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Daniel Ortega investe contra os empresários em sua estratégia de repressão à oposição na Nicarágua

Justiça, sob controle do presidente, manda prender o executivo de um dos principais bancos do país e investiga integrantes de entidade ligada ao setor privado

Um grupo de policiais protege as instalações do Ministério Público em Manágua, Nicarágua, em 8 de junho.
Um grupo de policiais protege as instalações do Ministério Público em Manágua, Nicarágua, em 8 de junho.CARLOS HERRERA (Reuters)
Carlos S. Maldonado
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Daniel Ortega enviou uma mensagem clara aos nicaraguenses: no país centro-americano ninguém é intocável e qualquer um pode ser investigado e preso se o regime o considerar uma ameaça aos seus interesses. O último detido é Luis Rivas Anduray, presidente executivo do Banco de la Producción (Banpro), o principal da Nicarágua, com presença na América Central, Caribe e Equador. O banqueiro é acusado dos mesmos delitos que os demais detidos na escalada repressiva desencadeada por Ortega, incluindo incitar a ingerência estrangeira, pedir intervenções militares e usar financiamento externo para realizar atos de terrorismo que desestabilizem o regime. A justiça nicaraguense também está investigando 13 ex-diretores da Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento Econômico e Social (Funides), instituição de estudos ligada ao setor privado e que publica análises sobre a situação econômica do país. Entre os investigados estão dois dos mais poderosos empresários da Nicarágua, José Antonio Baltodano Cabrera e Jaime Javier Montealegre Lacayo. Uma juíza em Manágua lhes impôs a proibição de sair do país e o congelamento de suas contas bancárias.

“A prisão do principal executivo bancário do país turva ainda mais um ambiente econômico já cheio de desconfianças e incertezas, porque a mensagem aos investidores e consumidores é negativa e eles pensarão muito antes de investir ou contrair dívidas na Nicarágua”, explica o economista nicaraguense Enrique Sáenz. “Essa medida vai além da mera irresponsabilidade, porque as corridas aos bancos, os pânicos financeiros, são de natureza psicológica e, depois que se iniciam, não podem ser controlados nem pela repressão nem por medidas políticas. Essa medida de Ortega beira o suicídio, com a grande diferença de que levaria consigo não só o sistema financeiro, mas também uma economia frágil e uma sociedade vulnerável”, acrescenta Sáenz.

O Banpro reagiu com um breve e tímido comunicado à imprensa afirmando que a instituição “ratifica sua adesão às leis em vigor no país”. Nem condenação nem exigência de liberdade, o que demonstra o medo dos empresários diante de um regime que rompeu todos os limites. Até 2018, Ortega mantinha uma espécie de co-Governo com o setor privado, uma aliança estratégica com empresários que permitia os desmandos do sandinista em troca de negócios suculentos. O distanciamento veio quando Ortega quis impor pela força uma reforma da previdência que afetaria as aposentadorias e que foi rejeitada pelos empregadores porque impunha às empresas o pagamento de parcelas maiores. Um dos primeiros protestos maciços contra o regime, que atraiu dezenas de milhares de nicaraguenses, foi financiado por empresários, numa afronta direta a Ortega. Além disso, quando os Estados Unidos impuseram sanções à família e a funcionários de Ortega, os bancos do país desistiram de fazer negócios com o regime, temerosos de que essas ações provocassem retaliação de Washington e afetassem seus negócios na Nicarágua e no exterior.

Luis Rivas Anduray, presidente executivo do Banco de la Producción (Banpro). / BANPRO
Luis Rivas Anduray, presidente executivo do Banco de la Producción (Banpro). / BANPRO BANPRO

“Nesse ataque insano também há elementos de vingança”, diz o economista Sáenz. “Não é que os bancos tenham dado sinais de desafio, mas suas ações [contra o regime] se devem ao resguardo de seus interesses, os bancos fecharam suas instituições financeiras ao poder para se protegerem. Ortega tenta subjugar os grupos econômicos mais poderosos com esse ato de vingança”, analisa Sáenz.

Com a nova ofensiva repressiva, Ortega prendeu 16 pessoas na Nicarágua. Os primeiros perseguidos foram os aspirantes a uma candidatura da oposição, com especial pressão sobre Cristiana Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Barrios de Chamorro (1990-1996) e de Pedro Joaquín Chamorro, herói nacional assassinado pela ditadura de Somoza. Cristiana Chamorro havia acabado de anunciar seu interesse em participar do processo eleitoral, quando despertou grande simpatia entre os nicaraguenses. Foi então que a máquina da justiça se enfureceu contra ela, levantando um caso de lavagem de dinheiro por meio de sua fundação —que leva o nome de sua mãe—, uma organização que durante décadas apoiou o jornalismo independente. Depois foi a vez do ex-diplomata Arturo Cruz, o acadêmico Félix Maradiaga e o ex-vice-ministro da Fazenda Juan Sebastián Chamorro García.

Em seguida, foi detido José Adán Aguerri, ex-presidente do Conselho Superior da Empresa Privada (COSEP), que liderou uma mesa de diálogo de empresários em 2018 para encontrar uma solução para a crise política. E, depois, Violeta Granera, uma destacada ativista, e, no dia seguinte, José Pallais, um dos juristas mais lúcidos do país. No domingo passado foram presos os ex-guerrilheiros sandinistas Dora María Téllez, Victor Hugo Tinoco e Hugo Torres, considerados heróis da revolução sandinista. Todos os detidos são acusados de incitar uma intervenção estrangeira na Nicarágua para desestabilizar o Governo de Ortega.

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