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Colômbia se propõe a regularizar um milhão de venezuelanos ilegais no país

Iván Duque põe em marcha um estatuto temporário de proteção para imigrantes do país vizinho

Migración en Colombia
Menino pratica beisebol em um acampamento improvisado por imigrantes venezuelanos, em Bogotá.Camilo Rozo
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O Governo da Colômbia pretende regularizar por meio de um estatuto temporário de proteção, válido por 10 anos, cerca de um milhão de imigrantes venezuelanos que estão em território colombiano em situação irregular. O projeto ratifica a política de acolhimento e flexibilidade imigratória que o país tem mantido em todos os sentidos, com um roteiro para integrar as famílias venezuelanas que se instalaram em todo o país nos últimos anos. Também se torna uma porta de entrada para a oferta de serviços do Estado, às vésperas do início da vacinação em massa que a partir de 20 de fevereiro buscará imunizar a população contra a covid-19.

“Tornamos pública a decisão de nosso país de criar um estatuto temporário de proteção na Colômbia que nos permita realizar um processo de regularização dos imigrantes que estão em nosso país”, declarou o presidente Iván Duque, após encontro em Bogotá com o alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi. “Não somos um país rico, somos um país de renda média e temos feito um grande esforço fiscal para fazer frente a essa situação”, lembrou o presidente. Ele destacou que espera que outros países da região sigam esse exemplo e que a comunidade internacional contribua com recursos e ferramentas para atender à população imigrante. “Com isso, a Colômbia reafirma seu amor e seu respaldo a todo o povo venezuelano que foi vítima desta tragédia”, concluiu, referindo-se ao regime de Nicolás Maduro.

Mais de cinco milhões de venezuelanos fugiram de seu país empurrados pela hiperinflação, insegurança e a escassez de alimentos e medicamentos nos últimos anos, um fluxo maciço que se intensificou com o agravamento da crise econômica e o bloqueio institucional em Caracas. Destes, um terço se estabeleceu em busca de oportunidades na vizinha Colômbia, com a qual a Venezuela compartilha mais de 2.200 quilômetros de uma fronteira porosa, com muitas travessias informais conhecidas como trochas (trilhas). No final de 2020, havia 1.729.537 venezuelanos do outro lado da linha de fronteira, dos quais 966.714 estavam em situação irregular ―ou seja, entraram pelas trilhas, ou ultrapassaram o prazo da licença concedida―, segundo as cifras da Migração Colômbia. Durante 2019, o número em situação irregular se multiplicou por dois e, então, se estabilizou a partir do primeiro quadrimestre de 2020, quando a pandemia mudou por completo as expectativas de todos os habitantes da região.

O mecanismo jurídico anunciado ―complementar ao regime de proteção internacional aos refugiados, conforme explicado pelas autoridades colombianas― visa essencialmente conseguir um cadastro único da população imigrante venezuelana, que as autoridades planejam começar a pôr em prática em pouco mais de três meses, outorgar o benefício temporário da regularização e, eventualmente, facilitar a sua transição para o regime normal de imigração. As medidas incluem todos os imigrantes regulares venezuelanos, os que estavam na Colômbia em situação irregular até 31 de janeiro de 2021 e aqueles que entrarem na Colômbia por um posto de controle de imigração durante os primeiros dois anos de vigência do nascente Estatuto Temporário de Proteção para Imigrantes Venezuelano (ETPV).

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“É um gesto humanitário emblemático para a região, até para o mundo inteiro”, disse Grandi, titular do ACNUR, ao enfatizar que representa um compromisso com os direitos humanos e permitirá, entre outras coisas, uma maior cobertura vacinal em meio ao atendimento pela pandemia. “Este importante ato de solidariedade permitirá que aproximadamente um terço dos cinco milhões de refugiados e imigrantes venezuelanos na região tenham acesso formal a serviços e contribuam com a economia colombiana”, destacou em uma declaração o secretário-geral da ONU, António Guterres.

A pandemia pôs em evidência as condições precárias dos imigrantes venezuelanos espalhados pela América Latina. Na Colômbia, de longe o principal país de acolhida, eles estão entre os setores mais expostos ao coronavírus. A grande maioria, especialmente aqueles em situação irregular, faz parte dos setores vulneráveis da sociedade que sentiram com mais força os embates da crise econômica causada pela pandemia ―nove em cada dez alimentam as fileiras da informalidade. As medidas de confinamento decretadas para conter os contágios tornaram difícil para eles, no último ano, ganhar a vida nas cidades onde encontraram refúgio. Já em seu país de origem, para o qual milhares pretendiam retornar, as autoridades chavistas os trataram como “armas biológicas” e restringiram seu retorno. No entanto, as autoridades colombianas alertaram que, apesar do fechamento da fronteira em vigor por causa da crise de saúde, o fluxo migratório se reativou e voltou a crescer em circunstâncias que suscitam temores de surtos de xenofobia.

A imigração em massa colocou uma pressão considerável sobre os serviços públicos colombianos. Duque disse em dezembro que, temendo um efeito indireto que pudesse causar uma “corrida” rumo ao país, os imigrantes sem documentação legal não teriam direito à vacina contra a covid-19, que começaria a ser administrada em 20 de fevereiro, uma declaração que lhe custou uma onda de críticas. Desde então, as autoridades sanitárias suavizaram essa posição e o próprio presidente tem apelado repetidamente à mobilização de recursos da comunidade internacional para enfrentar a maior crise imigratória do continente. O anúncio oferece um horizonte sanitário muito mais claro para todas essas pessoas, cuja proteção na pandemia estava sob risco.

“Em um avanço regulatório sem precedentes em sua política de imigração, a Colômbia assume o compromisso de estabelecer um Estatuto de Proteção Temporária para apoiar os milhares de venezuelanos que chegaram ao país, promovendo sua integração. Esta é uma referência para um mundo que cada vez mais põe obstáculos aos imigrantes”, avalia Lucas Gómez, gerente presidencial para a Fronteira e Imigração da Venezuela. Entre os “inúmeros benefícios” para a população imigrante ele destaca o atendimento à saúde como parte de uma regularização que permitirá incluí-los nos planos de vacinação.

Xenofobia e fechamento da fronteira

No início da pandemia, a já alta negatividade em torno das pessoas de origem venezuelana sofreu um forte aumento na medição periódica do instituto de pesquisas Invamer. Naquela ocasião, os preconceitos se multiplicaram ante o medo de que os imigrantes fossem vetores de contágio. Essa hipótese foi aos poucos descartada pelos fatos, e o pico da raiz xenófoba se reduziu, retornando aos níveis pré-pandemia.

Mas, em paralelo, houve uma certa recuperação para cima na porcentagem de cidadãos colombianos que considerariam justo ou apropriado manter a fronteira aberta para o trânsito após a pandemia.

Ainda são uma minoria de um quarto em relação aos três quartos que prefeririam fechá-la, mas é possível que o anúncio da Presidência tenha um efeito positivo sobre esses índices, contando também com a integração ao esquema de saúde e vacinação da Colômbia. Nem a estrutura institucional do país nem sua população estão acostumadas a receber grande contingente de pessoas, mas esse desafio pode servir justamente como um gatilho.

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