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As eleições colocam em prova a economia do Peru

O próximo Governo herdará uma situação econômica complicada e que é agravada pela situação política. Previsão é que a disputa presidencial se encaminhe para o segundo turno

Centenas de pessoas participam de manifestação contra a quarentena, em Lima, em janeiro.
Centenas de pessoas participam de manifestação contra a quarentena, em Lima, em janeiro.Paolo Aguilar (EFE)
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A história econômica do Peru é contada como um sucesso. Um país latino-americano que se abriu ao investimento privado, desenvolveu uma indústria mineradora forte, se apegou à disciplina fiscal e tirou milhões da pobreza. Mas no domingo os peruanos decidirão se desejam ou não continuar com este modelo econômico quando forem às urnas para votar em seu próximo Governo. Cinco candidatos a presidente e concorrentes a legisladores exploram na campanha uma enorme vulnerabilidade exposta pela pandemia: a desigualdade.

O Peru sofreu a queda econômica mais profunda na América Latina no ano passado após a Venezuela, com o desabamento de 11% de seu Produto Interno Bruto (PIB) causado pelos confinamentos da pandemia. O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera que sua recuperação seja a maior na região neste ano, por volta de 8,5%. Durante mais de uma década, o país cresceu rapidamente, impulsionado em parte por um boom internacional de matérias-primas que permitiu ao Peru aproveitar suas minas. Graças a uma política fiscal forte, o Governo reduziu sua dívida pública a um nível muito baixo. Hoje, o Peru tem a melhor avaliação creditícia na América Latina depois do Chile.

De 2006 a 2019, o país reduziu a pobreza da população de 20% a 12,7%, segundo uma estimativa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O Banco Mundial afirma que seu coeficiente Gini, um indicador que mede a desigualdade, baixou drasticamente nesses anos. Mas a pandemia expôs o que há por trás dessas métricas. Em novembro explodiu uma crise política causada, em parte, pela falta de confiança no Governo e, também, pela evidência de que uma parte da população estava vivenciando a pandemia a partir de uma posição de privilégio e segurança enquanto muitos outros sofriam na informalidade. Em duas semanas nesse mês, o Peru teve três presidentes e as ruas da capital explodiram em protestos que foram duramente reprimidos pela polícia.

A situação obriga a perguntar por que, se o modelo econômico foi tão bem-sucedido, há tanto descontentamento. A resposta divide os especialistas.

“Sinceramente, não acho que o Peru seja um caso de sucesso econômico”, diz Marco Avilés, acadêmico e autor peruano especializado em racismo e identidade, “porque um país que está continuamente motivando as pessoas a sair, a deixar suas terras, a migrar em busca de coisas elementares, como acesso à uma escola, uma universidade e a um hospital, não é um país bem-sucedido”. Um terço dos 32 milhões de peruanos vive na capital Lima porque para gozar dos avanços econômicos do país é preciso morar na cidade, diz Avilés, que atualmente cursa um doutorado na Universidade da Pensilvânia. Durante a pandemia, por exemplo, histórias de pessoas morando no campo que faleceram em viagens de até 12 horas ao hospital mais próximo inundaram as redes sociais.

“Diante deste espetáculo de morte e de migração, muitas pessoas começaram a usar esse lugar comum de que a pandemia nos mostrou as desigualdades, mas as desigualdades sempre existiram no Peru. O que acontecia era que, nas elites, essas desigualdades não apareciam e também não interessava às elites discuti-las”, diz Avilés. “Acho que agora, nessas eleições em particular, é muito forte a sensação de que os que realmente decidem quem governa são grupos de empresários muito retrógrados”. É pouco provável que os vencedores das eleições sejam definidos, pelo menos ao cargo de presidente, no domingo, já que o voto está fracionado entre vários candidatos. A previsão é que a eleição vá ao segundo turno.

O próximo Governo herdará uma situação econômica complicada e que é agravada pela situação política, diz Pedro Tuesta, economista peruano e consultor independente. Para poder recuperar o terreno pedido, o país dependerá do comércio exterior e de uma vacinação rápida, mas existe o risco de que o Congresso termine dividido em tamanha quantidade de partidos que não chegarão a um acordo sobre como consegui-lo. “O mais fácil seria que, diante de um Congresso em que há membros de 10 diferentes partidos políticos, os partidos se unam para passar medidas populistas, porque todo mundo gosta de gastar”, afirma, “uma proposta mais racional de longo prazo não gera votos no curto prazo”.

Maior gasto não garantiu ao Peru uma menor desigualdade e melhor qualidade de vida. Há um ano, o Peru anunciou um ambicioso pacote de ajudas econômicas equivalente a 12% de seu PIB como medida de emergência pela pandemia, mas os resultados não foram os esperados. Durante o segundo trimestre do ano a economia caiu 30%, sua pior queda na história, e grande parte da população mais vulnerável não recebeu a ajuda por operar na informalidade.

“Ficamos muito preocupados pelo fato de que esta eleição está causando muito debate sobre um modelo que serviu tão bem ao país, mas que vem sendo questionado, e que está à beira do abismo, em relação a possíveis mudanças constitucionais, por um giro das políticas públicas a um pouco mais de populismo, maior irresponsabilidade fiscal e um pouco de hostilidade ao setor privado”, diz Jaime Reusche, analista de risco creditício da dívida soberana do Peru na agência de qualificação Moody’s.

“Isso é particularmente perigoso do ponto de vista da qualificação porque é algo que estaremos observando, não somente durante as eleições de 11 de abril, e sim também no segundo turno e qual é a agenda de políticas públicas apresentada pelo novo Governo neste momento tão importante”, acrescentou Reusche.

Mas o mais duro, diz Reusche, é o retrocesso que o país está sofrendo. “O pouco que foi possível avançar em relação à geração de empregos formais se perderá”, diz o especialista, “estamos falando de um retrocesso de quase uma década, em relação a progresso social, porque era dado como certo que muito desse crescimento econômico chegaria e se infiltraria em muitos setores da população, não todos, mas uma grande quantidade deles, que receberam maiores rendimentos e melhores oportunidades”.

“É esse progresso social vivenciado que irá gerar muitas reclamações da população, e é talvez por isso que vemos esse pedido, esse chamado da população por cair na tentação do populismo”, conclui Reusche, “porque é a saída mais fácil de recuperar, aos olhos do cidadão comum, o progresso perdido da última década”.

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