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Fatura do divórcio do Brexit abre novo campo de batalha entre Reino Unidos e União Europeia

Governo Johnson rejeita o cálculo de Bruxelas, que ultrapassa em quase 40 bilhões de reais o valor previsto pelas autoridades britânicas

El ministro británico del Brexit, David Frost (izq.) durante la reunión con  el vicepresidente de la Comisión Europea, Maros Sefcovic, en Londres
O ministro britânico do Brexit, David Frost (à esquerda), durante uma reunião com o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, em Londres, em 9 de junho.POOL (REUTERS)
Rafa de Miguel
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O Brexit nunca foi um ponto final. Como também não é nenhuma sentença de divórcio. Quarenta anos de união deixam para trás um manancial de obrigações e compromissos que não caducam e sobre os quais, muitas vezes, as partes discordam e precisam chegar a um acordo. A Comissão Europeia calculou o valor final que Londres deve: 47,5 bilhões de euros (297,8 bilhões de reais). E Londres, que estimou a dívida em cerca de 41,4 bilhões (258,5 bilhões de reais), de acordo com seu Escritório de Responsabilidade Orçamentária (OBR, na sigla em inglês), não está disposta a aceitar essa cifra como definitiva. Somada aos direitos dos cidadãos residentes e à questão da Irlanda do Norte, a conta da separação foi uma das questões mais espinhosas durante as negociações do Acordo de Retirada. E como as outras duas, ressurge com a ameaça de turvar ainda mais as relações entre as duas partes.

A maioria dos compromissos pendentes corresponde às contribuições que o Reino Unido deveria fazer para o orçamento plurianual (7 anos) da UE. O referendo do Brexit foi realizado em 2016, mas as obrigações se estenderam até 31 de janeiro de 2020, quando terminou o período de transição. Quase metade dos pagamentos, que se destinavam a projetos de infraestrutura e programas sociais da UE, foram efetuados durante este período de transição. No entanto, restam ainda responsabilidades quanto ao custeio de aposentadorias e seguros de saúde dos funcionários do bloco europeu e empréstimos a terceiros países (à Ucrânia, por exemplo) que prolongarão as obrigações do Reino Unido até 2064, segundo cálculos do próprio OBR.

Em 2021, o Reino Unido deve liquidar uma primeira conta de 6,8 bilhões de euros, que foi comunicada a Londres em abril. “E não temos nenhuma indicação até agora de que haja qualquer contestação sobre a cifra”, disse o porta-voz oficial da Comissão Europeia. Na verdade, segundo a mesma fonte, o Reino Unido pagou a primeira prestação em junho e tem mais três parcelas a inteirar (em julho, agosto e setembro). “Não esperamos que surja nenhum problema”, disse o porta-voz. “Até agora, tudo o que precisava ser feito foi feito e não temos nenhum sinal de que os valores serão questionados”, acrescentou, segundo informa Bernardo de Miguel.

Embora o valor divulgado ainda não tenha a assinatura final dos auditores da UE, o Governo Johnson já emitiu uma primeira resposta em que questiona a firmeza do cálculo. “Esta é simplesmente uma estimativa contábil e não corresponde ao valor exato que está previsto que o Reino Unido pague à UE neste ano”, disse um porta-voz de Downing Street. “No final do ano, publicaremos os detalhes dos pagamentos e recebimentos que foram firmados no acordo financeiro.” O Reino Unido também espera receber algum dinheiro de volta, principalmente as suas participações de capital no Banco Europeu de Investimento, mas também a parte proporcional correspondente das multas pagas por grandes empresas, após terem sido sancionadas pelas autoridades da EU reguladoras da concorrência.

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Johnson chegou a prometer, durante a campanha das primárias pela liderança do Partido Conservador e em pleno processo de negociação com a UE, que não pagaria a dívida pendente se, no final, o Brexit fosse efetuado sem acordo. “Não é uma ameaça, simplesmente uma realidade”, disse ele em entrevista à rede ITV em agosto de 2019. Esses desafios não deram em nada quando Londres e Bruxelas finalmente fecharam um pacto, mas a fatura pendente sempre foi uma garantia segura de atiçar os ânimos dos tories mais eurocéticos, e uma revisão para cima como a divulgada nesta sexta-feira pode representar novos problemas para o primeiro-ministro britânico.

Embora os termos do acordo, conforme reconheceu o próprio OBR, envolvam muito menos dinheiro do que custaria ao Reino Unido permanecer membro da UE, o tempo decorrido desde a assinatura da separação mostrou que o Brexit não representava o ganho prometido pelos eurocéticos. Muitas das ajudas e projetos proporcionados por Bruxelas, tanto no âmbito da política agrícola comum, como em fundos estruturais ou contribuições à pesquisa científica, tiveram que ser financiados pelo orçamento britânico.

A FRÁGIL SITUAÇÃO DA IRLANDA DO NORTE

Londres e Bruxelas acertaram nos últimos dias uma trégua em torno da disputa sobre a Irlanda do Norte e a aplicação do Protocolo sobre essa região que ambos assinaram para salvar o Brexit. A UE concedeu uma nova prorrogação de três meses ao Governo Johnson para implementar os controles alfandegários com os quais se comprometeu, apesar da resistência interna dos principais partidos unionistas da Irlanda do Norte. O líder trabalhista, Keir Starmer, fez uma visita de três dias ao território britânico, onde se encontrou com líderes políticos e sociais. “Estou impressionado com a fragilidade da situação”, disse Starmer. “Essa é a palavra que todos me transmitiram.” O líder da oposição acusou Johnson de ter negociado o protocolo sabendo que seu cumprimento seria complexo e de ter escondido a verdade dos cidadãos da Irlanda do Norte. “E agora está tentando tirar a responsabilidade de sua aplicação”, acusou Starmer.


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