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Presidente do Chade morre em combate contra rebeldes poucas horas depois de reeleito

Mahamat Idriss Déby, filho do falecido chefe de Estado, assume o poder à frente de uma junta militar e anuncia uma transição de 18 meses

O presidente chadiano, Idriss Déby, durante visita a Israel em 2018.
O presidente chadiano, Idriss Déby, durante visita a Israel em 2018.AMMAR AWAD (REUTERS)
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SENSITIVE MATERIAL. THIS IMAGE MAY OFFEND OR DISTURB International Organization for Migration (IOM) workers and security forces look at the bodies of suspected migrants who died after their boat capsized off the Coast of Djibouti April 12, 2021. International Organization for Migration/Handout via REUTERS THIS IMAGE HAS BEEN SUPPLIED BY A THIRD PARTY. FOR EDITORIAL USE ONLY, NOT FOR MARKETING OR ADVERTISING CAMPAIGNS. NO RESALES. NO ARCHIVES. MANDATORY CREDIT.
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O presidente do Chade, Idriss Débi, morreu nesta terça-feira em consequência de ferimentos sofridos durante os combates à frente de suas tropas contra um grupo rebelde armado no norte do país, segundo informou o general Azem Bermandoa Agouna, porta-voz do Exército, em um comunicado lido na televisão nacional. “O presidente da República, chefe de Estado, chefe supremo dos exércitos, Idriss Déby Itno, acaba de falecer defendendo a integridade territorial do Chade no campo de batalha”, diz o texto. A reeleição do presidente chadiano para seu sexto mandato tinha sido informada nesta segunda-feira pela comissão eleitoral, que anunciou sua vitória nas eleições de 11 de abril com 79,32% dos votos. Em um país marcado por conflitos constantes desde sua independência em 1960, o próprio Déby chegou ao poder, há 31 anos, liderando uma rebelião.

Com um perfil autoritário marcante e no comando do exército mais aguerrido da África Central, Déby se tornara aliado indispensável do Ocidente e em particular da França na luta contra o jihadismo na região do Sahel. Mas sua vitória eleitoral se deu em meio a uma nova rebelião que estourou no norte do país, na qual as Forças Armadas alegaram ter matado mais de 300 combatentes no último fim de semana.

O presidente já foi substituído por um conselho militar liderado por um de seus filhos, o general Mahamat Idriss Déby Itno, anunciou o porta-voz do Exército na rádio estatal. Até então, o novo presidente do país era o comandante da Guarda Presidencial. “O conselho se reuniu rapidamente e promulgará o mais rápido possível a agenda da transição”, disse o general Agouna. Mahamat Idriss Déby, de 37 anos, teve uma carreira militar fulgurante, liderou as tropas do Chade no Mali durante a operação Serval, em 2013, e chefiava a Direção-Geral dos Serviços de Segurança das Instituições do Estado (DGSSIE), que era responsável pela proteção de seu pai. Em 28 de fevereiro, o líder da oposição Yaya Dillo acusou o general Déby de ser o chefe da unidade militar que matou sua mãe e filho em um ataque à residência deles em N’Djamena.

A Constituição foi suspensa e o Parlamento e o Governo dissolvidos, de modo que a junta militar, composta por 15 membros, concentra todo o poder. Os novos dirigentes do país anunciaram, também por meio da rádio estatal, 14 dias de luto oficial e que permanecerão no poder por um período de 18 meses para o qual designarão um Governo de transição. Após esse período, serão realizadas eleições “livres, democráticas e transparentes”, disseram os militares.

Após o anúncio dos resultados eleitorais na segunda-feira, vários militantes do Movimento de Salvação Patriótica (MSP) foram às ruas de N’Djamena, capital do país, para celebrar uma vitória tão retumbante quanto o esperado. Três dos principais dirigentes de uma oposição dividida retiraram sua candidatura por causa da violenta repressão das manifestações que exigiam uma alternância pacífica e do constante assédio aos seus atos políticos. Os outros seis candidatos tinham poucas chances nas urnas.

Com a opção das urnas praticamente fechada para que ocorresse uma mudança de regime, a ameaça mais séria ao poder absoluto de Déby procedia justamente das contínuas rebeliões que eclodem no norte e no oeste do país. A última delas, em que morreu Déby, começou precisamente no dia das eleições e é chefiada pela Frente para a Alternância e a Concórdia do Chade (FACT, na sigla em francês), que atacou na região de Kanem a partir de suas bases no sul da Líbia. Os combates se intensificaram no fim de semana e o Exército afirmou ter matado “mais de 300 rebeldes”.

Na habitual guerra de propaganda, a FACT afirma, porém, que assumiu o controle de Kanem. Este grupo armado recebeu o apoio dos insurgentes da União das Forças de Resistência (UFR), que já em 2008 haviam deixado o presidente Déby acuado em uma rebelião que conseguiu chegar às portas de N’Djamena e foi derrotada graças a uma intervenção francesa. Essa tem sido a constante nos últimos anos. Em 2019, aviões Mirage 2000 franceses bombardearam uma coluna da UFR que havia penetrado solo chadiano, também vinda da Líbia, com o objetivo de avançar sobre a capital.

Trajado habitualmente com uniforme militar, Déby costumava comandar pessoalmente o Exército em ofensivas, como aconteceu em 1º de fevereiro de 2008, quando quase morreu em Massaguet, a 80 quilômetros da capital, lutando contra uma coluna de insurgentes. Recentemente, apareceu à frente de suas tropas em uma operação militar contra o Boko Haram. Desta vez, esse costume lhe custou a vida.

O respaldo inabalável do Palácio do Eliseu ao autocrata chadiano se baseava em seu apoio à operação militar Barkhane contra o jihadismo no Sahel, na qual a França mantém mais de 5.000 soldados em terra desde 2014. N’Djamena abriga o quartel-general dessa investida francesa, que também opera no Níger, Mali e Burkina Faso. Há uma década o Chade enfrenta os jihadistas do Boko Haram e do Estado Islâmico da África Ocidental na área do Lago Chade, onde sofreu pesadas ofensivas. Também contribui com tropas para o G5 do Sahel no oeste do Níger e participa da missão da ONU no Mali, onde teve dezenas de baixas.

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O envolvimento do Chade na luta contra o jihadismo levou a violência radical à própria N’Djamena em 2015, com uma série de atentados em que 28 pessoas morreram, na maioria policiais e militares. Diante dessa dupla ameaça de terrorismo e rebeliões, e inúmeros conflitos próximos às suas fronteiras, como os da Líbia, do Sudão e da República Centro-Africana, o Exército do Chade se tornou gradativamente o mais robusto da região mediante a aquisição de tanques, aeronaves e helicópteros graças a recursos provenientes do petróleo que tem sido explorado sobretudo por empresas chinesas há cerca de 20 anos.

Ao mesmo tempo, as Forças Armadas do Chade têm estado no centro de controvérsias por seu pouco respeito pelos civis, execuções extrajudiciais e uso excessivo da força. No início de abril, a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Níger identificou soldados chadianos que participam de operações militares contra o jihadismo como os autores de um crime de estupro contra ao menos duas mulheres e uma menina de 11 anos, fatos admitidos pelo Exército, que anunciou que os responsáveis foram presos.

Apesar da riqueza do país, que se destina grande parte para as Forças Armadas, a população do Chade é uma das mais pobres do mundo, com 60% de seus 16 milhões de habitantes sobrevivendo com menos de um dólar por dia, de acordo com a Oxfam. O país está situado entre o terceiro e o último lugar na lista de nações por Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que leva em consideração indicadores como expectativa de vida, escolaridade e PIB per capita. Enquanto isso, a desnutrição, o casamento precoce e a violência são ameaças constantes para dezenas de milhares de crianças, de acordo com a UNICEF.

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