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Serviço secreto alemão coloca partido de ultradireita AfD sob vigilância por suspeita de extremismo

Relatório de quase 1.000 páginas atribui violações da ordem democrática a vários representantes da sigla, principal opositora do Governo Merkel

AfD Alemania
Hansjoerg Mueller, deputado da AfD, discursa em um protesto contra as medidas restritivas para combater o coronavírus, em Berlim, em novembro.CHRISTIAN MANG (Reuters)
Elena G. Sevillano
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LEIPZIG, GERMANY - NOVEMBER 07: Protesters hold a banner reading 'Stop the corona madness!' supporters of the Querdenken movement, which opposes coronavirus lockdown measures and has demanded the overthrow of the German government, gather to protest for what they claim are their basic rights during the second wave of the coronavirus pandemic on November 7, 2020 in Leipzig, Germany. Germany is currently in a four-week semi-lockdown in an effort by authorities to rein in coronavirus infection rates that have spiralled to record highs recently. The Querdenken movement, which originated in Stuttgart earlier this year, has become the main umbrella group for people angry over what they see as unnecessary restrictions on their basic rights during the pandemic. The movement includes a wide range of protesters and ideologies, including anti-vaccinators, coronavirus skeptics and a full melange of conspiracy theory advocates. (Photo by Omer Messinger/Getty Images)
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O serviço secreto alemão se preocupava há muito tempo com os discursos e relações com grupos extremistas por parte dos líderes do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). Era uma vigilância rotineira, que só havia sido formalizada em algum caso concreto, como aconteceu com as federações regionais de Brandemburgo e da Saxônia, ou quando, há apenas um ano, o Departamento de Proteção à Constituição da Alemanha (BfV) e o serviço secreto interno declararam extremista o grupo mais radical, denominado Der Flügel (A Asa). Agora é todo o partido que passou a ser formalmente considerado suspeito de atentar contra os valores constitucionais do país. Segundo a imprensa alemã, essa classificação aconteceu na quinta-feira passada.

A decisão é polêmica, já que a AfD é o principal partido de oposição ao Governo de grande coalizão entre social-democratas e conservadores liderado por Angela Merkel. Tem 88 deputados (de 709) no Parlamento alemão e dezenas de cadeiras nas diferentes câmaras regionais. A Alemanha vive um superano eleitoral, com eleições em seis Estados federais e a eleição dos novos representantes dos cidadãos no Bundestag em setembro. O partido de extrema direita acusa o BfV de agir segundo critérios políticos e sob o mandato dos conservadores da CDU e dos social-democratas do SPD, que compartilham o Governo nacional. Especialistas alertam que a formação da extrema direita aproveitará para se vitimizar e usará a decisão para transmitir ao seu eleitorado potencial a ideia de que a máquina do Estado quer silenciar suas propostas.

A base para submeter a AfD à vigilância formal é um relatório volumoso (tem mais de 1.000 páginas) enviado há algumas semanas ao Ministério do Interior pelo Departamento de Proteção à Constituição. Nele, o serviço secreto compila centenas de discursos de líderes partidários e também declarações públicas na imprensa. O ministro do Interior, Horst Seehofer (CSU), vinha estudando o relatório desde então e havia encarregado uma equipe jurídica de realizar uma nova revisão, de acordo com a revista semanal Der Spiegel. O Ministério do Interior queria ter certeza de que as provas coletadas eram suficientes para classificar a AfD como “caso suspeito”. Esta declaração, que se torna efetiva quando há “provas contundentes e tangíveis suficientes de atividade extremista”, implica que o serviço secreto pode usar métodos de espionagem, como interceptar as comunicações de membros do partido ou inclusive infiltrar agentes em suas fileiras, explicou um porta-voz do BfV ao EL PAÍS.

No entanto, a teoria não será aplicada na prática com o partido de extrema direita. O BfV comprometeu-se com o Tribunal Administrativo de Colônia, onde a AfD moveu uma ação contra o serviço secreto, a renunciar, ao menos por enquanto, à vigilância dos deputados dos parlamentos federal e europeu, bem como dos regionais. Também não intervirá —enquanto o caso estiver aberto— nas comunicações dos candidatos às eleições que se realizam este ano, segundo o jornal Frankfurter Allgemeine. O tribunal também não permite falar publicamente da decisão de vigiar a AfD, razão pela qual o BfV não está confirmando a notícia.

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“As decisões do BfV sobre a Alternativa para a Alemanha são puramente políticas”, disse a presidenta do grupo parlamentar da AfD no Bundestag, Alice Weidel, em sua conta no Twitter. “Isto é especialmente evidente em vista das próximas eleições estaduais e federais”, acrescentou, e anunciou novas ações legais contra o serviço secreto. “Tenho certeza de que o caso contra a AfD não será levado ao Tribunal Constitucional Federal”. Se o serviço secreto conseguisse encontrar provas contundentes de políticas contrárias à ordem democrática, o caso poderia acabar no Tribunal Constitucional e a formação se tornaria ilegal.

Vários líderes de outros partidos comentaram a notícia respondendo a perguntas da imprensa ou em suas redes sociais. O secretário-geral da CSU (partido irmão da CDU na Baviera), Markus Blume, escreveu no Twitter que os extremistas de direita são os que dão o tom na AfD e que classificar o partido como caso suspeito é a decisão correta . “Além disso, continuaremos a lutar politicamente contra a AfD”, acrescentou, uma vez que esta formação “não tem lugar nos parlamentos”.

O presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Josef Schuster, afirmou que a decisão “confirma o perigo representado pela AfD”. “Tenta esconder seu radicalismo por trás de uma fachada cidadã. Com sua política destrutiva, a AfD contribui para socavar nossas estruturas democráticas e desacreditar a democracia entre os cidadãos. O Estado não deve ficar à margem”, acrescentou.

A AfD entrou no Parlamento alemão depois das eleições de setembro de 2017, com 12,6% dos votos. Nascera quatro anos antes como um partido de protesto contra os resgates de Bruxelas e sob a bandeira do euroceticismo, mas durante a crise dos refugiados de 2015 concentrou-se na rejeição da imigração. Com a pandemia, direcionou seu populismo contra as restrições e aliou-se aos negacionistas e amantes das teorias da conspiração. A imprensa publica periodicamente declarações xenófobas de seus líderes que beiram o negacionismo. A formação está em crise há muito tempo, dividida entre uma ala radical, abertamente xenófoba, e correntes mais moderadas e liberais que aspiram a transformá-la em um partido de massas. Essas tensões resultaram em expulsões e na dissolução, ao menos no papel, da facção mais radical.

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