacidade de fazer frente a um exército de bandidos fortemente armados, que ganhou poder de fogo graças ao crescente tráfico de drogas, com uma polícia mal equipada, cujos agentes ganham menos de 300 dólares (cerca de 1560 reais) por mês e que na época de Moïse protestou contra os baixos salários inclusive queimando seus próprios veículos.

A violência já provocou o deslocamento interno de mais de 17.000 pessoas, segundo dados do mês passado da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Antes de Barbecue lançar sua ameaça, o escritório das Nações Unidas no Haiti expressou sua preocupação com o “recrudescimento da violência” e organizações como Médicos Sem Fronteiras, que realizam um trabalho vital em um contexto de crise sanitária, tiveram de fechar temporariamente seu hospital em Martissant depois de sofrer um ataque armado contra suas instalações, localizadas na zona de guerra disputada pelos grupos armados de Grand Ravine e Ti Bois.

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