_
_
_
_
_

Como ser um bom comunista na China

Espalhadas por todo o país, 3.000 escolas formam os quadros do partido. Entrar é um processo que se prolonga durante anos.

Comunismo China
Turistas em loja de souvenirs temáticos da China comunista, na cidade de Jinggangshan, província de Jiangxi, na sexta-feira passada.ROMAN PILIPEY (EFE)

No enorme auditório, o professor começa a aula. Às suas costas, numa tela tamanho cinema, uma imagem do presidente chinês, Xi Jinping, observa os alunos com benevolência. Junto a ele, uma de suas citações exorta a estudar com afinco a história do Partido Comunista da China (PCC) e a aplicar suas lições para o futuro. Protegidos por máscaras, 40 estudantes ouvem em silêncio. São quase todos homens de meia-idade, vestidos em sua maioria com jaquetas de zíper e cores escuras, comuns entre os funcionários do partido.

Mais informações
FLE - In this May 28, 2020, file photo, Chinese President Xi Jinping applauds during the closing session of China's National People's Congress (NPC) in Beijing. The ruling Communist Party is celebrating the official end of extreme poverty in China with a propaganda campaign that praises Xi’s role, part of efforts to cement his image as a history-making leader who is reclaiming his country’s rightful place as a global power. (AP Photo/Mark Schiefelbein, File)
Pequim busca o controle político absoluto sobre Hong Kong
O presidente chinês, Xi Jinping, durante um discurso em maio pelo 200º aniversário do nascimento de Marx
Estudantes marxistas, os novos inimigos do Governo chinês
Dezenas de delegados no Congresso do PCC, neste domingo, em Pequim.
Não é tão fácil ser um comunista na China

A Academia Chinesa de Liderança Executiva, em Jinggangshan (sudeste da China), não é uma escola qualquer. Estabelecida nas montanhas onde o PCC fundou sua primeira base revolucionária, um século atrás, é um dos quase 3.000 centros de formação do Partido Comunista. Distribuídos por todo o território chinês, neles os chefes e membros do partido recebem atualizações ideológicas e adestramento sobre como exercer seus cargos. Para os funcionários que aspiram a uma promoção, a passagem por uma destas instituições durante um período de três a seis meses, é algo obrigatório. Outros frequentam cursos de atualização, com duração de uma semana ou dez dias.

Pelas salas de aula de Jinggangshan, em um terreno idílico rodeado de bosques e azaleias selvagens, passam anualmente até 12.000 alunos: funcionários, militares, empresários ou universitários. Uma gravura com a mesma altura da parede, na entrada, enumera em grandes caracteres os princípios do partido. “Procurar a verdade a partir dos fatos” é o primeiro deles. Pelos corredores de um de seus três blocos, uma tela digital marca a hora enquanto vai mostrando frases de Xi Jinping. Professores e diretores do centro também citam profusamente o líder.

Neste ano em que o PCC ―a instituição mais poderosa e onipresente da China―celebra seu centenário, o papel das escolas do partido em azeitar a correção ideológica de seus militantes adquiriu uma importância especial. É fundamental que os 92 milhões de comunistas oficiais estejam perfeitamente alinhados com as tese da agremiação. Nada de “niilismo histórico”, como o PCC descreve a tendência a se centrar nos aspectos mais negativos de seu passado. Xi lançou uma campanha para que os membros do partido estudem a história da formação e saibam “enfrentar melhor todo tipo de risco e os desafios previsíveis ou imprevisíveis no caminho pela frente”.

Durante uma visita de jornalistas organizada pelas autoridades chinesas, a aula de hoje do professor Cheng Shengma é, obviamente, de história. Seus alunos tomam notas diligentemente, enquanto Cheng repete a todo momento as palavras de Xi para explicar as batalhas dos primeiros anos daquela primeira base revolucionária, “onde tudo começou, o berço da revolução, o alicerce da nação chinesa”.

Zhou Shaoxin, funcionária do Banco Central da China, 49 anos de idade e 12 como membro do partido, é parte da turma de alunos e diz que o curso está sendo muito proveitoso. “Sinto-me purificada. Aqui podemos captar melhor o verdadeiro espírito revolucionário e aplicá-lo em nosso cotidiano”, diz, com semblante entusiasmado. O “espírito de Jinggangshan”, uma expressão que os diretores da academia sempre repetem, envolve “ser firme em suas convicções, aderir a elas” diante das dificuldades.

Além da história do partido, sua especialidade, a academia de Jinggangshan leciona também outras matérias, incluindo o marxismo e o pensamento de Xi Jinping, junto a questões mais relacionadas a gestão, como a resposta a emergências. Neste ano o currículo incorporou os ensinamentos do Quinto Plenário do Comitê Central do partido e o 14º Plano Quinquenal, aprovado no mês passado.

Vários alunos tomam notas na academia de liderança executiva da China em Jinggangshan.
Vários alunos tomam notas na academia de liderança executiva da China em Jinggangshan.ROMAN PILIPEY (EFE)

A meta, diz seu diretor, Mei Liming, é “aumentar a competência e a qualidade da liderança” dos membros do partido. Um bom comunista, um líder ideal, deve demonstrar “lealdade, honestidade, limpeza de comportamento e responsabilidade”, salienta.

Não faltam voluntários ao PCC, que se descreve como “a formação comunista mais numerosa do mundo”. Apesar de o número de interessados ter caído, em dezembro de 2019 ―os últimos dados disponíveis― tinha 91,91 milhões de membro, um aumento de 1,32 milhões com relação ao ano anterior, e que significa que 6,5% da população da China é militante da formação. Foram apresentadas 19 milhões de solicitações de ingresso, das quais foram aprovadas aproximadamente nove milhões.

Em parte, a queda no número de solicitações se deve a uma tentativa, desde a chegada de Xi ao poder, em 2012, de aumentar essa “competência e qualidade da liderança”, mediante requisitos de admissão mais rigorosos. Agora é favorecida a entrada de universitários, enquanto cai a representação dos camponeses e trabalhadores, que nas suas origens formaram sua coluna vertebral: representam 34,8% dos militantes, frente a 50,7% de membros com um diploma superior. As mulheres estão pouco representadas: somam apenas 27%, e só há uma, a vice-primeira-ministra Sun Chunlan, entre os 25 membros do Politburo, o segundo nível de comando do PCC. Não há nenhuma mulher no Comitê Permanente, o nível mais alto.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

Um processo de vários anos

Entrar no partido é um processo que se prolonga durante anos. Começa com uma solicitação por escrito ao diretório local. A ela se acrescentará depois um currículo e dados sobre a família e contatos do aspirante, assim como o histórico político de seus pais. Se o pedido for aceito, o candidato terá que passar por um ano de formação, fiscalizado por dois membros de pleno direito, período em que terá que escrever a cada três meses redações sobre os princípios do PCC e os últimos acontecimentos políticos. Oito colegas, conhecidos ou vizinhos terão que atestar a idoneidade de seu caráter.

Se tudo correr bem, chega então a aceitação oficial. Dois militantes do partido, normalmente os supervisores, devem avalizá-la. Um membro de nível hierárquico superior examinará a candidatura, em um prazo que oscila entre três e seis meses, e submeterá o aspirante a uma entrevista. Caso seja aprovado, ele se torna membro provisório. Só um ano mais tarde será nomeado membro definitivo.

Chegar lá pode exigir várias tentativas. Yao, aluno da academia de Jinggangshan, obteve o ingresso aos 37 anos e admite que “não é fácil conseguir”. O melhor exemplo? O próprio Xi. Ele mesmo, segundo a lenda, precisou repetir sua solicitação 10 vezes.

Apoie nosso jornalismo. Assine o EL PAÍS clicando aqui

Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_