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Partido Comunista Cubano declara economia e produção de alimentos como “segurança nacional”

As lojas estão desabastecidas e a complexa reforma monetária em andamento fez os cubanos perderem grande parte de seu poder aquisitivo

Participantes do VIII Congresso do Partido Comunista de Cuba.
Participantes do VIII Congresso do Partido Comunista de Cuba.Ariel LEY ROYERO (EFE)
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People pass by an image of late Cuban President Fidel Castro amid concerns about the spread of the coronavirus disease (COVID-19), in Havana, Cuba, July 19, 2020. REUTERS/Alexandre Meneghini
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O VIII Congresso do Partido Comunista de Cuba, que terminará na segunda-feira com a retirada voluntária de Raúl Castro e a aposentadoria simbólica da velha-guarda, confirmou nos dois primeiros dias que a principal partida em jogo no país é econômica e que do resultado desse xadrez depende em grande parte a sobrevivência da revolução. Tanto no relatório central ao Congresso, apresentado na sexta-feira por Raúl, quanto nas comissões em que trabalham os 300 delegados que participam do conclave, a economia e, especificamente, a produção de alimentos nestes momentos de grave crise e desabastecimento, foram os temas centrais. “A estrutura produtiva não consegue atender aos níveis de demanda da população. Este assunto não é apenas uma prioridade, mas é uma questão de segurança nacional”, disse o primeiro-ministro Manuel Marrero.

Marrero preside a comissão Econômica e Social, uma das três nas quais os delegados estão distribuídos. Nela são abordados temas relevantes, como as novas diretrizes da política econômica que devem vigorar nos próximos anos ou a chamada “conceituação e atualização do modelo”, dois dos documentos importantes que o conclave dos comunistas cubanos deve aprovar e que devem definir o alcance da reforma econômica.

Um dia antes do início do VIII Congresso, Marrero e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel ―que dirige outra das comissões―, tiveram um inédito encontro com representantes do setor privado e das empresas estatais. Ambos destacaram o compromisso do Governo em promover as chamadas Formas de Gestão Não Estatal (FGNE), que nada mais são do que o setor privado, cada vez mais dinâmico e chamado a desempenhar um papel fundamental na reativação da economia.

Na reunião com os trabalhadores autônomos, o primeiro-ministro confirmou que a legislação para a legalização e o funcionamento das micro, pequenas e médias empresas já está preparada e que em breve começará a ser implementada. “Temos um desafio pela frente e o Governo, assim como reafirma sua visão sobre o papel que a empresa estatal socialista tem a desempenhar na economia nacional, ratifica a prioridade e a importância da consolidação e do desenvolvimento de outras formas de gestão não estatal”, disse Marrero.

Vários economistas destacaram a realização da mencionada reunião às vésperas do Congresso e consideraram-na um bom sinal. “Se a vontade política e as evidências práticas forem expressas com firmeza a favor do rumo da reforma, se o que está no documento da Conceituação e o que está contido na nova Constituição ganharem vida e dinamismo, se os resultados do Congresso confirmarem com sua política de autoridade este rumo, estaríamos no caminho para a superação dos enormes desafios que Cuba enfrenta hoje”, disse o economista Julio Carranza, que, como outros analistas, desde posições de esquerda, há anos adverte que “o tempo é uma variável crítica”.

Também não passou despercebido o recente anúncio de 63 medidas para reativar a produção agropecuária, incluindo a autorização aos camponeses para comercializar carne de rês e leite livremente, uma vez cumpridos os compromissos com o Estado, algo que até agora era quase um tabu. No mesmo dia em que informou as medidas, o ministro da Agricultura, Gustavo Rodríguez Royero, foi demitido.

Neste momento, a situação é delicadíssima nas ruas de Cuba. As lojas estão desabastecidas, os alimentos escasseiam, as filas são desesperadoras e, para aumentar os problemas, a complexa reforma monetária em andamento fez os cubanos perderem grande parte de seu poder aquisitivo. Com o país no vermelho, praticamente sem a receita do turismo por conta da pandemia do coronavírus ―que bate recordes de infecção nestes dias―, além das graves avarias econômicas causadas pelas 240 medidas adotadas pela Administração Trump durante seus quatro anos de mandato, Cuba necessita urgentemente de oxigênio. E há consenso de que esse oxigênio só pode vir das mudanças que as próprias autoridades introduzirem nas políticas econômicas, pois está claro que as seguidas até agora não funcionaram.

Como ficará definida a “conceituação e a atualização do modelo” no Congresso é uma das coisas a ver, embora Raúl Castro já tenha dito claramente no relatório central que em Cuba a empresa estatal e o planejamento central continuarão sendo predominantes. Em seu discurso, Castro alertou que a abertura ao setor privado teria “limites”, embora não os tenha definido com precisão. Os documentos que forem aprovados, e depois a vida e as urgências econômicas dirão até onde Cuba está disposta a chegar. A questão, como disse Marrero, é de “segurança nacional”.

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