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O conflito de López Obrador com o feminismo marca um 8 de março de indignação e protesto

O presidente atribui as críticas a uma “campanha de difamação” enquanto cresce a rejeição à cerca em volta do Palácio Nacional, coberta com nomes de vítimas de feminicídio

A cerca no perímetro do Palácio Nacional do México, tomada pela inscrição de nomes de vítimas de feminicídio.
A cerca no perímetro do Palácio Nacional do México, tomada pela inscrição de nomes de vítimas de feminicídio.seila montes
Francesco Manetto
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PETRA ERIKSSON / EPS
Pandemia ameaça apagar uma geração de frágeis avanços das mulheres na luta por direitos no mundo
FILE PHOTO: Members of Las Tesis perform the Chilean feminist protest anthem "Un violador en tu camino"  (A Rapist in Your Path" during the 2020 Women's March in Washington, U.S., January 18, 2020.      REUTERS/Mary F. Calvert/File Photo
O coletivo feminista Las Tesis publica manifesto dias antes do 8 de março: ‘Quemar el miedo’
Mujeres participan en la marcha contra la violencia de genero en la Ciudad de MŽxico el d’a 25 de noviembre de 2019. Miles de mujeres protestaron violentamente para exigir respuesta a las demandas que han hecho de justicia y resoluci—n de cr’menes de odio encontrarme de las mujeres.
Feminismo finca raízes na política da América Latina

A relação conflituosa de Andrés Manuel López Obrador com o feminismo não é nova, mas este ano um símbolo sinistro, um muro, e tudo o que essa palavra representa em um país como o México, aprofundou a rejeição dos movimentos de mulheres. A adoção de um esquema de segurança no centro histórico da Cidade do México, tendo em vista as manifestações de 8 de março, se tornou o emblema mais polêmico deste Dia Internacional da Mulher. A cerca que o Governo mandou colocar no perímetro do Palácio Nacional “para proteger e evitar provocações” durante as manifestações convocadas para esta segunda-feira foi aproveitada por ativistas para uma intervenção em que escreveram centenas de nomes de vítimas de feminicídios. A indignação transformou a cerca em um “muro da memória” contra a violência, como destacaram várias feministas nas redes sociais. Na noite deste domingo frases como “México feminicida” serão projetadas na fachada do palácio. O presidente, por sua vez, atribuiu as críticas a uma “campanha de difamação” da direita e afirmou: “Eu não sou machista”.

A cerca de metal em frente à sede do Executivo e da residência oficial têm sido desde o fim de semana o foco principal dos questionamentos que os movimentos do 8 de Março têm feito do presidente. As objeções vão muito além da cerca — desde as declarações, quase constantes, qualificadas de paternalistas, à defesa de Félix Salgado Macedonio, candidato do partido Morena no Estado de Guerrero, denunciado por estupro — e não são circunstanciais. No entanto, os muros são símbolos muito difíceis de defender, apesar dos esforços das autoridades. O porta-voz da presidência, Jesús Ramírez, tentou no sábado amenizar a carga polêmica dessas imagens falando em um “muro de paz”. O presidente se amparou em possíveis cenários de violência nas mobilizações e, nesta segunda-feira, de Palenque (Chiapas), evitou aceitar críticas e optou pelo contra-ataque.

“Por ocasião do novo aniversário do Dia da Mulher, toda uma campanha de difamação foi desencadeada contra o Governo e contra mim”, afirmou López Obrador em um vídeo em que tenta igualar todos os seus oponentes, sem meios termos. Em primeiro lugar, ele se refere à direita. “Está muito ofuscada, incomodada, irritada, e se tornam ambientalistas ou feministas ... o objetivo é atacar o Governo”, disse. O presidente insiste em que a cerca não foi colocada “por medo das mulheres”, mas “por precaução”. “As forças conservadoras são muito retrógradas, muito autoritárias, infiltram gente para provocar violência, para prejudicar. Imaginem, permitir que vandalizem o Palácio Nacional, porque é isso que querem, um escândalo, uma grande notícia nacional e internacional”, declarou.

Em segundo lugar, o presidente reitera que as forças de segurança garantirão o protesto pacífico e em nenhum caso reprimirão as manifestações. “É melhor colocar uma cerca do que pôr a tropa de choque diante das mulheres que vão protestar, como faziam antes. [...] Podem até chegar a insultar a autoridade, isso é permitido.” E em terceiro lugar, ele recorre a uma grande generalização quando se refere àqueles que chama de “os provocadores”. “São muito autoritários os conservadores, e eu vou dizer, fascistoides. É Hitler, é Franco, é Pinochet. É assim que pensam... E o que isso tem a ver com o feminismo? Pelo contrário, isso é o oposto do movimento feminista”, continuou.

Depois de mencionar três ditadores e se referir aos regimes nazistas e fascistas em um discurso sobre o feminismo, López Obrador enfatiza: “E também que fique claro: eu não sou machista, sou a favor do direito das mulheres, sou a favor da igualdade, sempre fui”. Lembrou que pela primeira vez, em seu mandato de seis anos, há uma secretária de Governo e uma secretária de Segurança Pública. E se atribui o mérito de a paridade nas instituições ter melhorado — “é por causa da nossa luta” — e insiste: “Eu sou um humanista e não sou contra o feminismo. Sou contra a corrupção, a manipulação, sou contra o autoritarismo, a hipocrisia. E agora os conservadores viraram feministas? É o cúmulo”.

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Na realidade, o profundo desconforto com essa atitude também se espalhou nas fileiras do partido Morena. O escândalo Salgado Macedonio, que marcou o início da campanha para as eleições federais e legislativas de 6 de junho, alimentou o protesto, mais ou menos indireto, de dirigentes partidários. O político, porém, tem recebido respaldo contundente do presidente e da máquina da legenda. Uma comissão partidária de avaliação dos quesitos legais obrigou à repetição da pesquisa que determinará o candidato e o resultado ainda não foi divulgado, apesar de Salgado Macedonio já estar inscrito na autoridade eleitoral do Estado de Guerrero.

Os nomes das vítimas inscritos na cerca do Palácio Nacional são apenas uma pequena amostra de uma violência estrutural esquecida. No México ocorrem mais de 3.000 assassinatos sexistas todos os anos, de acordo com dados oficiais, e 99% dos crimes de violência sexual permanecem impunes. Uma pesquisa da SIMO Consulting divulgada neste domingo por EL PAÍS indica que 68% das mexicanas acham que a violência de gênero cresceu muito no último ano, enquanto 62% consideram que o comportamento do presidente em relação aos movimentos feministas é inadequado. Em termos gerais, porém, López Obrador mantém uma aceitação popular que chega a 65%, segundo levantamento da SIMO Consulting para EL PAÍS.


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