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China promove ‘turismo vermelho’ para fomentar a devoção ao Partido Comunista

Visitas a lugares emblemáticos da Revolução se multiplicam no ano do centenário do PC chinês. O Governo lançou uma campanha para estudar a história do partido

La banda de música de la señora Guo en Zunyi (China), vestida con el uniforme del Ejército Rojo
O grupo musical da senhora Guo em Zunyi (China), vestido com o uniforme do Exército Vermelho, entoa uma canção revolucionária.ROMAN PILIPEY (EFE)
Macarena Vidal Liy
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Cranes unload soybeans imported from Brazil at a port in Lianyungang, Jiangsu province, China April 20, 2020. Picture taken April 20, 2020. China Daily via REUTERS ATTENTION EDITORS - THIS IMAGE WAS PROVIDED BY A THIRD PARTY. CHINA OUT.
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“Quando usamos este uniforme, sentimos o espírito do Exército Vermelho, não temos medo das dificuldades”, diz Guo Guanghua, de 71 anos. Como o restante do grupo musical que dirige, formado integralmente por aposentados entre 56 e 81 anos, exibe com orgulho o uniforme azul, de estrela vermelha no chapéu, das forças fundadas por Mao Tsé-tung e seus companheiros, e que acabariam derrotando os nacionalistas de Chiang Kai-shek em 1949. Alinhados em formação, esses 50 aposentados interpretam com bravura algumas das músicas mais populares da era maoísta na rua mais turística de Zunyi, uma cidade do sul famosa por seu papel na história do Partido Comunista da China.

“As pessoas adoram nossas canções. Muitos jovens param e nos escutam, e se juntam para cantar conosco. As canções os emocionam”, afirma Guo Guanghua, penteada com tranças ao estilo revolucionário. Sua próxima música é O Leste é vermelho, a canção mais emblemática daquela era. Um murmúrio de reconhecimento surge entre espectadores; há quem se anime a cantarolá-la, com devoção.

Neste ano, o Partido, a instituição mais poderosa da China, acima do Estado, comemora seu primeiro centenário. Com a pandemia da covid-19 quase superada dentro de suas fronteiras e em uma era de maior assertividade nacional e confronto com os Estados Unidos, o presidente chinês, Xi Jinping, lançou uma campanha para que os chineses estudem a história do partido e visitem os locais mas relacionados a ele.

Seja por interesse genuíno, conveniência política e falta de alternativas de viagem quando outros países ainda tentam derrotar o coronavírus, seus compatriotas responderam com fervor à convocação: somente na semana de férias de maio, as reservas relacionadas ao chamado turismo vermelho aumentaram 375% em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com o portal Ctrip. A agência de viagens virtual criou uma centena de rotas e espera que por volta de 50 milhões de pessoas as comprem.

Entre os lugares de peregrinação está Zunyi, uma cidade de seis milhões de habitantes nas montanhas da província de Guizhou. Em uma conferência realizada lá em 1935, durante a Grande Marcha das tropas comunistas, Mao Tsé-tung consolidou sua liderança do Partido sobre outros dirigentes rivais que disputavam sua estratégia e separou decisivamente o Partido Comunista chinês das diretrizes de Moscou, segundo a versão contada pelos historiadores oficiais.

No Museu da Revolução, um grupo de aposentados, também vestidos com o uniforme do Exército Vermelho como o grupo musical da senhora Guo, assiste à representação, em holograma, daquela reunião. Um grupo de ciclistas contempla relíquias daquela época. Zhang, uma turista de 55 anos que veio de Jilin, no nordeste da China, afirma que sua paixão pela história revolucionária a trouxe até aqui. “Este é um ano muito especial e quero aproveitar para ver e aprender tudo o que puder”, diz.

Um aposentado chinês passa em frente a imagens de Xi Jinping e Mao Tsé-tung, em uma loja de lembranças em Jinggangshan (China).
Um aposentado chinês passa em frente a imagens de Xi Jinping e Mao Tsé-tung, em uma loja de lembranças em Jinggangshan (China).ROMAN PILIPEY (EFE)

Kong Xia, cujo avô Kong Xianquan combateu no Exército Vermelho, narra aos visitantes histórias das penúrias diárias dos soldados durante a Grande Marcha (1934-1935), a penosa rota das tropas comunistas para fugir dos ataques japoneses e dos nacionalistas antes de encontrar refúgio em Yanan, no norte do país. “Acho que esse tipo de sofrimento nos inspira para que apreciemos mais nossas vidas tranquilas e prósperas de agora, e para tentar fazer bem nosso trabalho”, afirma a mulher.

Essa narrativa de sacrifício e resistência diante da adversidade compõe o núcleo do que, a quase 1.000 quilômetros a leste, definem como o “espírito de Jingganshan”, a recôndita localidade de 200.000 habitantes que, entre montanhas, serviu de primeiro enclave aos soldados comunistas e transformou o PC chinês em um partido de base camponesa, após suas origens na metrópole de Xangai. “As pessoas vêm de toda a China para ver Jingganshan como um lugar sagrado em suas vidas, um lar espiritual”, diz o responsável pela propaganda do Partido desse “berço da revolução”, Zhang Yanhua, durante uma visita de imprensa em abril organizada pelo Governo. “Se alguém tem problemas em sua vida, quando chega aqui pode ver os lugares onde tantos jovens sacrificaram suas vidas, e sentirá que é fácil vencer as dificuldades”.

O turismo vermelho movimenta enormes quantidades de dinheiro. É algo evidente na prosperidade de seus destinos, nos grupos que lotam as dezenas de lojas que vendem nas ruas mais turísticas todo tipo de lembranças revolucionárias. De reproduções dos isqueiros favoritos de Mao e alpargatas semelhantes às dos soldados na Grande Marcha, a chaveiros com efígies de soldados, passando por grandes estátuas douradas do Grande Timoneiro e retratos de Xi Jinping.

Somente Jingganshan gerou mais de 460 milhões de reais neste ano graças ao turismo revolucionário. Entre janeiro e março viu crescer seu número de visitantes em 6,52% em relação a 2019, até chegar aos 791.700 turistas. A renda se estende a outras localidades nas proximidades, como Mayun, em cujos arredores o Exército Vermelho treinou guerra de guerrilhas. Essa pequena aldeia promove a estadia em casas familiares com a promessa de reviver as experiências da Grande Marcha.

Turistas chineses posam diante de um símbolo do Partido Comunista, em Nanniwan, uma antiga base revolucionária
Turistas chineses posam diante de um símbolo do Partido Comunista, em Nanniwan, uma antiga base revolucionáriaTINGSHU WANG (Reuters)

Mas, além disso, as visitas aos principais lugares e o repasso à história do PC chinês reafirmam uma mensagem que Xi Jinping quis reforçar desde o começo de seu mandato, há nove anos. Que “o partido lidera todos, Governo, exército, sociedade e escola, ao norte, sul, leste e oeste”, como repetiu diversas vezes. Que somente o PC pode governar o país com sucesso e garantir a estabilidade. Que se a China já trata em condições de igualdade a outra grande potência, os Estados Unidos, e pretende superá-la, é graças ao Partido Comunista.

“Não importa quão longe chegamos, nunca esqueceremos o passado, e nunca esqueceremos por que empreendemos o caminho”, disse Xi Jinping em fevereiro. Segundo o presidente, ao estudar a história do Partido, seus militantes podem tirar lições desse passado, aumentar sua confiança de que o percurso é o correto e seguir em frente.

Mas a História a se estudar deve ser a oficial. Mergulhar demais nas tragédias da Revolução Cultural e do Grande Salto para Frente pode significar a acusação de praticar “niilismo histórico”. Desde fevereiro, os censores chineses eliminaram mais de dois milhões de comentários “danosos” na internet que contradiziam a versão divulgada pelos líderes.

Após sua visita ao Museu da Revolução de Jingganshan, essas são as conclusões que parece ter feito Li Gao, uma mulher de 65 anos que afirma ter vindo com sua família dirigindo desde Urumqi, a capital de Xinjiang, a 2.800 quilômetros de distância, para percorrer de carro a rota completa da Longa Marcha. Em uma esplanada onde grupos com lenços e bandeiras vermelhas fazem fila para entrar no recinto, Li Gao resume sua experiência em duas frases: “Eu me emocionei com a pobreza em que viviam os camaradas da época. A vida na China melhorou demais, de verdade”, conta na saída.

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