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À caça do último nazista nos Estados Unidos

Justiça norte-americana deporta Friedrich Karl Berger, cidadão alemão de 95 anos que foi guarda em um campo de concentração e vivia no Tennessee desde 1959

Friedrich Karl Berger
Uma imagem de Friedrich Karl Berger sobreposta a uma foto do campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha.Jens Meyer (AP)
Amanda Mars
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(Original Caption) 3/11/1978-St. Louis: Frank Collin, national director of the National Socialist (Nazi) Party of America, points a finger and shouts back at anti-Nazi crowds that lined a parade route through south St. Louis, 3/11. The crowd jeered and hurled snowballs as the 42 Nazis rode by on a flatbed truck. Collin of Chicago, had called the march a prelude to a Nazi march through predominantly Jewish neighborhoods in Skokie, Ill. on 4/20
O advogado judeu que lutou pelas liberdades dos nazistas
Prison pictures of George Blake a Soviet double agent who whilsts working for MI6 is belived to have betrayed details of some 400 MI6 agents to the Soviets, destroying most of MI6's operations in Eastern Europe in the nine years he worked for the Russians. Blake when questioned following his arrest said, "I don't know what I handed over because it was so much". In 1961 he was sentenced to 42 years in prison, he escaped from Wormwood Scrubs prison in 1966 and fled to the USSR. (Photo by Crown/Mirrorpix/Mirrorpix via Getty Images)
Morre George Blake, o famoso agente duplo britânico que espionou para a URSS na Guerra Fria
Fotografia do visto fornecido pelos EUA em 1949 a Jakiw Palij, antigo guarda nazista.
A caçada aos últimos nazistas continua

Friedrich Karl Berger chegou aos Estados Unidos em 1959 como um a mais entre milhões de imigrantes europeus que àquela altura buscavam a vida nesta parte próspera do mundo. Ao final da II Guerra Mundial, conseguiu entrar primeiro no Canadá, procedente da Alemanha, mas depois se estabeleceu em Oak Ridge, uma pequena cidade do Tennessee (sul dos EUA). Lá constituiu família ao lado da esposa e da filha, trabalhou fabricando aparelhos para desencapar fios elétricos e se tornou um membro integral dessa prototípica comunidade de subúrbio norte-americano. Também ali Friedrich Karl Berger se aposentou e enviuvou, virou avô e, fechando o ciclo de qualquer biografia banal, estava destinado a morrer. Mas no sábado passado, aos 95 anos, a Justiça dos Estados Unidos o deportou ao seu país de origem por ter servido como guarda do campo de concentração nazista de Neuengamme, perto de Hamburgo.

Só a morte dos culpados, a passagem inexorável dos anos, porá fim nos Estados Unidos à caçada aos criminosos do Holocausto. Em 1979, o Departamento de Justiça lançou um programa especial para detectar, investigar e deportar qualquer colaborador das atrocidades da II Guerra Mundial e, desde então, ganhou processos contra 109 indivíduos. Nos últimos 30 anos, segundo seus dados, os EUA caçaram mais nazistas que todos os demais países juntos. Nunca retrocederam no empenho de encontrar até o último escondido em seu território. Com Berger, em 20 de fevereiro, já são 70 os deportados e, pela data e pela falta de casos semelhantes ainda em aberto, ele pode se tornar em um dos últimos, ou mesmo o derradeiro.

O sórdido passado deste morador do Tennessee veio à luz em documentos achados num navio alemão que foi afundado pelas forças aliadas em 1945 e descoberto cinco anos depois. O material foi investigado pelos historiadores do Departamento de Justiça dos EUA, que anos depois localizaram Berger. Em fevereiro de 2020, ele confessou a um tribunal que tinha servido em um campo-satélite de Neuengamme, perto da localidade alemã de Meppen, que abrigava sobretudo prisioneiros russos, holandeses e poloneses. Os réus viviam em condições “atrozes”, segundo o juiz, e foram explorados trabalhando ao ar livre “até a extenuação e a morte” durante o inverno europeu de 1945. No fim de março, conforme as forças britânicas e canadenses ganhavam terreno, os nazistas abandonaram o complexo. Foi então que esse cidadão alemão desempenhou um papel especialmente nocivo.

Berger se encarregou de custodiar a retirada forçada dos prisioneiros em uma viagem “desumana” de duas semanas, que ceifou 70 vidas, segundo a sentença. Centenas de outros detentos morreram depois, ao serem retidos em duas embarcações ancoradas na baía de Lubeck, no mar Báltico, que os britânicos bombardearam por engano. Entre os restos do naufrágio apareceu a informação sobre Berger. Um juiz de imigração do Tennessee emitiu a ordem de deportação em 28 de fevereiro de 2020, depois de um julgamento de dois dias. Os moradores de Oak Ridge ficaram perplexos, e ele começou uma batalha judicial para evitar a expulsão, que terminou em novembro passado, quando a ordem foi confirmada.

O nonagenário chegou no sábado passado a Frankfurt e foi entregue aos investigadores para um interrogatório, segundo a Associated Press, embora tempos atrás a Justiça alemã já tenha rejeitado as acusações contra ele, por falta de provas, segundo o The Washington Post ―uma decisão que poderia ser revertida depois do processo nos EUA. Em uma conversa com aquele jornal, em março passado, Berger alegou que tinha apenas 19 anos na época dos fatos e foi obrigado a trabalhar no campo de concentração. “Depois de 75 anos isto é ridículo, não posso acreditar”, queixava-se, naquelas que foram as suas únicas declarações públicas.

Entretanto, durante o julgamento ele admitiu também que nunca pediu para ser transferido daquele local e que, décadas depois, continuava recebendo uma pensão da Alemanha por seu trabalho no país, incluído “seu serviço durante a guerra”.

Berger foi deportado com base em uma emenda de 1978 à Lei de Imigração e Nacionalidade, conhecida como Emenda Holtzman, que proíbe qualquer cúmplice da perseguição nazista de entrar ou viver nos Estados Unidos. “Neste ano que marca o 75º aniversário das condenações de Nuremberg, este caso demonstra que a passagem das décadas não deterá o Departamento na busca por justiça em nome das vítimas dos crimes nazistas”, destacou o secretário interino de Justiça do país, Monty Wilkinson.

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