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A vacina de uma dose que pode aliviar a escassez de injeções contra o coronavírus

O imunizante da Janssen, com importantes vantagens logísticas, espera sua aprovação na Europa em 11 de março e pode fazer com que o ritmo de vacinação ganhe velocidade

Vacunas coronavirus
Funcionária de saúde prepara uma seringa com a vacina da JanssenAP
Nuño Domínguez

Nesse momento da pandemia a aprovação de uma nova vacina não deveria ser notícia. Já existem duas injeções com mais de 94% de eficácia e outra com uma porcentagem menor, mas ainda eficaz. O problema é que não há doses suficientes e sua falta continua sendo um problema urgente em muitos países, incluindo o Brasil, que só imunizou 3% de sua população. Por isso a aprovação da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Janssen, que terá sinal verde em 11 de março na Europa, é uma notícia de grande importância. Sua principal vantagem é que seria a primeira disponível que só precisa de uma dose, o que pode fazer com que, por fim, o ritmo de vacinação ganhe velocidade de cruzeiro e se consiga chegar ao verão (do Hemisfério Norte) com a maioria da população imunizada.

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A vacina tem um mecanismo de ação semelhante à de Oxford e AstraZeneca. Consiste em um fragmento de DNA que ao entrar nas células de uma pessoa produz a proteína da espícula do coronavírus. A presença dessa molécula no organismo alerta o sistema imunológico, que começa o processo de gerar imunidade contra essa proteína sem a qual o coronavírus é incapaz de infectar. Para levar o DNA à célula é usado um adenovírus humano semelhante aos que produzem catarro, mas desativado e sem capacidade de se replicar.

A vacina Ad26.COV2-S foi testada em um grande ensaio clínico —Ensemble 1— em vários países com mais de 40.000 voluntários. Os resultados, anunciados pela empresa, mas ainda não publicados em uma revista científica, mostram uma eficácia global de 66,9%. O mais importante é que essa vacina evita a doença grave e crítica em 85% dos casos. 28 dias depois da vacinação, nenhum dos voluntários que receberam a injeção foi hospitalizado por covid-19. Pode se dizer que esta vacina evita em 100% as mortes por covid-19, pois nenhum dos vacinados morreu pela infecção.

“A principal vantagem dessa vacina é que foi testada em pessoas idosas e parece segura e eficaz”, diz Marcos López-Hoyos, presidente da Sociedade Espanhola de Imunologia. Seu hospital, o Marquês de Valdecilla, em Santander, participou em fases anteriores dos testes com a vacina. “A injeção gera uma resposta imune adequada com anticorpos neutralizantes [as proteínas capazes de bloquear a entrada do vírus nas células]. Além disso, ocorre uma boa resposta de células Th1, o tipo de célula do sistema imunológico que tem mais capacidade antiviral. Por outro lado, não gera células Th2, que podem provocar complicações respiratórias como asma”, detalha o imunologista.

Um dos dados mais preocupantes sobre o imunizante é que da mesma forma que as outras funciona sensivelmente pior contra a variante sul-africana do vírus. A Janssen – cuja matriz é a multinacional Johnson & Johnson— disse que na África do Sul, onde a nova variante já está muito espalhada, a eficácia foi de 57%. Mas esse dado se junta a outro mais positivo. Apesar da presença da nova variante, a injeção evitou os casos graves de covid-19 e as mortes no mesmo nível: em 85% dos casos. O mesmo aconteceu no Brasil, onde circula outra variante preocupante neste sentido.

O médico José Ramón Arribas coordena na Espanha um segundo ensaio – Ensemble 2 – com a vacina no qual está sendo testada a eficácia de duas doses. “O sentido de usar somente uma é porque estamos em uma situação de emergência pandêmica”, diz. “Nós estamos estudando se uma segunda dose aumenta a eficácia e prolonga a duração da proteção”, afirma. Arribas diz que podem ter resultados em poucas semanas. Também diz que haverá dados em breve sobre o ensaio de uma dose em um aspecto crucial: se os vacinados transmitem ou não o vírus. Por enquanto as vacinas mostraram eficácia para evitar a covid-19, mas não está claro se também impedem que o vacinado possa portar o vírus e transmiti-lo. “Por enquanto há dados preliminares que mostram que a vacina reduz as novas infecções assintomáticas”, afirma Arribas.

Uma das maiores forças da vacina da Janssen é que foi testada em um grande número de pessoas idosas, as mais vulneráveis à covid-19, algo que não foi feito com a da AstraZeneca. “Nos testes atuais, 34% dos voluntários têm mais de 60 anos e isso é muito importante porque se por fim essa vacina for aprovada será apta para todos os grupos de idade”, frisa Susan Otero, adjunta de medicina interna e epidemiologista do Hospital Vall d’Hebron de Barcelona e responsável pelo Ensemble 2 no hospital.

A outra grande vantagem do imunizante é que pode ser conservado em uma geladeira convencional. É o mesmo que acontece com a de Oxford e AstraZeneca, mas não com as da Pfizer e da Moderna, que são as mais eficazes, mas precisam ser preservadas em congeladores a temperaturas de menos 20 graus e até mais baixas. Isso faz com que a logística de distribuição seja muito mais complexa.

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Uma das incógnitas sobre a vacina da Janssen é quantas estarão disponíveis após sua aprovação. Um comitê da agência de medicamentos dos EUA analisou na sexta-feira os resultados da vacina e a aprovação ocorrerá no sábado, como já aconteceu com vacinas anteriores. Na Europa se espera que a aprovação seja em 11 de março. A Europa comprou 200 milhões de doses da Janssen com a opção de adquirir outros 200 milhões. A Espanha receberia 40 milhões de vacinas, o que quase cobriria toda a população. A empresa explica que espera começar a fornecer os 200 milhões de doses no segundo trimestre de 2021.

Nesta semana, o vice-presidente da empresa, Richard Nettles, disse em um depoimento no parlamento norte-americano que sua empresa prevê ter 20 milhões de doses para os EUA no final de março, 100 milhões no verão, e 1 bilhão no total no final de 2021.

“A produção de nossa vacina é um processo muito complexo”, disse Nettles ao Congresso. Produzir uma ampola com a vacina pronta para ser injetada leva pouco menos de três meses, de acordo com seu depoimento.

Primeiro é preciso produzir o antígeno usando células vivas, o que leva dois meses. Depois é preciso transportar a substância congelada a 70 graus abaixo de zero aos pontos de produção, onde é descongelada e diluída para depois armazená-la nas ampolas, o que leva mais 18 a 22 dias. A empresa tem 15 instalações por todo o mundo que participam desse processo. Na Europa o antígeno é produzido em Leiden, Holanda. A formulação e envasamento do produto é realizado nas instalações da farmacêutica espanhola Reig Jofre, nas cercanias de Barcelona, e em Anagni (Itália), ao sul de Roma.

Outra incógnita importante sobre a vacina é seu preço. A empresa disse que pretende fixar um preço único global para todo o mundo e que o fará “sem fins lucrativos”. Como referência, a vacina mais parecida a essa, a de Oxford e AstraZeneca, custa três euros (20 reais) por dose. As da Pfizer e da Moderna, com uma tecnologia baseada em RNA mensageiro, custam aproximadamente 15 e 21 euros (100 e 140 reais), respectivamente.

“Esta vacina é importante porque pode acelerar os programas de vacinação de modo incrível”, diz Amós García, presidente da Sociedade Espanhola de Vacinologia. O que lhe parece “impossível” é prever quando haverá uma quantidade suficiente de pessoas vacinadas para que a normalidade volte. “Dependemos mais do que nunca do ritmo de chegada das vacinas”, frisa.

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