Direita chilena fica sem opções de veto aos artigos da nova Constituição

Partidos conservadores não obtiveram nem um terço da representação na Convenção Constitucional e suas alternativas para manter o Governo se diluem

Mesárias contam os votos em Santiago no dia 16 de maio.
Mesárias contam os votos em Santiago no dia 16 de maio.PABLO SANHUEZA (Reuters)
Rocío Montes
Mais informações
BOG500. BOGOTÁ (COLOMBIA), 19/05/2021.- Manifestantes marchan durante la cuarta jornada de Paro Nacional contra el Gobierno del presidente Iván Duque, hoy en Bogotá (Colombia). EFE/Carlos Ortega
Vladimir Safatle | Uma revolução molecular assombra a América Latina
Jóvenes manifestantes en las calles de Bogotá
Dos ‘centennials’ aos ‘pandemials’: o futuro truncado dos jovens na América
Juanita Millal, candidata izquierdista a la Constituyente del Partido del Pueblo
Independentes estremecem tabuleiro político do Chile e controlarão 64% da Assembleia Constituinte

A derrocada eleitoral que sofreu no fim de semana a direita chilena, no poder com Sebastián Piñera pela segunda vez desde o retorno à democracia, terá efeitos imediatos. Na Convenção Constitucional, que a partir de junho deverá redigir a nova Constituição, obteve apenas 37 das 155 cadeiras, o que a deixa abaixo do terço de representação necessária para poder bloquear as normas do texto. Assim, ficará encurralada em um órgão dominado pela esquerda.

Paralelamente, a direita sofreu uma grande derrota nas eleições municipais, pois perdeu cerca de 50 das 345 prefeituras e seu número de vereadores caiu. Também não ganhou no primeiro turno nenhum dos 16 governos regionais, uma eleição realizada pela primeira vez no Chile. Sua candidata ficou em terceiro lugar na Região Metropolitana de Santiago, a mais importante em número de habitantes. Seus catastróficos resultados, os piores que obteve nos últimos 30 anos, reduzem ao mínimo suas chances de manter o Governo nas eleições presidenciais de novembro.

“No Chile temos uma direita incapaz de levantar um projeto de acordo com as mudanças que a sociedade chilena experimentou”, diz a historiadora Isabel Torres Dujisin. “Quando digo novamente sem projeto, refiro-me ao período pré-ditadura, o que explica seu apoio incondicional a Augusto Pinochet (1973-1990). A ditadura permitiu-lhes a implementação do programa de choque neoliberal e, no retorno à democracia, este setor manteve o poder de veto parlamentar para impedir reformas”, indica a acadêmica do Departamento de Ciências Históricas da Universidade do Chile. “Nesse sentido, é uma direita míope.”

Na Convenção Constitucional o Chile será redefinido e uma nova Carta Fundamental substituirá a atual, que data de 1980, de Pinochet, embora submetida a cerca de cinquenta reformas na democracia. No órgão que será instalado em junho serão discutidos temas fundamentais como regime político e sistema de Governo, descentralização, regionalização, plurinacionalidade e modelo de desenvolvimento econômico. Nestas definições fundamentais a direita não terá força para negociar, pois tem apenas 23% dos votos na assembleia. É insuficiente para vetar determinados artigos, pois serão necessários dois terços para alcançar acordos.

Se somarmos os resultados das listas de esquerda, centro-esquerda e dos independentes sem partidos —que são a grande surpresa destas eleições com 31%—, a atual oposição dominará de longe o órgão constituinte.

“Se uma lógica de diálogo e debate se instalar na convenção como se anunciava antes dos resultados, com o objetivo de uma Constituição para o Chile e não para o Partido Comunista e a Frente Ampla [o conglomerado de esquerda que nasceu dos protestos universitários de 2011], seria possível haver espaço para buscar formas de entendimento que permitam que as instituições perdurem”, analisa Gastón Gómez, advogado e professor de Direito Constitucional da Universidade do Chile, um dos principais especialistas da centro-direita. “É preciso considerar também que a Constituição deve ser ratificada pelo plebiscito de saída”, acrescenta Gómez a respeito do referendo que deve ser realizado no segundo semestre de 2022.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

O Governo de Sebastián Piñera estava em uma grave crise muito antes das eleições do fim de semana. Os maus momentos para o Executivo começaram com as revoltas de outubro de 2019, que levaram todo o espectro da classe política chilena a oferecer o caminho constituinte como única forma de canalizar o descontentamento que abalou a democracia chilena. Os cidadãos responderam parcialmente, pois houve apenas 43% de participação nestas eleições, consideradas as mais importantes da história recente. “A apatia eleitoral parece ser principalmente do eleitorado de direita pela incapacidade de defender ou construir um projeto próprio”, diz a historiadora Torres Dujisin.

Há um ano que o Governo tem baixíssimos índices de popularidade (15%, segundo a sondagem da empresa Cadem) e com o passar do tempo ficou sem sua base eleitoral, que levou Piñera ao palácio de La Moneda em 2017 com o apoio de 54% do eleitorado. Sua coalizão, por sua vez, o abandonou, o que tem sido notoriamente manifestado no Congresso.

Para Darío Paya, advogado e ex-deputado do partido de direita UDI, o cenário era “previsível” considerando os resultados do plebiscito constitucional de outubro do ano passado, no qual apenas 22% dos cidadãos votaram pela manutenção da Constituição atual. Foi um eleitorado de direita que optou por esta alternativa. “Era completamente fantasioso supor que a direita não se sairia mal, porque esta eleição de convencionais era a segunda parte do mesmo exercício, segundo a visão das pessoas”, diz Paya.

“O resultado é menos surpreendente”, diz o advogado, “se considerarmos que o sistema eleitoral de eleição dos constituintes permitiu que independentes de esquerda, muitas expressões antissistêmicas, apresentassem listas sem necessidade de formar partidos nem ter plataformas únicas ou declarações de princípios”. “Eram regras completamente excepcionais no Chile e em qualquer lugar do planeta”, diz Paya, que foi embaixador do Chile na Organização dos Estados Americanos (OEA) entre 2010 e 2014. “Para que ocorresse a desintegração econômica e social de um país como a Venezuela, obviamente muitas coisas tem que acontecer antes —que acredito serem possíveis no longo prazo no caso do Chile—, mas a primeira parada é a realidade argentina e o Chile hoje está dando um passo em direção ao peronismo institucional”.

Em um cenário político líquido e marcado pela incerteza, as possibilidades dos candidatos presidenciais no campo da direita se estreitam. O militante da UDI, Joaquín Lavín, que lutou voto a voto pela presidência com Ricardo Lagos em 1999, está na dianteira em uma corrida interna com o economista Ignacio Briones e o advogado Sebastián Sichel (ex-ministro da Fazenda e de Desenvolvimento Social do atual Governo, respectivamente) e o líder do partido Renovação Nacional, Mario Desbordes. Os quatro disputarão as primárias no dia 18 de julho, em um imparável ritmo eleitoral chileno.

Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS