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Os truculentos episódios dos últimos dias de Trump na Casa Branca

Nova fornada de livros sobre o final do mandato do republicano traz à tona sinistros episódios sobre o ataque ao Capitólio e as eleições, inclusive com uma citação a Hitler

O ex-presidente Donald Trump em 7 de julho em seu clube de golfe, em Bedminster (Nova Jersey).
O ex-presidente Donald Trump em 7 de julho em seu clube de golfe, em Bedminster (Nova Jersey).JUSTIN LANE (EFE)
Amanda Mars

Em 1º de dezembro de 2020, o então procurador-geral dos Estados Unidos, William Barr, entrou na sala de jantar anexa ao Gabinete Oval da Casa Branca e encontrou um Donald Trump furioso. Acabava de ler as declarações em que, naquele mesmo dia, Barr apontava não ter encontrado nenhuma irregularidade nas eleições que pudesse alterar o resultado, que dava a vitória a Joe Biden.

– Você disse isso?, perguntou o presidente republicano.

– Sim, respondeu Barr.

– Como diabos pôde fazer isso comigo? Por que disse isso?

– Porque é verdade.

– Você deve odiar Trump, deve odiar Trump..., disparou o ainda presidente, falando de si mesmo em terceira pessoa.

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Àquela altura, o líder dos republicanos no Senado, Mitch McConnell, um dos membros mais poderosos do partido, vinha implorando a Barr que desse um passo à frente e desmentisse os boatos de fraude eleitoral que o presidente espalhava, porque era conveniente que os eleitores tivessem claro que Biden ia ocupar a Casa Branca e, como contrapeso, era necessário amarrar o controle da Câmara Alta, que dependia das duas cadeiras da Geórgia ainda a serem decididas. Mas nem McConnell nem outros republicanos podiam enfurecer Trump enquanto essas duas cadeiras continuassem em jogo.

– Olhe, precisamos do presidente na Geórgia, então não podemos atacá-lo de frente agora, mas você está em melhor posição para injetar um pouco de realidade nessa situação. Você é realmente o único que pode fazer isso, disse McConnell.

– Entendo e farei isso no momento apropriado, respondeu Barr. E esse momento chegou em 1º de dezembro, quando Trump leu a entrevista que Barr deu à agência Associated Press.

Os diálogos, relatados pelo próprio William Barr ao jornalista Jonathan D. Karl, fazem parte de Betrayal (Traição), livro que o correspondente-chefe da rede ABC em Washington publicará em novembro e que narra as entranhas dessa derradeira corrida desesperada do mandatário republicano para convencer que as eleições tinham sido roubadas. Sobre a mesma temática versa Frankly, We Did Win This Election: The Inside Story of How Trump Lost (Francamente, Nós Vencemos Essas Eleições: A História Interna de como Trump Perdeu), do repórter Michael C. Bender, do The Wall Street Journal, que estará à venda em 13 de julho; assim como Landslide: The Final Days of the Trump Presidency (De Goleada: Os Últimos Dias da Presidência de Trump), de Michael Wolff, com lançamento previsto na mesma data.

Os três títulos fazem parte de uma nova onda de livros que chegará às livrarias entre este verão e o próximo outono para dar conta da apoteose final de uma presidência insólita, como I Alone Can Fix (Posso Consertar Sozinho), dos repórteres Carol Leoning e Philip Rucker, que sairá uma semana depois. Também o veterano Bob Woodward e Robert Costa estão trabalhando juntos em um livro; assim como a jornalista Maggie Haberman, do The New York Times; e Susan Glasser, da revista New Yorker, a quatro mãos com o jornalista do Times Peter Baker, seu marido, entre muitos outros.

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Com sua forma de ser inflexível, Trump colaborou e deu entrevistas à maioria dos autores (não é o caso de Woodward e Costa, depois da irritação por causa do último livro do prêmio Pulitzer, Raiva). Apreciador dos holofotes, está ciente da importância de permanecer no centro das atenções se realmente pretende prosseguir sua carreira política, já que a expulsão das redes sociais o tirou da primeira linha. Embora, também por essa forma de ser inflexível, não demorou a se arrepender ao ver os primeiros trechos de alguns desses livros. Nesta sexta-feira qualificou de “total perda de tempo” as reuniões que teve com os jornalistas e chamou de “pura ficção” o que foi divulgado até agora.

O ex-presidente irritou-se especialmente com Michael C. Bender, correspondente do The Wall Street Journal na Casa Branca, que qualificou de “jornalista de terceira”. O livro de Bender traz momentos explosivos, como quando durante uma visita à Europa por ocasião do centenário do fim da Primeira Guerra Mundial, Trump supostamente disse ao seu então chefe de gabinete, general John Kelly: “Bom, Hitler fez muitas coisas boas”. Kelly, que ficou estupefato, estava explicando ao presidente como os lados daquele conflito eram formados e explicando as ligações entre a Segunda Guerra Mundial e as atrocidades do nazismo quando o magnata nova-iorquino abreviou a conversa com essa frase, que nesta semana negou ter pronunciado.

Frankly, We Did Win This Election também aborda os protestos e distúrbios nas cidades de Seattle e Portland no verão passado, dentro das mobilizações contra o racismo que aconteceram em todo o país depois da morte do afro-americano George Floyd ao ser preso pela polícia. De acordo com o livro, Trump pediu aos seus comandantes militares e das forças de segurança que fossem mais violentos contra os manifestantes. “Desçam-lhes o pau”, “atirem neles”, chegou a dizer em uma reunião, de acordo com o livro de Bender. O chefe do Estado-Maior Conjunto, o general Mark Milley, e o procurador Barr, ali presentes, replicaram e então Trump pediu: “Bom, então atirem neles na perna ou no pé”.

A vitória de Donald Trump rendeu uma série de livros, seu mandato deu origem a outros tantos, mas só o que aconteceu no ano passado já poderia encher a Biblioteca do Congresso, o que explica essa febre editorial. O trabalho dos jornalistas do The Washington Post Yasmeen Abutaleb e Damian Paletta, Nightmare Scenario: Inside the Trump Administration’s Response to the Pandemic That Change History (Um Cenário de Pesadelo: Por Dentro da Resposta da Administração Trump à Pandemia que Mudou a História) revela, por exemplo, que o republicano esteve muito mais doente do que transpareceu, porque naquele 2020 em que tudo aconteceu, não faltou nem mesmo a doença do presidente devido à covid-19.

Michael Wolff, autor do famoso Fogo e Fúria – Por Dentro da Casa Branca de Trump, publicado em 2018, inclui nestes últimos dias de presidência as horas frenéticas do 6 de janeiro, quando uma turba de seguidores de Trump atacou o Capitólio para torpedear a confirmação da vitória eleitoral de Biden. Depois de seu discurso de incentivo à tropa, o presidente disse que não se referia a uma rebelião no “sentido literal” e mostrou-se preocupado com a violência que via na televisão: “Isso é terrível. Quem é essa gente? Esta não é nossa gente, veja como estão vestidos esses idiotas. Parecem democratas”.

Os membros da Casa Branca de Trump também puseram mãos à obra para contar suas memórias desse período indelével. Seu genro e assessor, Jared Kushner, sua também assessora Kellyanne Conway, e o vice-presidente, Mike Pence, chegaram a acordos para publicar livros, não sem uma boa polêmica para as editoras com as quais negociaram, como é o caso da Simon & Schuster com o número dois do ex-mandatário. O próprio Donald Trump disse que está “escrevendo como um louco” sobre seus quatro anos de mandato. Será, promete, “o livro de todos os livros”.

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