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Nayib Bukele consolida seu poder com uma vitória sem precedentes na eleição legislativa de El Salvador

Primeiros resultados confirmam a irrupção do partido Novas Ideias com um número inédito de deputados, que lhe permitirá controlar instituições importantes

Nayib Bukele
O presidente salvadorenho, Nayib Bukele, e sua mulher, Gabriela de Bukele, comparecem à seção eleitoral durante a votação deste domingo.Fred Ramos (El País)
Jacobo García
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Bukele, durante un acto en San Salvador. GETTY
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O furacão Bukele irromperá com força no Congresso salvadorenho após obter uma vitória sem precedentes no país centro-americano desde a instauração da democracia, em 1992. O presidente Nayib Bukele conseguiu um contundente resultado nas eleições legislativas deste domingo, quando seu partido obteve 65% dos votos, segundo os resultados preliminares. Com 50% das urnas apuradas, a tendência confirma a irrupção de seu partido Novas Ideias (NI) nas instituições da pequena nação. Com estas cifras, o presidente populista poderá dispensar o apoio de outras agremiações menores, já que estaria próximo da maioria absoluta de 56 deputados. As cifras apontam para o afundamento dos partidos tradicionais, a esquerdista Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) e a direitista Aliança Nacional Republicana (Arena), que foram apagados do mapa.

A vitória de Bukele, de 39 anos, a mais contundente já obtida por um partido em El Salvador, sepulta o modelo político surgido depois da guerra civil (1980-1992), quando o país se tornou um sangrento tabuleiro da Guerra Fria, com a FMLN e a Arena como lados contrapostos. Desde então, já na democracia, essas duas formações se alternaram no poder sem resolver nenhum dos principais problemas: El Salvador continua sendo um dos países mais desiguais da América Latina, e a corrupção se encrustou no aparelho estatal. Os três últimos presidentes antes do antecessor de Bukele, Salvador Sánchez Cerén, foram presos ou fugiram por causa do contínuo saque aos cofres públicos.

Bukele é o resultado da putrefação política e do desencanto coletivo. Há três anos, uma pesquisa do instituto Latinobarómetro revelou que El Salvador era o país da América que menos importância dava à democracia, com um apoio de apenas 28% da população a essa forma de governo, o menor em todo o continente. De acordo com aquela pesquisa de 2018, 54% da população achava que tanto fazia viver sob uma democracia ou uma ditadura.

Sobre esses escombros, Nayib Bukele construiu um modelo político que dispensa manual prévio. Um movimento desprovido de ideologia e de um líder que não seja Bukele. Um fenômeno que fala aos jovens e ignora os conceitos de esquerda e direita, porque prefere enfatizar a “eficácia”. Um tsunami azul-celeste que despreza o passado ao qualificar os acordos de paz de 1992 como “uma farsa”, e que retrata grande parte da paquidérmica burocracia estatal como algo dispensável, pois basta ao presidente um celular para dar ordens, fazer elogios ou demitir ministros publicamente pelas redes sociais.

Trata-se de uma telecracia moderna, que mede as emoções da opinião pública em tempo real para responder às suas demandas e que promete sem pudor serviços de Primeiro Mundo. Para demonstrá-lo, Bukele mandou construir em poucos meses um hospital no centro da capital, San Salvador, mais do que dobrando o número de leitos de UTI no país (incluindo os hospitais privados). Apoiado nas redes sociais, os termos millenial e cool se tornaram insuficientes para explicar um fenômeno político e social que inclui nepotismo, mas também esperança e entusiasmo, dois termos ausentes há décadas na América Central.

Nayib Bukele insuflou razões para orgulho em um país assolado pela violência e a emigração, mas que, apesar de ser apenas a 117ª maior economia mundial (de um total de 196), viu seu presidente ser escolhido pelos principais líderes do globo para fechar a reunião do Fórum Econômico de Doha em 2019. Para se desvincular do bipartidarismo, bastaram ao presidente frases simples, como “Devolvam o que roubaram” ―as quais, repetidas constantemente, acabaram por humilhar o velho modelo.

Bukele chegou à presidência em 2019 com um partido emprestado, já que não conseguiu registrar o seu Novas Ideias em tempo hábil. Durante os últimos dois anos ele se dedicou a construir o resultado deste domingo. Supriu a falta de deputados com uma estratégia de tensão permanente com os demais poderes e a imprensa. Durante os seus 20 meses de mandato, governou à base de decretos presidenciais, dado o bloqueio dos demais partidos e as peculiaridades de um sistema de votação desenhado para que o presidente não monopolize o poder. A partir de agora, a se confirmarem os dados, não precisará mais negociar com ninguém para nomear o procurador-geral da República, um terço dos juízes da Corte Suprema e o procurador-geral de Direitos Humanos.

Nas suas mãos também estará o Tribunal de Contas. A opacidade nos gastos públicos é justamente uma das principais reclamações contra sua gestão, dado o temor com um gasto público disparado, num contexto de pandemia que provocou uma queda de 8% do PIB. O Governo de Bukele se nega repetidamente a prestar contas de suas atividades, apesar dos pedidos da oposição, e ter o Tribunal de Contas nas suas mãos significar apagar a pouca luz que há na penumbra. Um dos maiores temores da oposição na nova Assembleia é que uma reforma constitucional que está em andamento desemboque numa Constituinte com a qual Bukele poderá tentar garantir a sua reeleição (o período presidencial atual está limitado a um mandato de cinco anos).

Para dimensionar o tamanho da vitória, nunca um partido tinha obtido tantos deputados. A cifra mais alta coube à Arena em 1994 quando somou 39 deputados. Nesta ocasião, Bukele se aproxima dos 56. Segundo o cientista político Álvaro Artiga, é hora de impulsionar em El Salvador reformas fiscal, previdenciária e constitucional, em lugar de impor guinadas autoritárias. “Bukele pode deixar um legado positivo ou ir pelo caminho da Nicarágua”, afirmou Artiga, doutor em Ciência Política pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em entrevista ao jornal local El Mundo.

Paradoxalmente, o único contrapeso que Nayib Bukeke enfrentará nos próximos anos não está dentro do país, e sim fora: trata-se dos Estados Unidos, de onde provém a principal fonte de renda do país, as remessas enviadas mensalmente pelos emigrantes. A administração de Joe Biden dá sinais de não gostar das maneiras de Bukele. Esta relação pode cambalear se forem efetivados os pedidos de extradição contra vários líderes da gangue MS-13, o que, por extensão, poderia derrubar também a pacificação das ruas da qual o mandatário tanto se gaba, depois de conseguir reduzir as cifras de homicídios a níveis inéditos.

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